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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/01/2023

Fluído como a água.

T-Rex: “Eu descobri que, para mim, a meta não é chegar a um sítio, a meta é continuar a andar”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/01/2023

Lançando projeto atrás de projeto com a força colossal de uma placa tectónica, há um bom par de anos que Daniel Benjamim, mais conhecido por T-Rex, agita as águas no panorama do rap português, com beats dignos da palavra banger e versos que não nos saem da cabeça durante semanas. Agora explodindo finalmente em forma de tsunami, o autor de Gota D’Espaço e Castanho lança Cor D’Água, o seu primeiro álbum, fruto de três anos de criação e de um aglomerado de histórias e vivências, oriundas das profundidades do artista. 

Sem nunca esquecer o berço e as raízes, mas com a mira posta na mais longínqua estrela do universo, Cor D’Água veio mostrar a fluidez de T-Rex enquanto artista e pessoa, explorando novas sonoridades adornadas de letras mais íntimas e colaborações de espantar qualquer fã. Priorizando a família que conhecemos pelo nome de Mafia73 ou We The Gang, surge nesta obra algo que poderá surpreender muitos, pelo cariz raro que carrega: o feito de partilhar uma música com Slow J – mas um dia não são “Dias” e o improvável aconteceu, por isso temos razões para celebrar. 

Na mesma onda de celebração, o Rimas e Batidas dirigiu-se aos Nirvana Studios para entrevistar o artista antes da sua listening party, numa longa e íntima conversa sobre o antes, o agora e o depois, para onde vai e o que quer deixar para trás. 



Começaste logo com algo líquido, com Chá de Camomila, avançaste para a Gota D’Espaço, fizeste um “BEEP STOP” no Castanho e agora apresentas-nos Cor D’Água. Qual é o conceito por detrás deste projeto?

O conceito é baseado na água e inicialmente até começámos pelo conceito do azul, mas se formos a ver, na verdade não é o azul [a cor da água]. Nós associamos o azul à água por causa do mar e assim, mas na realidade a água é transparente. Assim, em vez do azul, a água pode ser de qualquer cor, porque é capaz de refletir qualquer cor, então fomos por aí e utilizámos este conceito. E isto serve para falar da minha versatilidade enquanto pessoa e enquanto artista, porque o álbum também abrange vários estilos, temos ali afroswings e outras coisas que, se calhar, o people não está habituado a ver do T-Rex. Enquanto pessoa, tenho amigos de várias etnias diferentes e estilos de vida diferentes.

És fluido como a água.

Ya, fluído como a água, exatamente.

E como surge esta capa do disco?

Foi uma ideia que tive juntamente com o Bertony, sobre essa parte da reflexão das cores. E é um conceito top e muito especial para o primeiro álbum. Desde já também um shot out para o Bertony que é um designer da Bélgica. 

Um tema muito comum nas músicas deste álbum são “nuvens”. O que é que esta metáfora significa para ti? 

Eu gosto muito porque eu também venho da claque dos nerds; sou dessa claque e da claque do pessoal anime.

Então tem algo a ver com o Avatar: The Last Airbender, és um Samurai dos elementos? 

[Risos] O Avatar também, ya! Todas essas coisas do pessoal de 90’s. Isso são cenas que na cultura japonesa eles abordam bastante, então sem sombra de dúvida que isso me influencia; e acho que não influencia só a mim, mas também os membros da Mafia[73], tanto que a Mafia73 é também inspirada nos animes e nessa cultura.

Mas algum anime em específico?

Olha, o anime que mais nos impactou, posso dizer que foi o Naruto, se calhar falando por mim. O PiMP [WiLLIAM] é o mais geek dos animes, se calhar a ele impactou-lhe um diferente, mas eu tenho quase a certeza de que ele vai dizer Naruto, se algum dia o entrevistares. E em segundo lugar, o Dragon Ball, mas só porque existe o Naruto, se não ficava o Dragon Ball em primeiro.

São exatamente 20 faixas neste que é um álbum extenso. Foi necessário cortares ou deixares alguma música de fora ou sempre tiveste em mente um número em específico? 

Na verdade, sempre tive um número em específico e o número na altura era 15; depois foi para 18 faixas e depois eu tive de cancelar algumas faixas que também já não me fariam sentido. E há um segredo mega top secret que nenhum fã sabe e que eu também não expus, que é para o pessoal não ficar assustado: eu perdi o álbum inteiro [risos].

Como é que isso aconteceu? [Risos] Apagaste sem querer?

Não. Eu levei o computador para arranjar numa loja — também não vou expor a loja, estaria a dar-lhes backlash e já discuti muito com eles; vontade não me falta, mas um gajo não é mau a esse ponto —, pedi um backup e não fizeram um backup dos meus ficheiros e o álbum foi à vida. A sorte foi que eu tinha backup dos projetos mais importantes e assim o álbum resistiu a essa quase queda.

E isso influenciou alguma coisa ou ficou tudo como estava planeado inicialmente?

Ficou tudo igual.

Pronto, então está ótimo [risos]. Estão presentes neste projeto várias faixas que saíram antes do Castanho e não entraram nesse projeto, como a “Volta” e a “Feeling”. Porquê metê-las agora?

Elas, na verdade já faziam parte do Cor D’Água, o “É Assim” também era para fazer parte do Cor D’Água, assim como o “GUUD”, mas eu acho que não fundia tão bem com o conceito do álbum, se calhar não era tão pessoal como eu queria que o álbum fosse. Eram músicas mais banger, então decidi deixá-las para o Castanho e continuar com a energia do “Volta” e do “Feeling” no Cor D’Água, porque acho que já vai mais ao encontro do tema da versatilidade. 

Ou seja, o Cor D’Água estava feito antes do Castanho e andaste a lançar singles de outro álbum sem o pessoal saber [risos].

Exatamente [risos].

E eu lembro-me que a “Surviva” tocava durante um bocadinho no início dos teus concertos.

Fizeste o trabalho de casa! [Risos] Eu até pensava que o pessoal não notava, que não estava atento o suficiente. Era só para dar aquele spoilerzinho do “ya, tamos aí a vir” [risos]. Mas ya, o “Surviva” foi mesmo a jogada de campo.

Na tua última entrevista ao Rimas e Batidas disseste que faltava preencher um slot de músicas para o Cor D’Água. Lembras-te de quais usaste para preencher? 

Preenchi com o “Tá Tudo Bem”, “Memória” e tinha perdido o projeto do “Pé Novo”, então refiz o projeto do “Pé Novo” e acho que era só. Pode estar alguma a escapar-me, mas pronto, já tínhamos basicamente 18 faixas feitas e selecionadas para o álbum.

Nessa mesma entrevista dizes que estavas a tentar fazer as tuas músicas de uma maneira mais simples, porque achavas que antes “exageravas”. Sendo tu “Anti-Antes”, sentes que conseguiste mudar isso neste álbum e talvez simplificar?

Acho que consegui. Acho que podia ser ainda mais simples [risos], mas à medida que vou ganhando o que acho que posso chamar de “maturidade artística”, vou conseguindo contornar isso. Podia ter sido mais simples, mas eu acho que conseguimos atingir o objetivo da simplicidade, de um novo T-Rex e de bons sons para serem curtidos em palco. É essa também a grande intenção do Cor D’Água, ter sons que em palco não façam tanta confusão, para o pessoal também conseguir acompanhar. Porque eu dei conta nesta tour que também é muito complicado eu estar ali armado no melhor rapper do mundo, tentar cuspir as melhores barras e as melhores métricas e o pessoal não conseguir acompanhar nem disfrutar da música como eu quero. [Fiz estes sons] para desfrutarem em casa também, onde não estão a pular.

Sim, porque nos teus concertos o pessoal às vezes abre roda.

Exato. Tem de haver um verso que dê tempo ao pessoal para respirar enquanto está ali no moshpit, ‘tás a ver? [Risos] Então ya, investimos nisso e eu acho que consegui chegar a esse ponto.

Há várias sonoridades neste álbum, nota-se que experimentaram com os beats. Produziste muito para este projeto? Como foi o processo  de criação dos beats?

Em todos os meus projetos eu tento sempre incluir uma, duas, três produções minhas. Neste álbum não foi exceção, tenho três produções. Produzi a “UUUUHH”, que é a intro do álbum, a “Donde” e a “Tá Tudo Bem”. Eu gostaria muito de ter um projeto produzido só por mim.

O trabalho que isso ia dar, escrever as letras, produzir, fazer mix, fazer master. [Risos]

Mas também não era nada de novo! [Risos] Eu também faço as minhas mixes, as minhas masters. Neste álbum já não fiz a master, fiz só mix, que também acho que é o trabalho mais envolvente. Depois o master é pôr o bolo bem fofo. Mas tenho conhecido tanta gente incrível, então de resto é tudo outras produções de outros producers. E eu acho que também precisava disso, de fazer mais trabalho de campo, envolver-me mais artisticamente com produtores nacionais, porque há produtores excelentes, mas antes eu não sabia chegar [a eles], nem tinha os contactos, nem sabia que eles curtiam das minhas cenas!

Quem é que chamaste?

Neste álbum temos o Charlie [Beats], o Lhast, o Kidonov, benji [price] e os upcoming que é o caso do YeezYuri e do mizt, que são produtores underground. Eu acho que eles já fizeram trabalhos para artistas de grande calibre, mas acho que não foram bem notados ainda e a minha intenção também é divulgar.

E quem pôs o sample da senhora a falar na “Surviva”?

Quem produziu foi o Charlie, shout out para ele. Quem está a falar no sample é a minha irmã mais nova, eu tento envolver toda a gente. A minha missão é essa, pôr a minha família no topo. Pôr no que der. Tenho sobrinhas com um enorme talento.

Para cantar?

Não digo tanto para cantar. A Nicole, por exemplo, canta muito bem, mas não sei se ela vai ter paciência para esta vida. Ela também é muito reservada. Mas tenho também a Joana e a Rita, que são pessoas muito inteligentes e eu, no futuro, curtia de pôr a minha família a trabalhar comigo, criar algo tipo os chineses, que põem a família deles toda a trabalhar [risos].

Disseste outrora que o rap e rótulo de “rapper” é bastante limitado e que gostas sempre de fazer coisas que não estão à espera que faças. O que achas que não estavam à espera com este álbum?

É mesmo aquela cena que vai ao encontro do conceito, que é a versatilidade. Acho que, com este álbum, vão ouvir estilos que se calhar não estavam habituados a ouvir o Rex a fazer e acho que é essa cena que, talvez, vai despertar um clique novo no pessoal. Acho que o people sabe que eu tenho a capacidade para fazer isso, mas se calhar pensa que eu não iria fazer esse tipo de som. Gosto de mambos arriscados, cenas arriscadas, desafio-me todos os dias.

Vês-te a fazer algo fora do rap, noutro estilo? Já ouvi aí dizer que estavas down para fazer um fado.

E estou down para fazer um fado, for real! Com uma fadista, claro, porque ela vai ter de me dar as direções.

Podias chamar a Gisela João ou a Ana Moura, que agora também está a experimentar com novas sonoridades; tem músicas com o Pedro Mafama e produções do Pedro da Linha, por exemplo.

Eu por acaso conheço o Pedro Mafama! Já ficámos de combinar, era top, já falámos acerca de nos encontrarmos, não logo para fazer música, porque eu apercebi-me que ele nisso é um pouco como eu: para fazer música com outra pessoa, precisa de se identificar mesmo com a pessoa e conhecê-la. Então ya, ele disse-me para bebermos umas jolinhas e combinar, para depois fazermos música, por isso acho que esse feat com a Ana Moura pode não estar muito longe [risos].

Na “Tá Tudo Bem” dizes que estás já noutro espaço. Mesmo lançando álbuns com um curto intervalo entre um e outro, consegues identificar alguma evolução? Que mudanças destacas?

No panorama musical português, eu sinto que aquilo que tenho trazido é uma cena fresh, que eu acho que se calhar o pessoal não ouviu ainda. E muitos jovens, se calhar, não têm ainda a coragem para abordar esse tipo de estilos e arriscar, o que eu não julgo — é a segurança daquilo que nós ouvimos que depois fica como influência. Mas acho que é nesse aspeto que eu quero dizer que estou noutro espaço. Estou a pensar em cenas diferentes e não só, a nossa nave também, eu sinto que é diferente. 

Em “Old Skool” falas sobre teres “uma lâmpada no peito”. O que é que mais te dá luz?

O que mais me dá luz é saber que estou a fazer um trabalho que é super hiper mega arriscado e, graças a Deus, eu consigo alimentar a minha família através desse trabalho. Acho que isso é a coisa que mais me dá luz. Os meus irmãos também. Tenho uma filha, a Alana, e a minha maior missão é isso: não deixar que nada falte, essa é a cena que me dá luz. É um trabalho arriscado que, outrora, no meu tempo de puto, se calhar ninguém acreditava. Mas eu sempre tive a veia artística e a minha mãe só dizia “ah, música, meu filho. O teu pai é músico, a mãe é música, dele também não passa!”.

Os teus pais também são músicos?

Ya, o meu pai é percussionista, Dalu Roger. Já tocou cá, nos Globos de Ouro, já há muito tempo, com o Ricky Martin. É uma família de músicos. Eu sempre digo que a minha casa é casa de música, lá estava sempre a passar muita música: eu ia para o quarto da minha irmã e lá estava ela a ouvir Backstreet Boys; ia para o quarto da minha outra irmã, estava a ouvir kizomba; ia no quarto do meu irmão, o meu irmão estava a ouvir Nigga Poison, Wu-Tang, Boss Ac. Ficou ali um mix. Estávamos todos juntos na sala, não havia TV por cabo na altura, mas tínhamos bué cassetes. O meu pai deixou-nos bué cassetes. Aquilo era repetir a cassete do Michael Jackson de manhã à noite, em loop [risos]. A minha casa é sem sombra de dúvida uma casa de músicos, acho que isso influenciou bué. Daí ser o mambo que me dá mais luz, eu poder ajudar os meus irmãos, a minha família.

Nesta música falas também sobre outro dos pilares do hip hop, o breakdance, e um pouco do estilo de roupas que normalmente acompanham o movimento porque “a vibe é old school.” Lembras-te de qual foi o teu awakening para o hip hop? Nasceu em casa também?

Foi de estar em casa a ouvir hip hop. Eu sempre fui um puto muito energético, então sempre gostei bué de parkour e dessas coisas de andar a pular à toa. Mas antes do parkour, eu era fã de bboying. Já dancei, já fui à RTP. Eles tinham no site o vídeo do concurso, eu já fui à procura e não encontro mais, era o concurso “Febre da Dança”, foi em 2007.

E como é que aprendeste a dançar?

Foi em casa mesmo, foi no tempo daquele programa da MTV…

O America´s Best Dance Crew?

Ya! Exatamente!

Esse programa foi um dos meus principais awakenings para o hip hop! Saudades Jabbawockeez.

Yaaa! [Chocamos os punhos] Os Jabbawockeez! Imitávamos bué os Jabbawockeez! 

Mas é engraçado falares nisso, porque aposto que pouca gente sabe isto. Pensas em algum dia voltar a dançar? Incorporar num espetáculo?

Não, já não consigo [risos]. Olha, ainda dancei depois do hip hop, quando surgiu um subgénero, o jerk, tchhh… O jerk deu cabo do meu joelho.

O típico caso do joelho nos rapazes, que iam ser estrelas de futebol se não fosse o joelho.

O joelho é mesmo a vida do jogador! 



O que ouviste para te inspirares para este álbum?

Ouvi tanta cena, estamos a falar de três anos.

A criação do Cor D’Água durou 3 anos?

Sim. Então tenho bué música diferente na cabeça, mas um álbum que me inspira e que eu ouço até hoje é o NOIR, do Smino.

Gostaste do álbum novo dele?

O novo já não ouvi tanto, mas ouvi uma ou duas músicas que curti bué. Mas a maior influência deste álbum [Cor D’Água] é o Days Before Rodeo do Travis Scott. Esquece. Esse álbum mudou a minha vida!

És grande fã do Travis Scott…tens de ir ao Rolling Loud.

Pá, a cena do Rolling Loud é que nos vão dar muito pouco tempo. Não vou poder saborear a atuação do Travis Scott. Um festival com 40 mil artistas, 40 mil de público [risos]. Mas é uma vibe fixe.

Sentiste dificuldade em desmarcar-te dessas maiores influências?

Não, até porque eu não ouço muito outras coisas diferentes. Eu sou bué old school. Acho que isso também chega a irritar aí os rapazes. Ouço bué músicas antigas. Não sou muito de ouvir coisas novas.

Mas tens inspirações old school?

Ya. Tech N9ne, bem old school, do tempo do Tupac. Acho que até têm músicas juntos, antes dele ter morrido. E Busta Rhymes também. Especialmente os dreads que cantam rápido, como o Eminem. Devo muita da inspiração ao ex-namorado da minha irmã, o André, porque ele punha-me a ouvir os álbuns do Eminem em loop quando eu não entendia nada! Ele grafitava bué também.

Nunca tentaste graffiti?

Já tentei graffiti por causa dele, que ele tinha bué latas e marcadores.

Tens várias colaborações de peso neste álbum, de Slow J a Mkmike, passando por DCOKY e Mafia73. Como é que se deram estes feats?

Eu tirei o Slow J da cabana. Ele já estava há muito tempo na cabana, “tem que sair da cabana, vem!” [Risos] Está muito banger. O pessoal vai ficar doido. A maior parte das colaborações já sabes, família. Mafia73. O Mkmike também é família, pertence ao We The Gang, já nos conhecemos há bastante tempo. É uma pessoa a quem eu devo grande parte da minha música, porque ele é mais velho do que eu na música e na estrada. Não faria sentido eu lançar esse álbum sem incluir o Mike. E depois o Slow J: vim a saber que ele era fã da minha música, eu também sou mega fã da música dele, então combinámos, almoçámos, ouvimos uns sons e aconteceu. Não foi nada com compromisso tipo, “bro, tu vens para aqui gravar”. Foi go with the flow e foi assim que aconteceu, ele curtiu da música. 

Com quem achas que te falta colaborar?

Curtia de fazer uma cena com a Soraia Ramos, com a Nenny. Agora queria investir mais em vozes femininas, porque nos meus álbuns tínhamos a Nimsay connosco — era a única voz feminina que tínhamos no álbum — e também a nossa menina Sofia, que são meninas que infelizmente já não estão connosco. Mas curtia bué de investir com vozes femininas no próximo projeto.

Falando novamente da old school, apresentas-nos a música “50 Cêntimos”. O que são estes 50 cêntimos para ti?

Para mim os 50 cêntimos vêm da influência de ser old school e também porque a minha mãe sempre me meteu a visão de me contentar com pouco e com o pouco saber fazer muito. Ela não tinha muito, não conseguia dar-me muito dinheiro para o lanche, então ela deixava um euro ou 50 cêntimos para eu depois os  gerir. É basicamente isso. E perante as palavras dela eu absorvia e aprendia a dar valor a essas pequenas coisas. Obviamente que eu não sou uma pessoa perfeita, ninguém é, mas tento sempre ao máximo não me esquecer disso, da minha humildade, de onde venho, do meu berço. O “50 Cêntimos” é inspirado nisso, inspirado no berço e em nunca esquecer a minha essência.

Porque é que nesta canção te sentimos a perder o ar? 

Estava mesmo a sentir o som, ‘tás a ver? Estava muito chateado, estava rouco dos shows e pensei: “vai mesmo assim, raw”. E eu também sinto a minha música como um filme, não que seja um acting, mas é um sentimento de como se fosse um filme real, uma biografia, como se estivessem a filmar o momento em que aquilo está a acontecer e eu tento imaginar isso a cada música que eu e faço. Imagino que aquele momento está a acontecer ali, então eu deixo que as barras e aquilo que eu estou a dizer saia com mais intensidade, às vezes quase a chorar. Vem mesmo ali do core, do centro, não tem como.

Especialmente porque te inspiras nas tuas vivências para criar, não é?

Em todos os sons mesmo. Posso pegar numa vivência de outro amigo ou de alguém próximo que me inspire, mas é tudo muito verdadeiro nas minhas músicas, nada fictício. Também se não fosse assim, não o faria. 

No single “Donde” dizes que és “de todo o sítio onde o sol dorme”. Há algum sítio onde tenhas umas raízes mais profundas?

O sítio onde eu sinto as minhas maiores raízes é no meu país, é Angola. Não que Portugal não seja o meu país, até porque nasci aqui, mas as minhas raízes são angolanas, então eu sou angolano. É onde eu me sinto mesmo em casa. Também me sinto em casa em Portugal, mas ya. Tivemos em Angola o ano passado, mais do que uma vez, graças a Deus, e sinto-me sempre em casa. São as minhas raízes, é o meu people, é-me natural.

Cantas também sobre precisares  “de uma melhor versão do eu”. Que versão é essa?

Todos nós temos o ego, mas eu acho que o ego é uma auto-sabotagem muitas vezes. Às vezes precisamos de nos abster do ego e eu acho que é isso que eu quis exemplificar nessa barra. Sinto que se nós todos nos abstivéssemos um pouco do ego, o mundo seria um sítio melhor. Não seria perfeito porque perfeição não existe, há sempre estrilho e isso é que nos faz chegar a níveis diferentes e evoluir, mas acho que, às vezes, o pessoal podia abdicar um pouco do ego e, neste caso, estou eu a pôr-me nessa posição. Não sou exceção. Eu também sou uma dessas pessoas que precisa muitas vezes de abdicar do orgulho. Também sou uma pessoa orgulhosa, às vezes. Então é basicamente isso que eu tentei explicar nessa faixa, a minha vontade de atingir esse nível de maturidade e ascender.

Em “Não é Possível” dizes: “tanto obstáculo, mas nós ainda tamos cá”. Quais foram para ti os maiores obstáculos que tiveste de ultrapassar para chegar onde estás agora?

Olha, nós levámos bué nãos. No início levámos muitos nãos e um obstáculo muito grande para nós foi, também, o facto de que muita gente podia ter-nos estendido a mão na altura e não estendeu. É um facto e eu acho que quem vai estar presente na listening party sabe disso, porque o pessoal já sabia da minha existência no game, mas nunca mencionaram, nunca falaram e, se calhar, podiam ter mudado a vida desse preto já há muito tempo, ‘tás a ver? Alguns fizeram-no, outros não e eu acho que isso foi um obstáculo. Neste mercado eu via as coisas um pouco monopolizadas, porque não havia essa divulgação do Instagram e tudo mais, então era complicado para mim ascender e acho que esse foi um grande obstáculo para nós. Mas tivemos muitos. É a vida. Também se não fosse assim, não ia ter graça. Eu dou graças a Deus por isso. Também ninguém tem de fazer nada por ninguém, estamos aqui, temos de polir e fizemos acontecer. Acima de tudo assumo também mea culpa, porque eu posso sempre trabalhar mais, sou muito perfecionista e eu sei que o controlo está comigo: se eu queria ser ouvido, eu tinha de fazer para ser ouvido. “Fiz só isso, podia ter feito mais. então vou fazer mais.” É um 50/50.

O que é que ainda te parece impossível? 

Nada. A única coisa que para mim é impossível, neste momento, é chegar a Marte em cinco minutos, dez minutos, uma hora, duas.



Gostavas de ir ao espaço?

Curtia bué. Sinto que sou bué conectado com as estrelas e com o céu.

Mas acreditas em signos ou assim?

Não tanto em signos. Acredito que a astrologia inclina, mas não determina. Na minha opinião, quem determina mesmo é o pai lá em cima, o pai celestial. Sou muito crente e acredito também no universo.

Faz sentido, Fernando Alien. 

Eu sou alien, não sou daqui! [Risos]

A “Tamu a Lidar” parece ser uma ode a memórias tuas. Falas de cachupa, kizomba, reuniões de família, tudo sobre um beat mais dançável, numa das sonoridades mais diferentes do álbum. Queres falar-me um pouco da criação desta faixa?

A cena do “Tamu a Lidar” é um som que é mais familiar. Quando o benji fez o beat, foi logo a impressão que me deu: casa. Eu senti-me em casa! Shout out para o benji. O benji mesmo, esquece, é mesmo tranquilo. 

Deste-lhe algumas diretrizes?

Não, ele é que estava a fazer o beat, estávamos a trocar ideias. Na verdade, o “Pé Novo” também foi feito nesse dia, a guia melódica foi feita no mesmo dia que a “Tamu a Lidar” e tínhamos marcado uma sessão de estúdio para dar uns toques no “L.O.M.”, a música dos MOBBERS, comigo e com o Prof[Jam].

Ainda foi nessa altura? Que banger de som.

Yaaaa muito banger, esquece!

[cantamos “memo à tua frente eu tou atrás de ti”]

Mas ya, o benji é que mixou essa faixa inteira, deu uns toques no beat e acho que deu também na pós-produção no instrumental. Máquina. O benji é um génio. 

Tens alguma música preferida no álbum? 

São 20, não consigo [risos]. Tenho músicas para as quais estou mais virado de momento, mas não tenho assim uma preferida. 

Estás mais virada para qual agora?

Olha, o “Pé Novo” está-me a entrar bué. Porque é uma música fácil e não é só por isso, é uma música que transmite bué aquele sentimento de, “ya, ‘tou com os meus bros”, ‘tas a ver? Gang shit. E é uma cena que curtimos bué, curtimos bué de ténis, então o “pé povo” somos nós a referir-nos ao pé como ténis. Eu digo: “o meu Nike é o meu pé yo, preciso de um pé novo” [risos]. Preciso de uns Nike novos.

Tens mais alguma barra que destaques desse som?

O refrão inteiro: “eu não mudo a life/todos dias mesma vibe/se ela é areia a mais/não faz mal eu sou uma praia” [Risos]. É um lifestyle

Em “Memória” dizes: “Mano eu só saio se for pra ficar na memória”. O que é que tu queres que fique na memória?

Eish, não te consigo dizer, muita coisa. Este momento vai-me ficar na memória, for sure. E esse som é mesmo… É que eu não sou baladeiro, não sou uma pessoa que sai muito. 

Mas do teu legado, o que é que gostavas que dissessem? Olhando para trás. 

Gostava que dissessem que fui um dos maiores artistas do panorama musical lusófono.

Estás no caminho certo para isso, porque já foste um dos artistas mais ouvidos no Spotify em 2021.

Ya [risos]. É isso que eu almejo. Se não der também não é o objetivo principal. O meu objetivo é que o pessoal da minha geração, desta e da próxima, se identifique com a música, curta ao máximo e tire os pontos positivos. Como eu disse, ninguém é perfeito, mas que tirem todos os pontos positivos da minha música e que façam algo com isso, que os inspire, que a minha música consiga criar génios, que as pessoas façam cenas grandes para a sociedade. Esse é mesmo o meu objetivo, de resto não me importa. Gosto do sangue [imita um fã entusiasmado por conhecê-lo]. Eu adoro isso, interessa-me o pessoal considerar-me um dos melhores.

Não te incomoda essa influência?

Não. Não, porque era o que eu faria também enquanto fã.

Queres deixar uma mensagem para os teus fãs?

One love para vocês, amo-vos bué, estão a mudar a minha vida e espero que usem a minha arte para mudarem a vossa. Acho que é isso que eu quero acima de tudo, que se divirtam e o resto é resto, let´s get it.

Tu tens noção de quando te apercebeste de que estavas a ficar grande? Assim com esse following?

Tive a noção em 2020, depois do Gota D’Espaço. Esse foi um projeto que foi muito bem recebido e aí dei mais ou menos conta do nível a que estávamos a chegar, apesar de eu nunca saber e nunca ter noção. Agora tenho mais ou menos, pelas pessoas ao vivo. Pelas redes eu não consigo ter a noção. Eu sei o meu valor, mas não é uma cena a que esteja muito atento. Mas não sei ao certo quando me apercebi ou quão big fiquei, mas também não importa muito.

Houve alguma música que te surpreendeu pelo sucesso que teve?

O “Tinoni”! Não estava nada à espera. Foi uma música que eu fiz na brincadeira e está neste momento com 7 milhões de streams. E essa é uma faixa que é sempre ninja nos festivais e nos shows e ia sair do projeto, não ia entrar no Gota D’Espaço. Mas deram-me pressão, o Smyle disse: “não tires essa música, ‘tá bué fixe!”. Mostrei ao ProfJam, também disse que era grande som. 

Em “O Que For Preciso” dizes que “o importante mesmo é não esquecer para onde é que eu vou”. Para onde é que vais?

Vamos para o topo! [Risos] Nós falamos bué de “topo”, mas no final do dia, se tu chegas às nuvens, vais querer ver o que está por detrás das nuvens, depois vais querer ver o sol, depois vais para fora da atmosfera e já vais ver outro planeta ao lado e  querer ir a esse planeta. Na verdade, eu tinha um som do álbum que não vou spoilar o nome, porque se calhar ainda pode vir a sair, que é muito fixe e acho que é o melhor som com uma melhor linha para explicar essa cena: à medida que nós vamos andando, falamos bué do topo, mas eu descobri que, para mim, a meta não é chegar a um sítio, a meta é continuar a andar. Essa é que é a meta. 

Também não te vejo a atingires um objetivo e a ficares tipo, “já está, pronto.”

No final do dia, nunca está. Para um amante da vida, nunca está. Para quem tem a sede de viver, nunca está. Eu até posso parar de fazer música, mas posso começar a fazer outra coisa e, para mim, a minha corrida é essa. A minha corrida não é a corrida da música ou da carreira, é a corrida da vida. Então ya, é essa a minha filosofia: o topo é uma cena que é inatingível. O topo é um milhão, mas depois bates o milhão e queres dois milhões, três milhões e por aí fora.

O que é que podemos esperar do T-Rex daqui para a frente?

Muita música, muitos concertos. Podemos já dar esse input aí ao pessoal, temos o Coliseu de Lisboa no dia 4 de fevereiro, temos o Coliseu do Porto no dia 11 de março e ya, grandes concertos. Estou mega ansioso para esses concertos. E temos uma tour à nossa espera, com muita música para sair, não só minha, como da Mafia73. A gente não pára! Só para te dizer que já temos aí mais uma coisinha a ser trabalhada [risos]. Não conseguimos estar parados.


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