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Fotografia: Pedro Francisco, Neia & Eduardo Jorge
Publicado a: 01/04/2023

Um certame em sentido ascendente.

Sónar Lisboa’23 — Dia 1: uma panóplia de sensações

Fotografia: Pedro Francisco, Neia & Eduardo Jorge
Publicado a: 01/04/2023

Para uma equipa de reportagem que não tinha estado presente na edição de estreia do Sonar Lisboa, é tarefa quase impossível fazer qualquer tipo de comparações com o misto de sensações detectadas pelos nossos colegas em 2022. Mas daquilo que lemos desse conjunto de memórias, o festival parece estar no bom caminho para se tornar em algo estruturalmente mais sólido e bem executado.

O cartaz é generoso, os espaços escolhidos (ontem apenas visitámos o SonarClub e o SonarHall) para apresentar os diversos artistas são adequados e a travessia entre os diferentes palcos é bastante simpática nestas noites mais amenas, reforçando um certo contacto entre maquinaria e natureza que parece ser aposta da organização. Mas há detalhes que, mesmo não tendo sido causadores de nenhum infortúnio, podem (e devem) de ser tidos em conta para futuros ajustes: desde a presença de mulheres em casas de banho masculinas para fugir ao “trânsito” da porta do lado, o excesso de verificações por parte dos seguranças a cada reentrada no recinto ou à qualidade do serviço de bar, que tanto nos conseguiu servir vinho branco morno por duas vezes como um água bem gelada.



Leva-nos a primeira noite da segunda edição do Sónar Lisboa — que não deixou passar ao lado os 30 anos do festival de Barcelona — à Estufa Fria do Parque Eduardo VII, para embarcar na viagem cósmico-espiritual de James Holden. Chegamos a tempo de apanhar os últimos cartuchos de Amulador, com a sua carga reconhecidamente hipnótica a manifestar-se quer na coreografia de quadrados coloridos, quer na camada de sons subaquáticos — condizente com o ecossistema que envolve a sala, para a ocasião designada SónarHall.

É precisamente um hall palaciano que nos conduz da entrada ao palco, com a dita Estufa Fria à esquerda revelada pelas janelas de pé alto. Por baixo de um tecto de arvoredo e ramagem, o convite que James Holden nos faz, assim que troca de posto com o português Pedro Rodrigues, torna-se irrecusável: Imagine This Is A High Dimensional Space Of All Possibilities, o novo longa-duração do produtor britânico, havia aterrado horas antes, e não tardou, por isso, em concretizar-se, oficialmente, na pista.

À imagem do multi-disciplinar artista da electrónica, o set focado neste seu novo trabalho carrega densidade mesmo quando as batidas não impõem essa pulsação. À medida que os BPMs sobem, vai-se enchendo a sala, vão-se desinibindo os corpos, entre uma dose moderada de experimentalismo e uma dose reforçada de “dançabilidade” — até que Holden atinge a velocidade cruzeiro e não deixa mais ninguém ficar para trás. Um espaço altamente dimensional onde tudo pode acontecer? Até as imaginações menos férteis lá chegam, por aqui.

— Paulo Pena



Num festival com estes contornos, o tempo, ainda que não dêmos por ele passar, está contado à risca. Ainda James Holden vai na recta final da sua fantasiosa viagem espacial, já vamos nós a caminho do SónarClub — o novo cenário do Pavilhão Carlos Lopes por estes dias —, para ver o que o engenhoso Max Cooper tem para nos oferecer.

Assim que entramos invade-nos uma onda de calor humano: a atmosfera é bem mais densa nesta sala consideravelmente maior, onde paira uma tensão quase animalesca, uma energia libertadora como, pelo menos por cá, dificilmente já se havia feito sentir de tal forma em festivais nacionais desde que os vimos, primeiro, adiados e, depois, condicionados por um fenómeno que redefiniu toda a percepção da liberdade humana.

As imagens elípticas e os loops circulares já fixam atenções na lona de rede gigante que esconde o palco encabeçado pelo produtor londrino. A dupla exposição entre um primeiro ecrã e a transparente tela dianteira permitem um jogo visual elaborado, tão ou mais cativante que as batidas de Cooper. E, à boleia do seu novo trabalho editorial, o autor de Unspoken Words guia-nos desde a criação do (seu) universo, passando pelo desenvolvimento das primeiras células, até à formação de vida — da flora à fauna, do rural ao urbano — com muita cor à mistura. 

Mas é pela música que nos agarra pelo colarinho e nos convoca, sem margem para recusa, a dançar. Pudera: a sua música é contagiante, envolvente, magnânima, imponente, capaz de ocupar todo o espaço em quantas dimensões houver. É gasolina altamente inflamável até para quem está, aqui, fora de pé. Como a estrada que a certa altura se manifesta como elemento transversal na componente visual do seu irresistível espectáculo, a música de Max Cooper, tocada ao vivo, obriga quem a testemunha a fazer-se à pista. E, deste lado, obedece-se de bom grado.

— Paulo Pena



Mudança de DJ, tempo para uma pausa na rua para refrescar. Numa mão um cigarro, na cabeça está o deslumbre pelo espectáculo audiovisual promovido por Max Cooper — brilhou na música, é certo, mas deixou-nos especialmente embasbacados com a tamanha parafernália de imagens que projectou numa dupla tela. Ainda a brasa ia a meio do seu caminho rumo ao filtro quando as primeiras batidas promovidas por Anfisa Letyago começaram a ecoar lá fora, aumentando o nível de fumo inspirado a cada bafo para perdermos o menos possível do espectáculo daquela que o Sonar considera como “a estrela em mais rápida ascensão do techno”.

Seduzidos pela descrição, não foram precisos sequer 30 minutos para o confirmar: a italiana foi muito mais concreta (menos exploratória ou expansiva, portanto) do que o seu antecessor, deixando bem claro que o seu papel no Sonar Lisboa era colocar-nos em constante movimento, com kicks em catadupa que nos rasgam os tímpanos e nos alinham o corpo para movimentos de dança mais selvagens. Além da escolha musical (da sua recém-editada “Danza” à recriação de um clássico dos Van Halen pela mão de DJ Emerson, em “XTC”), a sua performance fica desde logo marcada por uma notória subida nos BPMs, invadindo territórios bem próximos do trance, para o deleite de todos os ravers presentes na sala. Os visuais a que recorreu dificilmente chegariam aos calcanhares do homem que lhe antecedeu — e não chegaram, é um facto —, mas no que toca a jarda musical electrónica, talvez se tenha conseguido colocar alguns furos acima, tendo na velocidade a que servia cada tema o seu principal aliado.

— Gonçalo Oliveira



Igualmente veloz estava VTSS quando regressámos ao SonarHall para testemunhar o grande back 2 back da noite. A sua noção de techno, porém, é bem menos abissal e, de certa forma, mais tropical, misturando percussões de outras latitudes com os habituais four on the floor. Do pouco que escutámos, foi possível sentir o pulsar de culturas sónicas mais quentes com uma ligação bem forte ao nosso país, do Brasil até Angola.

— Gonçalo Oliveira



Não esperámos muito até que o que o dub entrasse em cena pelas mãos de Skream e Mala, evoluindo rapidamente para dubstep para provocar movimentos de marcha entre os steppas ali presentes. O ritmo baixo, a soltar vibrações no ar para quem as quisesse apanhar, fazia levitar os mais inebriados. Mas é esse o engodo do género musical nascido em Londres, que “quebra” os BPMs ao meio para ganhar espaço de manobra, podendo facilmente transitar entre uma cadencia lenta e outra mais acelerada. Por entre esse mistério de não saber nunca com o que contar, escutámos vozes e beats de algumas das lendas da cultura musical urbana do Reino Unido — com Flowdan, Killa P ou The Bug à cabeça, e não esquecendo, claro, o repertório do par de veteranos que tínhamos à nossa frente. Skream e Mala não desapontaram e deram-nos o que de mais finesse se fez no dubstep antes do “vírus” Skrillex, com linhas de graves bem pesados e sintetizadores acutilantes que nunca chegam a escorregar no que é tido como “azeite”. Feitas as contas, foi uma bela forma de terminarmos a missão que nos trouxe ao primeiro dia do Sonar Lisboa’23, com esta certeira aposta por parte da organização, que nos permitiu escapar às cadências mais óbvias desse infindável mundo que é a música electrónica.

— Gonçalo Oliveira

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