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Fotografia: Tess Janssen
Publicado a: 18/11/2021

Amor-combate.

Super-Sonic Jazz Festival’21 – Dia 1: um saxofonista punk e um trompetista espiritual

Fotografia: Tess Janssen
Publicado a: 18/11/2021

Depois de um aparente recuo por parte do governo holandês, que voltou a levantar algumas restrições em eventos e restauração, a quinta edição do Super-Sonic Jazz Festival arrancou ontem num Paradiso com plateia sentada, mas sem o distanciamento ou as máscaras a que nos habituámos em Portugal quando as salas tinham as suas lotações limitadas. Ainda assim, o rigor na confirmação à entrada dos certificados de vacinação era tranquilizador.

O arranque foi dado por Alabaster dePlume depois de uma sentida introdução por parte de uma porta-voz da organização que, inspirada por uma conversa tida previamente com o saxofonista e poeta britânico, resolveu ler um poema da sua autoria sobre o tão importante acto de respirar. Pode dizer-se, de facto, que o jazz é a música da respiração, ideia ainda mais clara num dia com espaço para dois líderes sopradores.

Alabaster dePlume, aka Gus Fairbairn, fez-se acompanhar de uma baterista que na verdade cantou mais do que tocou, de dois guitarristas e de uma violinista. O grupo, um verdadeiro arco-íris humano, com duas mulheres, uma delas negra, um asiático e um latino, expressa de forma clara a visão positiva e inclusiva que o poeta-saxofonista de Manchester tem da vida. Músico auto-didacta, de Plume toca o seu tenor numa estranha posição, quase horizontal, isto, claro, quando não nos desarma com o seu humor desbragado que é, quando se pensa nisso, uma mordaz forma de comentar o mundo e de vincar uma posição política. Como quando disse: “Queria combater fascistas, mas zanguei-me com outras pessoas que diziam combater fascistas, e por isso fui antes para o Facebook protestar com outras pessoas que queriam combater o fascismo. Eu queria combater fascistas, mas quando me deu vontade outra vez… já era tarde”.

No palco, sobretudo quando adopta certas expressões, Alabaster parece a reencarnação de Johnny Rotten, com um esgar algo alucinado, mas vestido como um turista ocidental (ou acidental…) que acaba de regressar de Katmandu. Mas, por baixo do humor, ou ao seu lado já que essa parte é importante na sua arte, há música séria, que combina uma abordagem oblíqua ao jazz e uma tonalidade folk sustentada pelo rendilhado das guitarras, as harmonias vocais quase zen e os floreados elegantes e subtis no violino.

O público, efusivo, adorou e aplaudiu cada linha de saxofone, cada frase, com a mensagem de liberdade e de amor professada por de Plume a ir directa aos corações de cada um dos presentes. Com os vitrais da belíssima sala Paradiso por pano de fundo, foi impossível não pensar que se estava numa noite de celebração com muito de espiritual e, tendo em conta a “congregação” sentada, até algo de religioso.

Esse sentimento prosseguiu com a apresentação de Matthew Halsall. O trompetista foi, uma vez mais, apresentado pela porta-voz do Super-Sonic que nos falou da prática já extensa de meditação transcendental por parte do músico que ia fechar a noite e que, talvez para nos deixar na “zona”, acabou a ler palavras de um poeta sufi sobre a importância da música. Matthew, feliz nesta noite de estreia em Amesterdão, ainda por cima num local tão especial, sorriu e, acompanhado pela mesmíssima banda que levou a Lisboa, fez o mesmo set, incluindo material dos seus registos mais recuados, versão de Cinematic Orchestra, passagens de Salute to the Sun, o seu álbum mais recente, e um inédito a antecipar o futuro imediato.

A diferença para o concerto de Lisboa fez-se sentir na falta de piano acústico – a emulação do Nordlead não é a mesma coisa… – e, principalmente, na reação do público. Quando, no Museu do Oriente, tocou “Harmony With Nature”, peça que abre o último LP, Halsall encorajou o público lisboeta a juntar-se ao seu percussionista num coro de ruídos próprios da floresta tropical, com sons de pássaros ou de outros animais, mas ninguém ousou soltar a possível ave do paraíso que pudesse ter dentro. Pelo contrário, ontem à noite, em Amesterdão, o público fez-se ruidosamente sentir com as suas melhores imitações, via assobio ou até grasnares diversos, de aves e outros animais que gostam de voar ou saltitar de árvore em árvore. Esse entusiasmo fez-se igualmente sentir no aplauso a cada solo, nos gritos de encorajamento quando os músicos se deixavam levar pela força, lá está, do espírito. Matthew Halsall estava compreensivelmente feliz e prometeu voltar.

O concerto de hoje de Fabiano do Nascimento foi cancelado — um dos efeitos das mudanças impostas ao festival — mas o Paradiso vai receber uma jam session patrocinada pela marca de streetwear The New Originals. A banda base terá à frente talento local: Bnnyhunna (multi-instrumentista e produtor, com carreira a solo e colaborações com projectos como Rimon, Gaidaa and Yung Nnelg) Peter Somuah (trompetista de jazz e vencedor do Erasmus Jazz Prize 2021) e Phantom Wizard (produtor, compositor e músico). Há muitos músicos convidados para aparecerem e o próprio público é desafiado a trazer os seus instrumentos de casa, se assim o desejar. Promete!

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