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Publicado a: 20/11/2021

Ver o talento local brotar.

Super-Sonic Jazz Festival’21 – Dia 2: o novo jazz neerlandês

Publicado a: 20/11/2021

Quinta-feira começou com um desvio que implicou uma viagem para longe do Paradiso, mas ainda assim para bastante próximo de um certo jazz igualmente super-sónico que tem ajudado a impor a criatividade britânica no mais vasto panorama desta cultura. Em Den Dolder, pequena localidade perto de Utrecht, fez-se uma visita a Vincent de Boer, o artista plástico, pintor, caligrafista e designer que tem criado toda a arte visual dos fantásticos Ill Considered. O artista recebeu o Rimas e Batidas no seu atelier, montado num antigo hangar de bombardeiros americanos do tempo da Segunda Guerra Mundial, e aí abriu os seus arquivos, mostrou trabalhos nunca vistos pelo público, capas de álbuns descartadas para projectos passados e até ofereceu mesmo um preview do artwork que irá adornar a aguardada edição em vinil de Liminal Spaceo ambicioso novo álbum do trio britânico. Mas essa é uma história que será mais detalhadamente contada noutro momento.

O segundo dia de Super-Sonic Jazz foi marcado pelo cancelamento do guitarrista brasileiro residente em Los Angeles Fabiano do Nascimento, um dos efeitos das restrições com que o festival teve que lidar num momento em que as autoridades holandesas anunciaram medidas de recuo na abertura que o país vivia, para fazer face ao aumento do número de infecções por COVID. Ainda assim, a noite foi intensa na sala principal do Paradiso.

A viagem começou com o projecto local Phantom Wizard, que é dirigo por um produtor muito envolvido na mais experimental cena local: à sua volta um colectivo com bateria e baixo, DJ e saxofone, mais duas expressivas bailarinas/sacerdotisas, enquanto o líder se ocupava de sintetizador, pequenas percussões ou pífaro. O som, uma mescla de free jazz, electrónica e funk, reminiscente das experiências de Sun Ra ou de Horace Tapscott com a Pan Afrikan Peoples Arkestra. Afro-futurismo encenado com vigor numa hora e meia intensa sem paragens e de improviso constante desenvolvido enquanto as bailarinas iam ondulando por entre o público purificando o lugar com fumos de salva. 

A banda estava disposta no centro da sala, com parte da plateia movida para o palco, pelo que a ideia de um ritual ficou até mais bem vincada. Seguiu-se o trompetista e fliscornista Peter Somuah, apresentado como o vencedor deste ano do Erasmus Jazz Prize. O seu jazz é bem mais “organizado” do que o que foi apresentado por Phantom Wizard, algures entre o lado mais soul, a fusão e uma declinação elegante dos modos bop por via latina, tudo executado com grande classe, com o líder a ser apoiado por uma sólida banda: bateria e baixo e ainda percussão e teclados.

Foi essa a banda que depois convidou os presentes a juntarem-se à festa. Por esta altura é importante descrever o perfil da audiência: extremamente jovem, etnicamente diversa e com um perfeito equilíbrio de géneros. O que talvez ajude a explicar que foram as mulheres que mais se chegaram à frente quando a jam session começou: várias assomaram aos microfones, todas vocalistas mais do que competentes, mas houve também espaço para uma baixista, uma guitarrista, uma flautista, todas capazes de arrancarem efusivos aplausos do público. Os lugares de teclista e baterista também foram rodando, nesse caso com talento masculino, que também arriscou idas ao microfone. A atmosfera era de compreensível celebração: de juventude, de liberdade, de partilha, o que talvez explique bem a quantidade de sorrisos estampados nos rostos sem máscara que marcaram presença numa noite que teve curadoria da marca de streetwear The New Originals, super ligada a esta nova vibração jazz.

Entre laivos de dub, jazz mais directo à tradição, toques de groove funk e até alguns desvios mais free, a jam session provou o que nos contava Kees, director do festival, antes da noite começar com uma banda sonora hip hop que o próprio ofereceu aos presentes: há talento nesta cidade para erguer uma cena com identidade própria. Só precisa de um estímulo, digamos, super-sónico.


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