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Fotografia: Austin Scherbarth
Publicado a: 08/07/2022

Uma falha na interpretação foi o início.

Stimulator Jones: “O Round Spiritual Ring toca em temas mais introspectivos”

Fotografia: Austin Scherbarth
Publicado a: 08/07/2022

Em 2014, Stimulator Jones dava os primeiros passos enquanto produtor de hip hop. Natural de Roanoke, Virgínia, Samuel Lunsford chegou a esta mais recente etapa da sua vida artística já com um vasto historial de participações em bandas de rock e folk, nas quais assumiu diversas funções diferentes, desde o canto à guitarra ou da harmónica ao banjo. Nesse ano estreou-se com Scuffed Suede Music, e desde então que o seu catálogo no Bandcamp não mais parou de crescer.

Apesar da dificuldade em notabilizar-se nesta nova área, Peanut Butter Wolf não teve dúvidas quanto ao valor da sua música e, em 2018, convidava-o a lançar os primeiros dois discos pela sua Stones Throw Records. Depois de Exotic Worlds and Masterful Treasures e Exotic Outtakes, Jones passou ainda pela norueguesa Mutual Intentions para editar La Mano, antes de regressar à label de Los Angeles com Low Budget Environments Striving For Perfection, projecto que o colocou em linha com a nossa redacção — foi Paulo Pena quem, há um ano, conduziu a primeira entrevista do artista ao Rimas e Batidas.

Hoje em dia, Stimulator Jones já goza de alguma visibilidade na cena beat e toda a sua aprendizagem enquanto músico desagua em Round Spiritual Ring. Novamente selado pela Stones Throw, o seu mais recente álbum é, acima de tudo, uma amostra de maturidade e bom gosto que levou o multi-instrumentista a expandir horizontes a todos os níveis, desde a exploração de novas sonoridades à utilização cada vez mais recorrente de instrumentação real, tocada por si, na feitura dos temas. Esta não se trata de uma mudança na forma como aborda a criação mas sim uma evolução natural, por parte de alguém cuja curiosidade em torno do que lhe é desconhecido é insaciável, tal como revelou numa nova conversa com a nossa revista digital, que poderão ler já de seguida.



Nós falámos contigo no Verão passado, e tu terminaste essa entrevista já a prever um novo álbum, que representaria alguma forma de evolução no teu som. Agora que terminaste esse processo, em que lugar da tua discografia o colocas?

Liricamente, toca em temas mais introspectivos. Eu lidei com depressão e tive dúvidas de mim mesmo. A música foi uma forma de eu poder trabalhar a partir desses sentimentos. O último par de anos foi desafiante para muita gente, diria eu. Especialmente para os músicos, com a cena de não poderes viajar e de actuar. Depois, vejo toda esta agitação e sofrimento pelo mundo fora… Isso faz-me sentir impotente. Levanta todas estas questões… “Mas que sentido é que isto faz?!” São esse tipo de sentimentos. A música ajudou-me a sair desse lado e eu espero que estes temas também possam tirar outras pessoas de lá. Se a minha música conseguir fazer isso pelas pessoas, acho que é algo bonito.

Musicalmente, passo por diferentes estilos. No primeiro single, “Love Will Light Your Dreams”, eu toco todos os instrumentos que ouves. Gravei a bateria, o baixo, a guitarra, as teclas, a voz. Os meus trabalhos anteriores pela Stones Throw eram muito à base de samples e sons programados — especialmente as baterias. Este é o meu primeiro trabalho pela Stones Throw em que eu toco a bateria. É uma cena diferente dos registos anteriores. E há outros temas no disco assim, com captação de bateria e de outros instrumentos. Tens lá cenas mais fuzzy, ao estilo do rock psicadélico. Há lá uma cena mais a ver com os 80s, que me saiu meio de improviso. O meu objectivo era alcançar todos esses pontos e mostrar esses outros talentos que eu tenho, os géneros que eu aprecio e que quero explorar. Ao mesmo tempo, encontras lá faixas que têm a vibe do meu primeiro álbum. Isto não fui eu a afastar-me radicalmente do que sempre fui. Penso mais nisso como uma evolução. Evolução e expansão são as palavras correctas.

Dirias que o sampling, no teu processo criativo, está a chegar ao fim ou vês isso apenas como um desafio ou um elevar da fasquia?

O sampling não está, definitivamente, a chegar ao fim. É essa ideia de eu me desafiar a mim mesmo. Eu só quis mesmo alcançar novos sons, incorporar-lhes alguns sabores, em diferentes estilos. Isto é porque eu ouço todo o tipo de música. Eu quis reflectir isso na música que estou a fazer. E os artistas que eu mais admiro são aqueles que não se limitaram a fórmula de um mesmo álbum ou tema vezes e vezes sem conta. Eu gosto de artistas que não seguem sempre a mesma receita e nos quais tu notas uma progressão à medida que as suas discografias crescem. Vês progressão, vês evolução, vês experimentação. Também é esse o meu objectivo, o de não me encaixotar dentro de um género ou categoria em particular. Esta é a minha voz e eu tenho o meu próprio estilo. Tenho a minha vibe pessoal. Mas a meta principal será sempre expandir-me a diferentes sons, estilos e texturas. Tem a ver com a liberdade. Isto é o que chamo de “liberdade musical”.

É engraçado, porque tu estás a fazer o caminho oposto àquele que eu vejo alguns músicos de jazz a percorrer neste momento. Lembro-me de nomes como o Sam Gendel ou o Geral Cleaver, que têm estado também a participar na cena electrónica. Achas que essa busca por diferentes contextos e formas de criar ajuda a que os artistas se mantenham empenhados a desenvolver a sua obra?

Sim. Sem dúvida. Grande parte da razão pela qual eu o faço é para não perder o interesse. Se eu perco o interesse e a curiosidade, perco a motivação. Ao explorar diferentes texturas, sons e abordagens, acabo por estar mais motivado. É, também, todo um processo de aprendizagem. Como disseste, é para me desafiar. “Vê lá o que consegues fazer e o que mais consegues desbloquear com a tua criatividade”. O ser humano é fluído por natureza. As pessoas não acordam a sentirem-se iguais todos os dias. A vida está sempre em mutação e a sofrer alterações. O ser humano é parte disso. E é algo natural às pessoas criativas: quando nos sentimos diferentes, queremos expressar-nos tal e qual daquela maneira.

Tu já mencionaste o facto da pandemia te ter trazido consequências negativas, ao nível da saúde mental. Muitos dos músicos com quem tenho falado referem-me que a pandemia também lhes trouxe mais tempo livre, o que lhes permitiu ler mais livros ou escutar mais música. No teu caso, não sentes que também existiu esse lado positivo?

Pondo as coisas nessa perspectiva, sinto. Consegui estar mais tempo dentro do meu próprio ambiente. Tive tempo e espaço para ler, para ouvir coisas que ainda não tinha ouvido, ver filmes que não conhecia. Até mesmo coisas como comprar um skate. Comprei um skate e voltei a andar, que é algo que eu não fazia há uns 20 anos. Acho que o facto de termos estado em quarentena inspirou as pessoas a procurarem mais actividades ao ar livre — eu fiz muitas. Nesse sentido, foi positivo ter aparecido a pandemia. Deu-me muito tempo para trabalhar em canções que tinha por terminar. Ainda assim, devido à natureza dos problemas que se passam no mundo, não deixei de me questionar, “qual é o ponto de tudo isto?! Será que a música é só uma actividade movida pelo ego e que não serve nenhum propósito? Será que há um futuro para isto?” Entretanto, descobri as respostas para essas questões. A música é algo de muito poderoso para a humanidade. Ajudou-me a atravessar os meus tempos mais difíceis. Enquanto eu me lembrar disso, vou ter sempre a motivação necessária para continuar a criar música. Espero que também possa ajudar outras pessoas a atravessar os seus períodos difíceis. Mantenho esse pensamento na minha mente.

Deste por ti a voltar a ouvir certos artistas? Houve alguém a quem, de repente, começaste a prestar mais atenção do que aos demais?

Não particularmente. Não houve nenhum artista específico ao qual tenha regressado. Acabei a tentar explorar coisas que não tinha ouvido antes. Foi mais por aí que eu andei.

Dás-me um par de exemplos?

Entrei nesta cena do yacht rock, do rock orientado para o álbum e para a exploração. Muitos dos artistas bons que descobri operam sob esses registos. Há um grupo chamado Pages e eles são maravilhosos. A certo ponto, membros dessa banda formaram os Mr. Mister, que tiveram um grande êxito chamado “Broken Wings”. Mas o que me chamou a atenção foram as coisas que fizeram enquanto Pages, durante os anos 70/80. Têm cenas muito boas. Também há um outro grupo chamado Byrne & Barnes. Há uma canção em particular, “Love You Out Of Your Mind”, que é incrível. Esses dois nomes são algumas das coisas que as pessoas classificam como yacht rock e rock orientado para álbum. Ainda descobri uma banda italiana de rock psicadélico chamada Sensations Fix. Posso dizer-te que fiquei vidrado nas cenas deles. Deixaram-me estupefacto.

É bom saber que há mais vida para além de Steely Dan.

Absolutamente [risos].

Passei há dias a tua música na minha rubrica diária para a rádio e estive também a falar um bocadinho sobre o teu próximo trabalho. É claro que não me esqueci de mencionar a história por detrás do título, Round Spiritual Ring, que parte de uma má interpretação tua da letra da “Raspberry Beret”, do Prince. Podes falar-me mais sobre esse episódio?

Quando eu era uma criança muito pequena, lembro-me de estar sempre a ouvir esta canção na rádio. Era mesmo muito frequente e eu ouvia muita rádio, numa boombox que tinha no quarto. Tinha sempre aquilo ligado. Lembro-me de não parar de escutar este tema e achar que, no refrão, ele cantava “round spiritual ring” [risos]. Há um dia em que estou com o meu pai e esse tema começa a tocar na rádio. Eu comecei a cantá-lo e o meu pai só se ria de mim. Do tipo, “não. O que eles estão a dizer é ‘raspberry beret'”. Eu era mesmo muito novo e acho que nem sabia o que é que era um “beret”. Ia jurar que eles diziam “round spiritual ring” [risos]. Lembrei-me desse episódio e achei que pudesse ser um ponto-de-vista engraçado para pegar no álbum. É uma memória fixe e, ainda por cima, é também uma referência ao Prince, que é uma das maiores inspirações. Se fores mais a fundo, tu começas a pensar no símbolo da esfera e do círculo, em como os planetas giram em torno do sol, em como os discos rodam quando os metes a tocar, em como o nosso ADN está feito em espirais… Esse movimento circular está bem presente em todo o universo.

O Prince era um multi-instrumentista, como tu. Acredito que isso seja ainda mais especial para alguém que, como tu, o tem como referência.

Sem dúvida. Ele é uma daquelas pessoas… Se tu olhares para o catálogo discográfico dele, percebes que, ao longo do tempo, ele explorou diferentes sons, texturas e estilos. Ele nunca se encaixotou dentro de um género. Ele tinha a vibe dele — a energia do Prince é muito pessoal — mas ele pegou nisso e explorou todos géneros musicais maravilhosos que encontramos por aí. Ele experimentou muito. Se tu és artista, tens todas estas cores à tua disposição para pintar. “Porquê usar apenas uma cor?” Ele era esse tipo de artista e eu respeito isso, porque requer que sejas uma pessoa destemida. Também respeito o conhecimento dele em torno da música em geral. Acho que isso se reflecte em tudo o que ele gravou. O gajo tocou literalmente tudo e extremamente bem.

Alguma vez chegaste a vê-lo ao vivo?

Infelizmente não. Gostava mesmo muito de o ter conseguido ver. Mas não.

Presumo que já tenhas ideias para a apresentação ao vivo deste álbum. Queres falar-me sobre isso?

Primeiro, vamos ter a festa de lançamento do disco, em Los Angeles. Para esse espectáculo, quero manter as coisas num nível logisticamente fácil. Por isso, vou ser apenas eu. Num futuro próximo, quero encontrar forma de tocar estes temas com pelo menos um ou dois músicos adicionais. Isso seria fixe. Idealmente, gostava de ter uma banda repleta de pessoas. Vamos ver. Por enquanto, no início, vou fazer a cena estilo banda de uma pessoa só.

Este álbum será o teu terceiro lançamento pela Stones Throw. Acredito que seja especial para ti, estar numa editora com o historial que eles têm e que foi construída num ambiente muito familiar. Como tem sido trabalhar com eles?

Tem sido uma benção trabalhar com eles. A missão do Peanut Butter Wolf para a editora é: ele só edita as coisas que considera boas. Ele não pensa nas coisas do ponto-de-vista do mercado nem dos números. Se ele ouve uma música de que gosta, ele quer editá-la. Ele não vai estar a pensar, “quantas cópias disto eu vou conseguir vender?” Nem vai estar a pensar na quantidade de dinheiro que vai conseguir retirar dali. A perspectiva dele acaba por ser muito semelhante à de um artista. É por isso que eu tenho contrato com eles. Ele escutou a minha música, viu qualquer coisa em mim e isso fez com que ele quisesse editar a minha música. Na altura, eu era um gajo desconhecido, sem praticamente ouvintes nenhuns. Eu toquei em diferentes bandas durante muitos anos, mas o projecto Stimulator Jones era novo naquela altura em que comecei a falar com a Stones Throw. Respeito-os imenso por irem à procura de artistas que são desconhecidos ou que não têm assim tantos seguidores. Eles têm pessoas criativas nas quais acreditam e trabalham com elas. Tenho de respeitar isso, o facto de o foco estar todo centrado na música e não no marketing. Nesse sentido, tem sido uma grande dádiva. É a editora perfeita para eu estar. Além disso, são o tipo de editora que lança todos os tipos de música, de diferentes géneros e estilos. O Wolf ouve todo o tipo de música. Se fores comprar discos com ele, ele compra todo o tipo de cenas — música psicadélica dos 60s, cenas da new wave, hip hop, disco, funk, reggae… Ele está sintonizado com tudo e eu sou igual nesse aspecto. Se eu entro numa loja de discos, eu vou olhar para todas as secções. Adoro tudo. Há música boa a vir de todo o lado. É algo que eu e ele temos em comum, bem como todas as outras pessoas que estão envolvidas na editora.


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