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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/11/2023

O novo EP tem seis faixas e vai ser apresentado no Porto e em Lisboa.

Sónia Trópicos sobre Singela: “Peguei na simplicidade do dia a dia para construir os sons”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 08/11/2023

Foi na passada sexta-feira, 3 de Novembro, que Sónia Trópicos lançou o seu segundo EP, Singela. A produtora e DJ da Margem Sul voltou a agarrar-se a referências lusófonas nomeadamente portuguesas e brasileiras para construir sons electrónicos ricos e repletos de texturas. Pela primeira vez, explorou a sua voz.

O novo trabalho, composto por seis faixas, vai ser apresentado a 18 de Novembro no Plano B, no Porto; e a 22 de Novembro no Musicbox, em Lisboa. Depois de uma intensa tour como parte da formação ao vivo de Pedro Mafama, que lhe deu experiência e “estaleca”, Sónia Trópicos está agora focada no seu próprio projecto musical, pronta para o levar mais longe. Aí está entrevista do Rimas e Batidas com a artista portuguesa.



O que procuraste quando começaste a construir este novo EP? Qual foi a tua abordagem inicial? Ou foste fazendo músicas e só depois chegou a ideia de as compilares num disco?

Depois de lançar o meu último EP, tive logo interesse em começar a desenvolver outro. Inicialmente queria que fosse um álbum, mas acho que um álbum é uma obra muito mais madura, então decidi fazer outro EP, para me estabelecer um bocadinho melhor. E, durante esse tempo, aprendi bastantes coisas, relativamente às quais não tinha maturidade no primeiro. E enquanto estava a desenvolver as músicas e à procura de um conceito, ao mesmo tempo estava a estudar sobre escultura popular portuguesa. 

Porque tens esse background, ligado às artes visuais.

Exactamente. E por isso também gosto de ir buscar várias referências, não só musicais mas também físicas e de outras áreas artísticas para produzir as coisas que eu quero e de que gosto. Então, neste processo de estudar a escultura popular portuguesa, percebi que a abordagem vinha de uma inocência e simplicidade que pega em questões do dia a dia e esses escultores transformam-nas em obras físicas… Lembro-me da Rosa Ramalho, que é uma das mais famosas escultoras de arte popular portuguesa, ter ido ao Jardim Zoológico e ter visto um crocodilo e chegar a casa e de repente as esculturas dela eram só crocodilos. E eu parti um bocadinho deste pressuposto, de pegar nessas referências e nas coisas que me estavam a acontecer durante este ano de evolução, para fazer este EP. Foi pegar nessa inocência e simplicidade do dia a dia para esculpir os sons.

Sentes que foi um processo muito diferente em relação ao teu EP anterior, na forma como abordaste a construção das músicas?

A essência acaba por ser um bocadinho a mesma. O tipo de sons que queria explorar acabam por continuar: as referências da tradição portuguesa e sons da lusofonia. Acaba por ser essa a essência. Mas, como já tinha mais conhecimento e me desenvolvi muito mais musicalmente, sabia melhor o que queria, o que desenvolver, o que abordar. Mesmo os samples ou sample packs que fui buscar… Foi com um bocadinho de mais qualidade do que o anterior. A construção musical foi mais consciente.

E porquê Singela?

Porque é algo único e simples. Partindo desse pressuposto de simplicidade, Singela é uma palavra engraçada que acabou por reflectir um bocado essa simplicidade, mas com várias nuances.

Que coisas em particular te inspiraram para a construção destas canções?

Andei a ver referências de cantos antigos, coisas que fossem simples e que depois pudessem crescer numa música, para o single que lancei, o “NINA”. E encontrei um sample de uma cantadeira que é a Catarina Chitas, e usei o sample dela para eu, enquanto Sónia Trópicos, dialogar com uma pessoa mais antiga, que também não tinha grande escolaridade musical mas, quando cantava, enchia… Era uma coisa simples que enchia muito. Então aproveitei isso. Nessa mesma música, inspirei-me num tema com que cresci, da Ágata, que se chama “Sozinha”, e também a homenageei nesse aspecto…

Fala-nos da tua ligação à música portuguesa e lusófona, nomeadamente o Brasil. Cresceste a ouvir muita música em português?

Sim, cresci muito com esse background, e mesmo os gostos que desenvolvi, na adolescência e por aí fora, sempre foram muito por aí. E são os sons que ainda hoje gosto de consumir. Também gosto de consumir outros mercados, porque devemos sempre alargar os horizontes e beber de vários sítios, mas são sons que me tocam e me dizem muito mais, e, por isso, eu também gosto mais de os abordar. Também tenho uma faixa que é o “Só Na Minha” que produzi com o bieu s2, que é brasileiro e tem uma estética de funk muito única e explora muito isso. Mesmo com ele, sinto que fomos por aí, mas tentámos crescer e dar uma melancoliazinha, mas com techno, não quisemos só ficar pela estética do funk. Cada um de nós tem outras referências. Embora a lusofonia esteja espalhada pelo EP inteiro, acaba por ir buscar sempre uma coisa aqui e ali. 

E tens outra participação no Singela, do Luís Capitão, na “Suada”.

Sim, o Luís é produtor e teve várias bandas, e mais recentemente começou a tocar guitarra portuguesa. Eu percebi que ele estava com um projecto meio electrónico, não tão convencional e tradicional, então mandei-lhe um beat, ele mandou-me uma guitarra, foi uma fusão fixe e resultou bem. Foi assim muito simples, bateu logo super certo!

Estavas a descrever a forma como pegavas na estética do funk e a cruzavas com outras coisas. O que é que te agrada mais em pegar em sons mais tradicionais ou estabelecidos e reinventá-los e fazer fusões?

É pegar em coisas que já me são familiares e confortáveis e poder dar-lhes uma abordagem diferente. Hoje em dia parece que já tudo foi inventado, é muito difícil inovar. Mas cada pessoa tem as suas referências e, se juntarmos cada uma dessas coisas, talvez consigamos ter algo mais fresco. Foi o que tentei fazer. Por exemplo, tenho uma música que é a “Perdida no Rancho”, que acho que é algo que já foi feito, mas não vi assim tantas abordagens electrónicas, de pista, a abordarem um rancho. Acho que é um cruzar de mundos que, às tantas, pode trazer algo de novo. 

Já estão anunciados os concertos de apresentação. Como será o live act? Vais estar com mais alguém, será um one woman show?

Normalmente é one woman show. No Plano B será mais assim, mas no Musicbox vou ter dois convidados: o Luís Capitão, que vai tocar a guitarra portuguesa; e o bieu s2, que vem cantar a música que tem a voz dele, no meio de vários efeitos electrónicos, e ainda vai abrir com um set de 30 minutos, algo mais experimental. De resto, vai ser sintetizadores, launch pads, um bocado de bateria… Ou seja, vou tentar tornar o meu som um bocadinho mais material. Não é um formato de DJ, será mesmo um live act com instrumentos electrónicos.

Quando estás a construir as músicas, usas sobretudo softwares ou também recorres a máquinas e instrumentos físicos, como sintetizadores e outras ferramentas?

É tudo um bocadinho mais electrónico, dentro do software. Mas neste EP consegui usar um bocadinho mais os sintetizadores, porque tive acesso a eles e consegui integrar mais algumas coisas. Então há músicas como a “Noite”, em que consegui colocar um sintetizador mais físico e ficou fixe. Mas, mesmo quando uso softwares, tento modificar as coisas ao máximo para tentar ter uma estética mais própria.

Neste EP também usas a tua voz nalgumas faixas. Teve a ver com serem temas que pediam essa presença vocal, e uma letra?

Esta abordagem foi um pouco uma novidade para mim, porque sou produtora, não acho que seja cantora, mas quis ousar um bocadinho e pôr a voz nestas músicas. Numa delas tive a ajuda da Isa Leen, na “NINA”, porque achava que aquela música precisava de uma letra e de uma melodia e ela ajudou-me a construí-las por cima do beat que eu já tinha. E a “Noite”, que também tem a minha voz, foi um momento de profunda tristeza que foi natural. Deu-me muito gozo, mas pensei mais na minha voz como um complemento do que como algo principal. Até porque nenhuma das músicas tem uma estrutura pop convencional. Mas sentia que fazia sentido na estrutura da música, e o pior é que me diverti, então se calhar vou querer experimentar mais [risos].

E também será, certamente, uma componente importante no live act.

Exactamente, até porque, para quem está a ver, quando entra uma voz dá sempre um lado mais empático e um toque mais humano, que quebra um pouco ali a coisa das máquinas. 

Tens passado os últimos meses na estrada como parte da formação do Pedro Mafama. Sentes que essa experiência também te tem influenciado criativamente?

Sim, para além da estaleca que esta tour deu, porque foram quase 50 concertos durante o verão, como equipa temos uma dinâmica muito fixe, de trocar ideias, de mostrar coisas uns aos outros, de dar feedback, então essa partilha estava-me a fazer falta. Porque, enquanto eu estava sozinha a fazer músicas, ali, mesmo que fosse na carrinha, trocávamos as coisas que estávamos a fazer e toda a gente foi sempre bué fixe nessa troca de ideias e acho que acrescentou bastante ao processo criativo. 

E há pontos de ligação: obviamente o Mafama também usa elementos tradicionais e os funde com outras coisas, reinventando-os. É algo que está a acontecer mais e mais na música portuguesa. Sentes que é uma marca que vai ficar desta geração?

Acho que sim, porque, para já, há um acesso muito mais fácil à criação de música do que havia há uns anos. Dantes, nem toda a gente podia fazer música. E acho que tu usares coisas que te são queridas, e se calhar houve uma vergonha da música portuguesa durante muitos anos… As pessoas agora sentem que essa quebra está a acontecer e estão a olhar para a própria cultura com outros olhos e a reinventar ou a reflectir sobre ela. 

Tendo em conta o teu momento, a experiência que tiveste este ano e o facto de agora estares mais focada na tua música, que ambições e planos é que tens?

Quero continuar a fazer o que estou a fazer, mas tentar crescer e ganhar dimensão, porque apesar de tudo ainda estou na música só há um ano e meio. E quero tocar em sítios maiores… Acho que ainda não há uma cena de música electrónica ao vivo em Portugal muito estabelecida a nível de público.

Claro que não é o mesmo circuito dos DJs de, por exemplo, techno.

Exacto, é uma dinâmica completamente diferente. Não é que um DJ set não seja autoral, porque pode sê-lo, mas é diferente. E ao mesmo tempo quero começar a desenvolver um álbum e tentar sair de Portugal, expandir um bocadinho, se possível. Estou com muita pica e vontade de correr atrás.


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