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Fotografia: André Ferreiro, Ana Loureiro, Diogo Pereira e Andreia.Photo para a World Academy
Publicado a: 22/11/2021

Embalados em balanços diferentes na Avenida da Liberdade.

Super Bock em Stock’21 – Dia 2: bateu… e matou!

Fotografia: André Ferreiro, Ana Loureiro, Diogo Pereira e Andreia.Photo para a World Academy
Publicado a: 22/11/2021

[Bateu Matou] Teatro Tivoli BBVA

Bendito o dia em que três amigos bateristas — Quim Albergaria, Ivo Costa e Riot — decidiram iniciar um projeto em conjunto chamado Bateu Matou. Talvez haja quem tenha dúvidas quando ouve falar da ideia de três percussionistas em palco que compõem quase toda a base sonora. Mas todas essas dúvidas têm obrigatoriamente de se dissipar a partir do momento em que se ouvem os primeiros segundos da música deste grupo — que ao vivo, claro, tem ainda mais força.

Quim Albergaria, Ivo Costa e Riot não são só bateristas talentosos e experientes. São artistas com uma visão global e diversa em relação à música, que passaram por projetos completamente distintos até descobrirem aquilo que mais os fascina. Buraka Som Sistema, Paus, The Vicious Five, Cooltrain Crew, Carminho, Sara Tavares, Batida, Cool Hipnoise, Paulo de Carvalho, Cais Sodré Funk Connection, enfim — todos eles contaram com a participação de um dos três músicos de Bateu Matou.

Este projecto tem uma clara cadência afro e um objectivo simples: pôr as pessoas a dançar. Para usar a expressão de Quim Albergaria no Super Bock em Stock, é o “novo baile”. O Teatro Tivoli BBVA conta com um palco amplo que permitiu à banda instalar um setup complexo. Mas ao mesmo tempo, por causa dos lugares sentados, talvez não fosse a sala mais apropriada para um concerto de Bateu Matou.

A desvantagem não impediu a festa. Na passagem da primeira para a segunda música, as centenas de pessoas na plateia já estavam de pé a dançar, tal como tinham sido ordenadas a fazer. Os Bateu Matou têm uma energia e ritmo contagiante, pelo que é impossível não balançar ao som da sua música. Este espetáculo foi especial pela presença da maioria dos convidados que participam no ótimo álbum de estreia Chegou, editado este ano. 

Héber Marques cantou pelo “Povo”, Blaya e Favela Lacroix elevaram a “Velocidade” com sonoridades mais próximas do baile funk, Irma foi cantar “Subi Subi” e Scúru Fitchádu levou o negrume do punk funaná com “Lume”. Pité, irmão de Riot, interpretou não só o tema “Bandido”, como a subestimada faixa “Aonadê”, lançada há alguns anos. Além disso, serviu de hypeman para quase todo o concerto.

O disco é composto por várias texturas e tipos de música, que o tornam num trabalho completo e heterogéneo — e é exactamente isso que se sente no palco quando vemos pessoas tão diversas a partilhar o mesmo concerto. A base, claro, é a importância e vitalidade da percussão. Só faltou Papillon para interpretar o single “Cliché”, mas Pité fez as honras da casa. Ver Bateu Matou ao vivo é, sem dúvida, uma experiência imperdível. Deram facilmente um dos melhores concertos do festival. E ainda anunciaram uma novidade: o “novo baile” repete-se no Estúdio Time Out a 27 de Janeiro. Ficou no ar a hipótese de ser uma residência. Lisboa precisa de dançar e só teria a ganhar com isso.

– Ricardo Farinha


[Benny Sings] Coliseu dos Recreios (Sala Super Rock)

Iniciando a programação designada para o Coliseu dos Recreios no segundo dia do festival, o holandês Benny Sings (pseudónimo do músico Tim van Berkestijn) presenteou-nos com um repertório que o poderia camuflar como sendo de origem californiana: acompanhado por teclas, bateria, baixo, trompete e uma vocalista nos coros, o universo musical que Berkestijn expõe neste projeto tem um pé assente no soft rock descontraído e sofisticado da década de 70 e o outro no r&b contemporâneo a que nos habituámos a escutar desde os anos 90. Se os Doobie Brothers e os Fugees alguma vez considerassem fazer planos a meias, poderiam retirar apontamentos valiosos ao experienciar Benny Sings ao vivo, como se pôde evidenciar no início desta noite no Coliseu.

As canções solarengas que tomaram as rédeas deste concerto satisfizeram as expectativas do público, que delirava particularmente com os momentos em que a segunda vocalista se apoderava das lides vocais de forma aguerrida, fazendo jus a um projecto recentemente acolhido pela editora Stones Throw e cujo líder afirmou que procurava fazer “música que soasse àqueles refrões que escutava nos discos de rap”.

A jovialidade da música de Berkestijn também se transparecia na sua personalidade em palco, remetendo-nos, em ambos os campos, a artistas como Mac DeMarco – com quem escreveu em conjunto umas das canções que apresentou na noite de sábado, colocando o público a cantar consigo um simples mas orelhudo refrão. E foi precisamente com a mesma boa disposição que entrou em palco que finalizou o seu espectáculo, oferecendo dois temas com um pulsar disco que permitiram ao público a despedida de um momento musical onde a tristeza simplesmente não tem lugar. 

– João Spencer


[Nine8 Collective] Bloco MOCHE (Capitólio)

Depois de termos visto Lava La Rue na sexta-feira, a mesma artista londrina regressou ao palco do Capitólio com o Nine8 Collective, grupo a que pertence. É um conjunto de artistas jovens, nascidos em 1998, que fazem rap com instrumentais muitas vezes influenciados pelas diversas cenas electrónicas que marcaram Londres ao longo dos anos.

Mac Wetha, Lorenzo RSV, Bone Slim e Nige foram os outros rappers e produtores que integraram este espetáculo do colectivo. Em palco são claramente um grupo de jovens amigos a divertir-se enquanto mostram as suas músicas a um público que, na maioria, não as conhecia.

Isso não impediu a plateia de ouvir atentamente as letras dos MCs ou de vibrar com os beats mais eletrónicos e dançáveis lançados pelo DJ. Lava La Rue destaca-se sempre que pega no microfone, mas deixou os colegas conquistarem ênfase no concerto que durou cerca de uma hora.

– Ricardo Farinha


[Leo Middea] Casa do Alentejo

Com a entrada da backing band de Leo Middea no palco do salão (completamente lotado) da Casa do Alentejo, ouvimos uma faixa de introdução afincadamente baile funk, que serve de motor para despertar quem se encontra presente na plateia. Assim que os músicos procedem à investida nos seus respetivos instrumentos, escutamos imediatamente outro tipo de funk – aquele que pôs a palavra na etimologia musical desde os anos 60 no panorama musical afro-americano. 

Na realidade, este contraste reflecte perfeitamente o cancioneiro que Leo Middea, músico carioca recém-radicado em Lisboa, traz na sua bagagem: pop de identidade inegavelmente brasileira assente em nuances funk e soul.  Ao longo de toda a atuação, existiu uma oscilação entre as mais diversas linguagens presentes na música popular do seu país de origem (sem exclusividade temporal, cabendo de igual forma o baile funk acima mencionado como Gilberto Gil, aqui abordado numa rendição de “Filhos de Gandhi”) e os grooves provenientes do Norte desse mesmo continente. 

Como fio-condutor de todo a performance, Middea apresentou-se com uma postura eléctrica imparável, incentivando à interacção do público que, por si só, já se encontrava consideravelmente enérgico, o que facilitou a tarefa. Nos dois lados, as emoções encontraram-se ao rubro até ao fim do concerto, e isso ninguém o poderá negar.  

– João Spencer


[David e Miguel] Teatro Tivoli BBVA

Num Teatro Tivoli BBVA a romper pelas costuras, David Bruno e Mike El Nite voltaram a apresentar o álbum Palavras Cruzadas. Há tantas camadas de contexto neste projecto que se torna desafiante explicá-lo a alguém que nunca ouviu falar de David & Miguel. É a sério? É a gozar? Gosto de o descrever como uma sátira feita com muito amor — por todos os elementos pirosos e muito portugueses que encontramos nestas músicas (e no percurso de David Bruno no geral).

Vestindo a pele de dois cantores românticos foleiros (é um elogio), David e Miguel cantam sobre romance nos “Passadiços do Paiva” e no motel “H2ON”. Falam sobre o “Amor Pago”, os “Dias de Varão” ou sobre uma mentirosa chamada “Rosa”.

O público conhece grande parte das músicas e vibra intensamente com este ensemble peculiar. Marco Duarte é um guitarrista prodigioso que dá corpo (e mais alma) aos instrumentais criados por David Bruno. António Bandeiras é o DJ (mas sobretudo performer) que só faria sentido num projecto como este. E David e Miguel vão falando entre as músicas, comentando os temas, apelando ao público para gritar “Gondomar” ou “Marquito”. David quebra com frequência a quarta parede, Miguel raramente sai de personagem.

Os temas mais intensos foram, claro, “Interveniente Acidental”, “Sónia” e “Inatel” — estes dois últimos que foram interpretados novamente no encore, com um David Bruno a percorrer a plateia do Teatro Tivoli BBVA a incentivar o público a cantar a letra desse hino à grande instituição que é o Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres.

É incrível como um disco romântico e foleiro (de forma intencional e auto-consciente) consegue ter esta aceitação junto de um público tão vasto e diverso. Um projecto de dois artistas que vieram do hip hop mas para quem o horizonte não tem limites. Viva Portugal, viva David e Miguel, que existam durante muitos anos.

– Ricardo Farinha


[Priya Ragu] Cinema São Jorge (Sala Manoel de Oliveira)

Quem se encontrasse no Cinema S. Jorge desconhecendo o trabalho de Priya Ragu e o deduzisse através do ponto de partida dado pela guitarrista da sua backing band, sentir-se-ia, no mínimo, surpreendido: um solo pequeno mas feroz, com um nível de distorção digno de uma banda de heavy metal de arena dos anos 80/90. Porém, assim que esta guitarrista cessa este momento, entrou em cena um ritmo sul-asiático, condizente com as raízes de Ragu, sustentando o r&b e hip hop que guia todo o trabalho da artista em questão.

Para além da devida guitarrista, Ragu estava ainda acompanhada por dois teclistas (uma assegurando os coros e o outro os samples e alguns momentos de MCing) e um baterista, e não poderia haver melhor combo a assisti-la; o seu trabalho em conjunto deixou claro que esta banda faz hip hop de um modo simultaneamente firme e groovado. Ao mesmo tempo, a entrega vocal de Ragu é inegavelmente pujante, seja no flow das suas rimas ou na sua voz soulful quando cantada, e a postura humilde que reflectiu em palco não diminuiu essa entrega de maneira alguma – na verdade, só enaltece a artista, culminando num momento em que referenciou The Roots ou Stevie Wonder (fazendo inclusive uma adaptação de “Love’s In Need Of Love Today”) enquanto lendas.

Ao chegar ao fim, a artista pediu ao público (já bastante entusiástico com a actuação) para se levantar, e ninguém resistiu a um pé de dança durante as duas últimas músicas, retornando a uma aragem mais sul-asiática com que o concerto iniciou. Para alegria do público, foi dado um encore com um tema que retém a mesma ginga com que saíram do palco, mas desta vez dentro de uma batida mais dancehall, e a plateia respondeu com um aplauso da mesma forma veemente com que Priya Ragu e a sua banda decidiram dar a actuação como terminada.

– João Spencer

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