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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/09/2021

Começa hoje o festival!

Sonica Ekrano: estranhos sons no grande ecrã

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 09/09/2021

“No deserto de Crestone, Colorado, um grupo de rappers do SoundCloud vivem em solidão, cultivando erva e fazendo música para a Internet. Quando um velho amigo chega para realizar um filme, realidade e ficção começam a confundir-se”, reza a sinopse de Crestone, filme de 2020 realizado por Marnie Ellen Hertzler. À partida, soa a uma película de lançamento improvável em sala. Uma curiosidade (mórbida?) que, caso nos desperte a atenção, lançar-nos-á num vórtex online de legalidade dúbia — porque não seremos chamados até ao Cinema São Jorge.

De 9 a 18 de Setembro, a organização da OUT.RA (como quem diz, dos produtores que vos trouxeram o OUT.FEST – Festival de Música Exploratória do Barreiro) reivindica esse cinema bizarro, os olhares que incidem sobre a música mais subterrânea – e que nem por isso merecem menos feedback. “Músicas das margens”: significa Delia Derbyshire do BBC Radiophonic Workshop, as várias Sisters With Transistors que foram pioneiras na música electrónica, as vozes do SoundCloud, ou o compromisso (português) entre urbanismo e a “cultura auditiva”. É esse o propósito do Sonica Ekrano, que se estende pelo Fórum Cultural José Manuel Figueiredo (na Baixa da Banheira, Moita), pela Biblioteca Municipal do Barreiro e pelo Auditório Municipal Augusto Cabrita.

Em conversa com o director e programador Rui Pedro Dâmaso, o ReB mergulhou numa conversa sobre tradições esperantistas na Margem Sul, o conceito fugidio de crowdpleaser e a necessidade de reflexões multidisciplinares sobre música.



Nas palavras oficiais do Sonica Ekrano, esta é uma mostra de filmes cujos acesso e tema coincidem num plano: o da relativa obscuridade. Isto dificulta de alguma forma a sua execução? Ou o maior desafio é fazer com que se esgotem as plateias?

É possível que dificulte, mas gostamos de missões desafiadoras, ou, por outro lado gostamos de, quando encontramos uma lacuna, tentar dar o nosso contributo para a preencher; e a verdade é que sim, o panorama em Portugal para acesso a cinema independente (mais ainda a documentários, mais ainda a documentários sobre música, e, mais ainda, a documentários sobre “estas” músicas) é exíguo, mesmo com todas as honrosas excepções que vão existindo. Nesta fase só queremos ser mais uma dessas honrosas excepções, sem preocupação ou ilusão de esgotar plateias. Só queremos oferecer às pessoas algo que julgamos ser importante e sub-representado, sendo ou não uma estreia nacional – na verdade, se um filme já passou uma ou duas vezes em festivais, significa isso que já esgotou o seu ciclo de vida no país? Acreditamos que não.

Parece que um filme como o Crestone, por exemplo, teria dificilmente lugar numa sala portuguesa. Há mais liberdade para não ter de justificar ao milímetro cada escolha, algo que possivelmente falte a outros festivais de maior dimensão?

Continuando com o que disse acima, há a liberdade de termos definido uma “missão” e de as nossas escolhas serem balizadas por esse mesmo objectivo; há a liberdade dos limites auto-impostos, se quiseres. Mas dito isto, também é minha opinião que esses festivais de maior dimensão podem, se calhar, sofrer dessa ausência de limites, mas que por outro lado têm muito mais espaço para arriscar. Não é linear. Creio que no nosso caso será sempre difícil, à partida, encontrar crowdpleasers instantâneos, por isso só nos focamos na qualidade e relevância que percepcionamos em cada filme.

Que tradição esperantista é esta na Margem Sul?

É um assunto que nos acompanhou enquanto crescemos no Barreiro e fomos conhecendo as suas estórias – existiram duas associações de aprendizagem e disseminação do Esperanto no Barreiro, fundadas entre 1930 e 1940, há no centro da cidade um jardim Zamenhof (em homenagem ao criador da língua), houve aulas clandestinas da língua nas bibliotecas de algumas das colectividades históricas da cidade, nunca esquecendo que o Esperanto teve sempre uma relação difícil com a ditadura, e que a sua aprendizagem e disseminação estiveram sempre ligadas à resistência, ao pacifismo, ao internacionalismo – bastiões reconhecidos da cidade e da Margem Sul em geral. De tal modo que, ainda hoje em dia, ou pelo menos até muito recentemente, a Universidade da Terceira Idade do Barreiro ainda oferecia cursos de Esperanto, e que ainda há três anos atrás a Ephemera, do Pacheco Pereira, organizou em Lisboa um Congresso Universal do Esperanto com um amplo espólio barreirense em destaque. Aproveito para recomendar esta leitura: https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/5177/1/ESPERANTO%20TESE%2031-10-2012.pdf

Consegues destacar dois filmes em exibição?

Claro que não! Mas posso aproveitar, por exemplo, para destacar três que estão unidos tematicamente na homenagem às pioneiras da música electrónica no séc.XX: o Sisters With Transistors, que pinta um retrato geral das conquistas da Eliane Radigue, Daphne Oram, Maryanne Amacher, Pauline Oliveros e mais, e depois o Suzanne Ciani: A Life in Waves e o Delia Derbyshire – The myths and legendary tapes que particularizam a história e a vida dessas duas artistas geniais e desbravadoras de terreno.

“A que soa a música quando não sobra ninguém para a partilhar nas redes sociais?” Pegando nesta frase da sinopse do Crestone, a que soa a música quando não chegam até nós os documentários que a provocam, descodificam ou complexificam?

Não sei. Acho que para a maioria dos ouvintes o face value é suficiente, mas quem cresceu e vive apaixonado por música quer e precisa da reflexão, da história, da biografia, de conhecer os processos. O nosso papel aqui é tentar ser mais uma dessas instâncias de conhecimento.


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