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Publicado a: 17/10/2018

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[TEXTO] Moisés Regalado

Family first. Talvez os mais novos se tenham habituado a associar a expressão à label de Jimmy P mas esta é uma das regras mais antigas — e representativas — da música hip hop e do seu movimento. Antes de mais, importa perceber o que significa, para Subtil, o conceito de família.

As referências ajudam a contextualizar. A caneta de Subtil viaja pelas memórias dos antepassados (“O meu avô sempre teve a betoneira armada/ Malvada da bebedeira mas casa sempre orientada”; “Lembro-me de ver a minha avó sentada no sofá da sala/ A escrever num bloco de notas, muito mais do que falava”) ao mesmo tempo em que revisita o próprio percurso, sem nunca fugir ao peso dos laços (“A minha mãe educou-me, eu é que nunca fiz caso”; “Erros a mais, desesperos a mais/Foram merdas a mais para hoje ver um sorriso dos meus pais”). E os exemplos não acabam:

“Levamos a vida a tratar amigos como irmãos, primos como irmãos
Mas ninguém vê as minhas lágrimas”

“Posso nunca ter mudado mas a pequena é prioridade
Tenho a dizer a essas mães: filhos não são propriedade
Cada filho é um reflexo da forma como é tratado
Da forma como é criado pelo casal separado
E se cada lar puxa para um lado, caldo entornado”

Mas convém realçar: para que Aquém-Mar visse a luz do dia, a família mais importante terá sido aquela que o acolheu e que agora o apresenta ao movimento com mais visibilidade que nunca (“Fiquei dez anos no meu canto, hoje o meu íntimo diz-me/Para ir com tudo, eu não nasci para bulir no turismo”). Este é um álbum com carimbo Artesanacto e é quase impossível ignorar a marca — em doze faixas, dez foram produzidas por Praso, uma por Montana e uma por Richard Beats. Na hora de dar uso ao microfone, o ambiente também é de camaradagem. As participações dividem-se por dois temas, com Tom, Mass e RealPunch, tão técnicos como sempre, a assumir as rédeas da posse cut “A receita”. Já “Perdido no sul”, também em formato freestyle, junta Subtil aos clássicos algarvios Dani, Odeo e JV, que parecem estar de volta à sua melhor forma.

Na verdade, o novo longa-duração do MC algarvio tem tanto de temático e introspectivo (e familiar) como de técnico ou afiado. Subtil consegue passar de poeta para “modo freestyle” com uma facilidade que apenas brinda os melhores, e é tão comum vê-lo — ou ouvi-lo — preocupado com questões mais íntimas como empenhado em desconstruir os típicos pensamentos de um rapper que veste a camisola sem pausas ou folgas (“Ainda escrevo no meu dia de anos”). A forma como flutua nos instrumentais de Praso, independentemente das métricas e cadências, comprovam-no como um MC completo, bem ao estilo dos requisitos contemporâneos.

Assim que o disco se começa a aproximar do fim, com “Por um triz” e “Nada a temer”, o MC limpa definitivamente o passado e abre as portas para um futuro próximo que se adivinha risonho. “Perdido nas ruas do Algas a ver se aproveito o tempo que perdi”, diz-nos Subtil, assumindo uma modesta ambição que apenas peca por defeito: Subtil é uma das grandes confirmações de 2018 e Aquém-Mar é uma das melhores surpresas.

 


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