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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/02/2021

Dar-lhe com a alma.

Subtil: “Eu tenho rimas que me fazem chorar quando as leio”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/02/2021

Em 2018, Subtil estreou-se com Aquem Mar, o seu primeiro longa-duração, editado pela Artesanacto. Uma mixtape e dois EPs depois, o rapper volta aos discos com C’Alma, álbum composto por 16 faixas, sem colaborações, lançado no dia que vira o ano ao contrário.  

A produção do projecto foi maioritariamente assumida por Beat.Apotheke, mas nomes como Dekor, Narkou, D.S.Lawrence, Chyle Dos Beats, Richard Beats, Jean Richard, KarmaBTZ, Drip ou João de Brito também deixaram as suas marcas nas batidas, com Pedro Pinto a carimbar o selo da Kimahera no trabalho através da gravação, mistura e masterização. 

O rapper algarvio fechou-se na sua bolha para redefinir tempos, relações e prioridades. Continua a escrever páginas da sua história, mas já não tropeça nas armadilhas do próprio enredo. E este é “só” o primeiro trabalho de Subtil neste ano: pelo meio da conversa sobre o seu novo LP, o MC revelou ainda que já está a preparar algo menos calmo e mais turbulento, com Fantasma à mistura – A C’Alma antes da tempestade. 



Antes de mais, como estás a lidar com esta nova fase de confinamento, com o lançamento do teu novo álbum? 

Tem sido um bocado difícil… Um gajo gosta bué de cantar ao vivo, e não tem sido fácil. Mas temos que esperar; saber esperar é uma virtude. E infelizmente não podemos fazer mais nada sem ser esperar, para ver o que é que isto vai dar… 

Passaram dois anos e poucos meses desde o lançamento do teu primeiro disco, Aquem Mar. O que mudou desde então na tua carreira em termos de ambições, expectativas, perspectivas? O título C’Alma reflete um estado de espírito desta tua fase? 

Sim, o C’Alma reflete mesmo… foi uma mudança na minha vida, porque sempre quis fazer as coisas um bocado à pressa, a correr, e neste momento cheguei à conclusão de que a vida é comprida e temos tempo para fazer tudo. Mais vale respirar fundo, fazer as coisas com calma, pensar no que queremos fazer, porque a pressa é inimiga da perfeição. E, para mim, acho que consegui mudar muita coisa desde o primeiro álbum para este, a nível de estética, da qualidade das músicas. Mesmo a minha escrita, acho que está muito melhor. E o meu objectivo é: enquanto eu conseguir fazer mais e melhor, não vou parar. A minha ideia é mesmo essa. 

Entretanto lançaste dois EPs o ano passado. Calculo que este LP já estava a ser feito nessa altura. Como foi esse processo? 

Sim, já estava. O “Trajetória” foi o primeiro tema que saiu, foi logo o primeiro single. O álbum já está a ser trabalhado desde o final do ano de 2019, só que depois, com esta situação toda da pandemia, atrasou, porque o estúdio – a Kimahera – esteve fechado para obras também, o que me possibilitou ainda mais poder trabalhar no álbum, porque houve vários temas que eu já tinha gravado e não saíram. Por exemplo, agora nos últimos quatro meses ainda acrescentei uns quantos temas que achei mesmo que precisavam. 

Confesso que a forma como o disco foi lançado tornou-se um pouco confusa para mim. Nas plataformas, o álbum está disperso em faixas soltas, e no YouTube o alinhamento não coincide com o oficial, além de que foste lançando os temas todos seguidos e, por vezes, agregados noutra ordem. Isto foi propositado? Há uma linha a seguir neste disco? 

Isso foi a minha maneira de… como eram 16 músicas, e eu queria lançá-las num curto espaço de tempo – para mim era importante a data de 12 de Fevereiro [de 2021], porque era o virar o ano ao contrário, e eu quero mesmo virar o ano todo ao contrário. E eu tinha de escolher esta data. Deram-me várias opções, por exemplo, de ir lançando só um single por semana e dia 12 lançar o álbum todo, mas preferi fazer assim; um dia três músicas, outro dia quatro… 

E fizeste questão de divulgar todos os temas com vídeo. Por que é que não estendeste a divulgação com esse espaçamento que te tinham proposto? Até pela forma como se consome música hoje em dia… 

Eu não queria era passar a data do dia 12, percebes? E na Altafonte hoje é que vão fazer o pitch do álbum, carregar o álbum completo, para te responder àquilo que me estavas a dizer das cenas não estarem todas seguidas no Spotify e isso tudo… vão ficar a partir de hoje. Isto também foi a minha primeira experiência na Altafonte, a distribuir as músicas assim. 

No Aquem Mar, como foi esse processo? 

Com o Aquem-Mar, eu estava com o Praso, e o álbum saiu todo junto no mesmo dia. Nem sequer houve publicidade, nem a data tinha algum significado tão grande como esta tem. 

O álbum tem 16 faixas e nenhuma colaboração. Isto é raro no hip hop, principalmente num disco com tantas faixas (recentemente lembro-me apenas do último álbum do Plutonio, que tem 18 faixas sem participações). Era esta a tua ideia desde o início? 

Sim, sempre fui dessa ideia. Não te consigo, se calhar, dar uma resposta concreta acerca disso, mas às vezes eu gosto mesmo de fazer as minhas cenas sozinho, ‘tás a ver? Porque é sempre uma complicação quando estamos com alguém; tem de ser alguém que seja mesmo a tua cena. Eu, por acaso, tinha aqui um som, que depois tive um problema no computador e perdi isso tudo… mas no Verão tive um som com o Mass, e esse som, no princípio, era para ir para o álbum, mas perdi as vozes todas, e, ao fim e ao cabo, deixei passar porque… a gente tem tempo, logo havemos de fazer. Mas sim, este álbum é mais pessoal, e se calhar havia um tema ou dois que fazia sentido ter participação, mas, no meio desta complicação toda, de quarentenas, ter de ir para o estúdio e levar máscara, é tudo rigoroso, são horas marcadas, e depois se eu posso e o outro não pode… Então, olha, as minhas participações são com os producers [risos].

Até estava a pensar mais no sentido de este álbum ser talvez o teu projecto mais pessoal. Nem pensei na questão da logística, que também faz sentido. 

Se calhar o principal motivo foi mesmo essa logística toda que está à volta disto tudo. 

A tua escrita gira à volta das tuas experiências e pensamentos, e o teu registo, apesar de não variar muito, não cansa. Ainda assim, não tens curiosidade de explorar outras abordagens? Ou esta, que te é tão característica, é a única que te permite expressar aquilo que precisas de dizer através do rap? 

De momento, estou a trabalhar num álbum para Setembro, que é com o Fantasma, o Mike Ghost, todo produzido por ele, e acho que é uma coisa totalmente diferente do que eu fiz até hoje. São na mesma as minhas opiniões, mas de uma maneira mais agressiva, mais dark, com bateria, com banda mesmo. Se conheceres o Mike Ghost, o trabalho dele, vais perceber… Vai ser uma cena mesmo pesada. É uma experiência nova para mim, porque eu vejo-me ali, mas não me vejo a fazer aquilo sempre. O nome daquilo será, possivelmente, Fantasma Subtil. E a ideia é fazermos só vinil e cassete; é uma peça de colecção. 

E quero começar a explorar coisas diferentes. Eu sei que a minha escrita é sempre um bocado ali naquilo, mas a nível de instrumentais, se ouvir um bem random, prefiro esse. Puxa-me mais, porque vai levar-me para uma zona que não é normal eu estar lá. 

Por falar em instrumentais, os beats deste álbum foram feitos à tua medida ou foste tu que os escolheste de coisas que te mandaram? 

Eu fui falando com produtores com os quais tinha ligação, e fui pedindo ideias, para ver o que é que saía. Mas depois o álbum levou todo um arranjo pelo Beat.Apotheke, que foi a maneira que eu arranjei de dar harmonia, de meter tudo mais ligado, mais coeso. Só tens três sons que não foram mexidos por ele, que foram os do Dekor; achei mesmo bons os beats do Dekor, fazia mesmo falta uns beats assim, sujos. Porque os outros parece uma cena de banda tocada, e levas com esses três, tipo rap da rua, a rodinha com toda a gente à volta a ver o bacano a cantar. 

E escreves mais para ti próprio, para deitares cá para fora, para exorcizares tudo aquilo que costumas versar nas rimas, ou, por outro lado, para te dares a conhecer de uma forma que só te é possível no papel? 

Sabes, eu tenho um problema de comunicação desde sempre. Eu não sou muito de conversar com as pessoas, ter muitas conversas. E desde sempre que eu uso a escrita para me expressar, porque há coisas que eu quero dizer e se calhar não te consigo dizer da mesma maneira que te vou dizer a escrever. Às vezes, há dias que eu preciso mesmo de escrever, e tenho muitas cenas escritas que não estão gravadas. Eu tenho rimas que me fazem chorar quando as leio. Não posso expor essas rimas, porque não sou só eu que estou em causa; é a minha família, são cenas ainda mais profundas… 

Mas sim, eu gosto é de ouvir um instrumental e criar a minha ideia naquele instrumental, e deixar-me levar ali naquilo. Para mim, a melhor fase de todas é mesmo o meu processo de escrita, porque vou pesquisar, procurar coisas, e dou por mim e estou há duas horas a olhar para o computador, a ver uma coisinha aqui, outra ali, e não escrevi nada; mas a informação que tenho na minha cabeça não a tinha antes, e cresço com isso. Eu não gosto que me deem informação para eu comer; gosto de ir procurar informação para eu comer, à minha maneira, à minha medida. Às vezes, estou aqui e lembro-me de uma cena que não tem nada a ver com nada, mas é essa cena que vai desencadear tudo. 
 

O refrão da “Dá-me espaço” deixou-me curioso, quando dizes no refrão “Depois de uma mão do Praso/ Como a refeição e bazo”. A pergunta sobre este afastamento é inevitável. Queres falar sobre isso? 

Graças a ele, se calhar, saí de um sítio onde estava; ele deu-me energia e só tenho a agradecer tudo o que passámos juntos, e foi uma grande aprendizagem para mim ir ao Hard Club, a Lisboa, e foi mesmo cinco estrelas. Mas eu estou mesmo virado para o futuro. São cabeças diferentes, ideias diferentes, e cada um quer fazer a cena à sua maneira. Há oportunidades que, se tivesse sido eu a tê-las, nunca as tinha desperdiçado. Tenho 30 anos e tenho de fazer-me à vida; tenho pelo menos de deixar uma mensagem e um legado à minha filha, para quando ela tiver os seus 14 anos ouvir as minhas músicas e que goste. 

Já deixaste uma boa parte na faixa “C’Alma”. 

Obrigado [risos].

E quero fazer a minha cena sem estar fechado só num género. Sinto que sou bastante versátil; quanto mais vou lá, melhor fico, mais consigo expandir a minha cena. Nem dei muito enfase a isso, mas aqui no Algarve há um grupo que é o Al Mouraria, que é de fado, e no ano passado tive o prazer de gravar uma música com eles, com uma fadista. Cantei um corridinho. Mas, para mim, aquilo orgulha-me a mim mesmo, porque posso chegar a casa e mostrar à minha avó: “olha aqui o teu neto a cantar com uma fadista”. Aquilo, para mim, foi uma chapada de luva branca no sentido de que posso fazer o que eu quiser, porque eu sou um artista; posso ir onde eu quiser. Se tu fizeres a coisa por coração e não te sentires obrigado a fazer a cena… desde que não te sintas obrigado, está feito, é meio caminho andado para ficar bem feito. 
 

Entre tantas faixas, ainda estou a digerir o álbum, mas a “Trajetória”, que foi o primeiro single, continua a minha preferida, principalmente pelo refrão. Qual é a trajectória a partir daqui? 

A trajectória a partir daqui é manter o mesmo caminho e continuar a subir; voltar para trás, não. Tentar sempre fazer melhor, e deixar as pessoas à minha volta contentes com o meu trabalho. 

A edição física já está disponível? 

A edição física, já, no site da Tuff. E outra coisa: a capa do álbum é um saquinho de bolhas; não é plástico, como todas as capas. A minha ideia foi essa, quando eras puto, tinhas de manter a calma e rebentavas essas bolhinhas. Foi a ideia da transparência da alma e a calma; foi essa a ligação que eu consegui fazer. Se tu reparares, há bolhas no vídeo e no CD, e em mais um ou dois vídeos vês uma bolha ou duas a passar. E o “Astrolábio”, a última música, são as bolhas todas a irem. Ao fim e ao cabo, o que eu quero transmitir é que isto foi um álbum que eu consegui fazer. Não nos podemos dar bem com toda a gente; nunca vamos conseguir ser aceites pelo mundo todo. E a melhor coisa que temos a fazer é criar a nossa bolha com aquelas pessoas que são realmente importantes para nós, e foi mais ou menos o que eu criei com esse álbum – uma bolha. É a nossa bolha, a nossa defesa, e só puxo para a minha bolha quem é bom para mim, quem tem ideias positivas. Negatividade aqui já não mora. 
 

E agora que está feito e cá fora, o que esperas deste disco? Quais são as tuas expectativas?  

As encomendas estão a sair bem; até estou contente com isso. Já estou a passar em algumas rádios, inclusive uma no Canadá, outra em Timor. Os concertos é que estão a falhar… Íamos ter um concerto na Galeria Zé dos Bois agora para o final do mês de Fevereiro, para apresentar. Mas com isto tudo do Covid, nem estamos a tentar marcar nada. Mais vale esperar, porque eu tenho a certeza absoluta de que, quando isto abrir, o pessoal está todo com fome, e mais vale esperar. Já tenho vindo a fazer uns ensaios. Quando vier a oportunidade, não posso mesmo perdê-la. E espero mesmo que este álbum me abra mais portas para o futuro. 


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