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Fotografia: Diogo Pereira (World Academy)
Publicado a: 26/11/2022

Brisas frescas.

Super Bock em Stock’22 – Dia 1: espaços seguros para a renovação

Fotografia: Diogo Pereira (World Academy)
Publicado a: 26/11/2022

Deste lado, a abertura da edição deste ano do Super Bock em Stock fez-se com They Hate Change, dupla de Tampa, Flórida, que, com o seu nome, deixava o mote para a narrativa da noite; para lá deles, ouviríamos exactamente no mesmo sítio, o Capitólio, uma experiente artista em pleno processo de exposição de transformação, Ana Moura. A mudança, seja em que fase da carreira for, pode tanto trazer amor como o contrário; e os americanos e a portuguesa são espectadores na primeira fila disso mesmo.

Mas comecemos a reportagem por Vonne Parks (mais cirúrgico) e Andre Gainey (mais desenfreado), que tiveram a sempre complicada tarefa de inaugurar a festa num dos palcos com a programação mais interessante do festival. Depois de um início tremido — o espaço vazio na sala não deve ter ajudado para começar –, o duo fez um espectáculo em crescendo, tanto em moral dos próprios como nos números do público, que se foi rendendo a uma postura (e vestimenta, já agora) que poderia ser dos BROCKHAMPTON (se o colectivo fosse composto por duas pessoas apenas) e a um som que é devoto da música do Reino Unido (“pós-punk” saiu da boca de Dre a certa altura) e do rap feito nos Estados Unidos da América, mais concretamente entre o Sul e a Costa Este. O nome do grupo é certeiro nas intenções de informar sobre o que se ouve, tal como o título do seu mais recente álbum, Finally, New, editado em Maio passado pela Jagjaguwar — desse disco ouviu-se, por exemplo, “Blatant Localism” na capital portuguesa.

Mesmo não inventando a roda, os dois rappers têm uma química especial que puxou a performance para um outro nível, interagindo e sabendo cada palavra das letras um do outro para dar as preciosas backs. Apesar de ser a última paragem da digressão europeia (que tinha começado no dia 10 deste mês), não houve evidência de cansaço, aliás, a ligação entre ambos foi, provavelmente, a melhor parte.



Se no caso americano o factor novidade foi motivo para que existisse alguma resistência no início, o caso português, o de Ana Moura, foi diferente, estando mais relacionado com uma renovação na estética visual e sonora em Casa Guilhermina, isto depois de se ter estabelecido como figura de proa não só do fado como da música pop portuguesa — os números que o digam.

O corte com o passado sentiu-se de forma particularmente intensa no alinhamento do concerto no Capitólio, só existindo espaço para as canções do seu novo disco. Com uma sala bem composta (a sobreposição com Bala Desejo, que também teve direito a enchente, terá evitado que muita gente ficasse de fora), a cada vez mais desfadista mostrou-se claramente entusiasmada (e ansiosa) por apresentar o que andou a construir nos últimos anos com Pedro Mafama e Pedro da Linha, ambos na plateia, fazendo questão de tirar algum tempo da actuação para falar sobre esta nova fase — mais para a frente diria que, mesmo depois de tanta estrada feita, este parecia o primeiro concerto que dava na vida.

Em termos de linguagem sonora (e na versão de palco houve o auxílio dos músicos André Moreira e Bruno Chaveiro), a cisão com o que ficou para atrás não foi total, como é óbvio, muito por culpa da voz, esse elemento unificador do sucessor de Moura (2015) que, ao vivo, torna ainda mais credível a proposta de juntar o assombro que é “Estranha Forma de Vida” à festiva (com os dois pés e a anca em Angola) “Mázia” e à sensual “Agarra em Mim” — nas duas últimas, e também em “Andorinhas”, a mais celebrada, ficou claro que a dança coreografada transformou-se (e bem) numa parte importante deste novo espectáculo.

Não houve convidados em palco, e nem foi preciso, com a cantora a reivindicar também dessa forma a individualidade de quem está a vincar a sua visão autoral em todos os aspectos da sua carreira. Escutaram-se ainda outros temas como “Nossa Senhora Das Dores”, “Calunga”, “Jacarandá” ou “Arraial Triste”, todos eles a confirmar que, de pé ou sentada, estóica ou de sorriso rasgado, Ana Moura só mudou à superfície, mantendo a reconhecida força e a profundidade emocional daquilo que canta.


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