Rondavam as 20 da noite, e no Parque das Nações viam-se multidões de jovens a fazer fila para entrar na Altice Arena. Que um artista português tenha esgotado uma sala como esta em dose dupla, já é motivo o suficiente para medir o sucesso do Afro Fado do Slow J, o mais recente álbum lançado por um dos artistas que está no topo do sucesso em Portugal. Talvez seriam poucos os que adivinhariam, durante a década de 90, aquando do surgimento do hip hop no nosso território, fenómeno ainda underground e amador, que 30 anos depois se tornaria a nova pop, um fenómeno de massas, e um marco identitário de toda uma geração que iria esgotar duas vezes esta enorme sala.
Slow J tem conseguido a proeza de crescer enquanto músico: a nível sonoro, de produção e conceitos, chegado a novos públicos, nunca comprometendo a sua integridade e identidade artística. E este primeiro concerto de apresentação de Afro Fado foi a prova viva disso: uma sala inteira a rebentar pelas costuras a cantar músicas que são também hinos de uma geração.
Foi com um início ao som da guitarra portuguesa magnânima tocada por Rui Poço que o concerto começou, transportando-nos para o mote do mais recente álbum de Slow J — a mistura, simples e bonita, das origens do cantor que tem uma mãe portuguesa e um pai angolano. “Tata”, palavra que se traduz para pai, no kimbundo, língua bantu de Angola, foi a canção que deu início ao concerto, seguida da icónica “Where U @”, e, “FAM”, música partilhada com Papillon que faz parte do seu álbum anterior You Are Forgiven.
Transportando uma Altice inteira para o seu universo íntimo, este concerto foi acima de tudo uma celebração — de um Portugal com olhos postos no futuro, da mistura sem grandes complexidades, da música que é fruto dela, da riqueza da nossa cultura, e do talento que temos em Portugal. Não foi por acaso que, para além do alinhamento respetivo às músicas que pertencem a Afro Fado, fomos brindados com clássicos da carreira de Slow J, alguns dos quais acompanhados por alguns dos seus companheiros de caminho — “Imagina” com Ivandro, “Water” com Richie Campbell e “3,14” com Gson, que também cantou “Origami”, última música do novo álbum.
Entre paragens do cantor para olhar para a plateia e contentar-se com o feito incrível de esgotar esta sala de espetáculos tão célebre, Slow J conseguiu, canção após canção, elevar o espírito de um público com uma capacidade instrumental gigante, contando com a companhia de Djodje Almeida na guitarra, Diogo Seis no baixo, João Caetano na percussão, e a massa adepta, que se ouviu como um instrumento próprio naquela que foi uma noite mágica, de um artista que bem a mereceu.