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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/02/2022

O equipamento para a época está escolhido.

Sippinpurpp: “Quero fazer um álbum mais introspectivo no futuro”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 01/02/2022

A “comeback season” de Sippinpurpp teve falsa partida em “1000 Jogos”. O rapper de Ovar fechou 2020 com um single inesperado e surpreendente a vários níveis e anunciou a inauguração de uma nova época de conquistas no campeonato do hip hop nacional, que sempre o viu como um underdog, para 2021.

Já em 2018, Purpp envergava a camisola do Manchester City em “Sauce”. Em 2020, desvendou algumas cores do “fato treino do City”, num snippet que acumulou visualizações no YouTube equivalentes a dois Etihad Stadium cheios. E foi com o azul-claro que, em 2022, mudou de tonalidades e voltou à competição, após uma pausa para recuperação do corpo e da mente, para cumprir a promessa adiada — e no dia 25 de Fevereiro há concerto marcado para o ID_NOLIMTS.



A última vez que falaste ao ReB foi no final de 2020 sobre a “1000 Jogos”, e nessa entrevista previas um ano de 2021 mais preenchido, com pelo menos dois temas já prontos a estrear. Um deles já era este “Fato treino do City”?

Não, esse tema já existia, mas não era um dos que eu pensava lançar a seguir ao “1000 Jogos”.

Nas tuas redes sociais revelaste que este regresso tardio se deveu a uma pausa para cuidares da tua saúde mental, e este é um assunto que tens vindo a falar abertamente em entrevistas ao longo do tempo. Nunca pensaste fazê-lo também nas tuas músicas, pelo menos mais assumidamente?

Eu tento separar um bocadinho a minha saúde mental e os meus problemas pessoais da música que eu faço, porque a minha música tende a ser uma coisa para atingir as massas, e não tão introspectiva. Mas, por acaso, foi uma coisa que me ocorreu nestes últimos dias, que no futuro quero fazer um álbum mais introspectivo — uma coisa mais pessoal onde possa mostrar também esse meu lado mais sensível. É uma coisa que eu transmito nas minhas entrevistas, mas, como tu disseste, nos meus sons não abordo muito esses temas. Mas, se calhar, também uso isso como mecanismo de defesa neste momento, porque ainda estou a aprender a lidar com as coisas todas. É uma possibilidade que eu não descarto, e já pensei nela. De certeza que vai acontecer. Não só um tema, mas acho que é importante [fazer] pelo menos um EP em relação a como me sinto por dentro.

De tudo o que já lançaste, a “1000 Jogos” foi a que me disse mais, não tanto por ter um tom mais boom bap, mas por te abrires, realmente, nesse tema. Acho que esse foi o elemento-chave para o single ter chegado a mais gente diferente.

Mas isso é relativo. O “1000 Jogos” demorou um ano a fazer um milhão de views.

Não digo em termos de sucesso, mas de tipos diferentes de pessoas a que chegou.

Sim, isso concordo que tenha chegado a públicos diferentes. Mas, em termos de números e de quantidade de pessoas a que chega o som, acho que o “1000 Jogos” chegou a toda a gente, mas nem toda a gente valorizou da mesma forma. O meu público percebeu e gostou da posição que eu tomei, mas as pessoas também gostam do Sippinpurpp porque é o Sippinpurpp. Apesar de ter sido um pouco mais pessoal, menos vago, esse som foi só, basicamente, um statement que eu tive de fazer. Foram coisas que eu tinha de tirar do meu peito. Mas acho que não é esse o caminho que tenho de seguir para atingir os objectivos que eu quero. No final do dia, eu faço música para toda a gente. Não estou a fazer música só para fãs de rap — ou para pessoas que se sentem mais iluminadas que as outras. Principalmente para as pessoas que se sentem fora do sítio, que sentem que não pertencem a este mundo, é para essas pessoas que eu estou a fazer música.

Pergunto isto também porque a “Fato treino do City”, faixa que escolheste divulgar neste teu regresso, por ser um tema carregado de egotrip, acaba por contrastar com a frequência deste teu último ano a nível mais pessoal. Na tua cabeça há uma separação clara entre o Sippinpurpp e o André Vaz?

Sim, claro que há. O Sippinpurpp é uma persona, apesar de as linhas que separam, às vezes, poderem ser um bocadinho ténues. Mas, no final do dia, para os meus amigos a sério, para a minha família, para a minha avó, para a minha namorada, eles sabem quem é que eu sou mesmo na vida real, quem é o André. E eu sinto que, apesar de as linhas serem ténues, há uma coisa que define o André e uma coisa que define o Sippinpurpp. 

O André é uma pessoa mais calma, introvertida, anti-social, que gosta de estar em casa, que não gosta de sair à noite, que não gosta de falar muito. O Sippinpurpp tem de ser o oposto disso. Para conseguir chegar onde quero chegar tenho de ser uma pessoa mais social, activa, que goste de sair, aparecer, que goste de ser rapper… [risos] Agora o meu objectivo é tentar equilibrar as duas coisas e manter um estilo de vida saudável, não só fisicamente, mas também psicologicamente. E acho que é importante, também, eu ter o meu ego. Eu sinto que um dos meus problemas foi deixar que a opinião dos outros, durante estes anos, fosse afectando o meu ego, aos poucos. E isso fez com que eu perdesse a minha essência e aquilo que eu comecei. Mas este ano [que passou] serviu para eu fazer uma introspecção e pensar se é mesmo isto que eu quero fazer e quem é que eu sou ou não sou. E, neste momento, sinto-me confiante daquilo que o Sippinpurpp é e representa. 

Quando começaste a fazer as primeiras músicas enquanto Sippinpurpp, por que razão sentiste a necessidade de criar uma persona que, no fundo, representa o contrário daquilo que és enquanto pessoa?

Epá… sinceramente, acho que é por essa razão. Por nunca ter sido assim uma pessoa extrovertida, acho que inconscientemente vi uma oportunidade de mudar a minha vida, de representar aquilo que eu, se calhar, sempre quis fazer. Representar a liberdade, o anti-herói, uma pessoa anti-sistema que não quer saber da opinião dos outros. Foi sempre o que eu ambicionei, viver a minha vida sem querer saber da opinião dos outros. E apesar de eu ser uma pessoa calma e gostar de estar no meu canto, sempre tive o meu lado mais wild, um gajo desde puto sempre fez bués asneiras, sempre teve bués problemas no tribunal. E eu acho que isso foi uma maneira de canalizar essa energia toda para uma coisa que fizesse sentido — e eu, na altura, nem sabia se ia dar certo ou não. Arrisquei, e por acaso deu certo. Por acaso… acredito que as coisas não são por acaso, mas deu certo.

Achas que foi um caso de poderes ser alguém e fazeres certas coisas que a tua maneira de ser não te permitia, sem te expores e estares numa zona desconfortável ao fazê-lo?

Não, não. Acho que foi só uma maneira de canalizar a minha energia das coisas más que eu fiz, de todos os problemas que tive na minha vida; de libertar tudo. O Sippinpurpp foi uma maneira de dizer “que se foda tudo” e de mostrar às pessoas que eu consigo fazer as coisas à minha maneira. Se calhar, podes não ter a mesma visão que eu, mas eu tenho a visão. E a minha visão está certa. Eu acho que o Sippinpurpp não foi uma maneira de eu viver uma vida que não estava a viver, foi uma maneira de eu expressar aquilo que não estava a conseguir expressar sendo o André.

Isso leva-nos de volta à questão inicial: se sentias tanta necessidade de te expressares de outras formas, porque é que o primeiro impulso não foi o de te desvendares na música?

Porque acho que isso não ia ter impacto nenhum na cultura. Quem é que quer saber como é que um gajo qualquer de Ovar se sente. Ninguém quer saber como é que tu te sentes. Se eu chegasse ao hip hop português com mais uma música sobre sentimentos e “‘tou deprimido, ‘tou ansioso, a minha namorada isto ou aquilo”, era só mais um a fazer isso.

Já pensavas, desde o início, em formas de “isto” dar certo?

Sim, existem milhares de blueprints, cada um tem o seu e acha que as coisas devem ser feitas de uma certa maneira. Eu fui juntando várias peças, fiz o meu blueprint e achei que ia dar certo. E acreditei, que acho que é o mais importante de tudo: acreditarmos em nós mesmos, mesmo quando os outros não acreditam, quando toda a gente dá hate. Se houver espaço para ti no mercado, e se conseguires preenchê-lo, acho que não há muito mais a fazer. 



E, goste-se ou não, tem dado certo.

Exactamente. Porque, no final do dia, não estou a fazer música para um grupo de pessoas em específico. Eu estou a fazer música para toda a gente, desde o mais inteligente ao mais burro. E quem for assim tão erudito, tão inteligente, acho que vai perceber a minha música. Quem não percebe é porque, se calhar, não está assim tão iluminado quanto pensa. É simples.

Voltando ao single, já o tinhas desvendado, em parte, numa transmissão ao vivo que fizeste na tua conta de Instagram, que depois ganhou uma dimensão de leak como vemos acontecer nos EUA, no YouTube. 

Não quero estar a mentir, mas acho que aqui em Portugal nunca houve assim um snippet com tantas visualizações. Surpreendeu-me até a mim. Nunca pensei que fosse ter este impacto. 

Isso também influenciou o timing deste lançamento?

Não, nem por isso. O meu objectivo até era ter lançado mais cedo. O que me influenciou o timing de lançamento foi mesmo esta situação do COVID, dos concertos, de [estar] tudo fechado. Eu podia ter gravado o videoclipe mais cedo e ter lançado mais cedo, mas acho que também não fazia sentido. 

Porquê “fato treino do City” e não de outro clube qualquer? 

Quando estávamos no estúdio, eu estava com o fato de treino do [Manchester] City. Era um fato de treino que eu costumava usar, aqui na minha zona o pessoal também, um ou outro tropa tinha a camisola. Na altura, no estúdio, estávamos a criar e saiu “fato treino do City com os boys a girar na cidade”.

Pensaste logo no trocadilho com a segunda parte da frase, “com os boys a girar na cidade”?

Sim, isso foi uma das razões para ser o City e não o Chelsea [risos]. 

Esse refrão é claramente a força motora deste som. Calculo que tenhas começado o tema por aí, ou foi o beat do benji price que te fez pensar em melodias para encaixar?

Sim, o benji mostrou o beat e criámos ali, foi o que saiu na hora. Depois, os versos também foram saindo, fui fazendo alguns ajustes neste espaço de tempo, desde que mostrei o snippet até agora. Mas foi uma cena construída em cima do beat

O vídeo é menos conceptual do que o habitual e mais ligado à estética do drill. O objectivo foi assumir um formato mais simples para pintar uma mancha azul alusiva ao tema? A cor acaba por ser o elemento mais forte, como aconteceu, por exemplo, no vídeo mais recente do Plutonio com o roxo.

Sim, a minha ideia era essa, já desde o início que tinha um videoclip idealizado na minha cabeça. Estive à procura da pessoa ideal para realizá-lo e achei que o Nomad era a melhor opção, porque era mesmo isso que eu tinha na minha cabeça: um street video, uma coisa gravada nos sítios, crua, e que não fosse nada staged nem que a produção fosse de cinco mil euros ou assim. Uma cena raw. E também, agora, como estou a trabalhar sozinho, a minha equipa sou eu e achei que fazia sentido começar assim, e aos poucos ir aumentando o nível da minha produção — não só da produção, mas dos vídeos em si. No final do dia, fui eu que produzi esse vídeo.

Como têm sido estes tempos no pós-Think Music?

Têm sido relativamente normais porque eu continuo a trabalhar com o produtor que trabalhava, que é o benji. E, neste momento, eu olho para trás e vejo uma era, vejo um marco na história do hip hop português e vejo que está lá a nossa bandeira. Sinto-me feliz e agradecido pelo nosso passado, mas agora estou a olhar para o futuro.

Falando do futuro, em que fase criativa te encontras? Tens coisas prontas para sair, estás a voltar ao estúdio para trabalhar em música? No fundo, o que é que podemos esperar desta “comeback season”?

Eu, agora, tenho uns quantos singles para lançar. E quando acabar de lançar esses singles, vou pensar no que vou fazer, porque não sei se quero fazer um EP, se quero fazer um álbum, se quero continuar a “dropar” singles. Mas podem contar com três ou quatro singles, que já tenho gravados desde 2021. E, neste momento, também estou à procura de casa em Lisboa, para ir viver. Espero que, quando esses singles tiverem saído, já esteja de volta ao estúdio. 


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