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Fotografia: josé r. santos (foto de capa) e Inês Rechau (restantes)
Publicado a: 21/03/2022

Chá, plantas e música.

Silly no Musicbox: visões-concretizações a mil

Fotografia: josé r. santos (foto de capa) e Inês Rechau (restantes)
Publicado a: 21/03/2022

“Tanta gente, acordem-me do sonho!”. Foi assim que, poucos minutos depois de ter subido ao palco do Musicbox, Maria Bentes – que melhor conhecemos por Silly – abordou o público presente na sala lisboeta, sempre tão acolhedora para artistas emergentes. Felizmente para Maria, a sua visão de cima do palco não enganava: o espaço estava bem composto nas suas primeiras filas, muito caloroso, para acompanhar a pequena fantasia (muito real) que se viveu na passada noite de sábado (20 de Março).

Acompanhada por Diogo Alexandre na bateria, Eduardo Cardinho nas teclas, e de alguns verdes em cima de palco (são importantes para a ambiência!), os cerca de 45 minutos de concerto da artista natural dos Açores foram essencialmente dedicados a apresentar o seu EP de estreia, Viver Sensivelmente, lançado em Novembro de 2021 e elegido pelo Rimas e Batidas como um dos melhores lançamentos do ano passado na música nacional. Foi precisamente com a “Introdução” desse curta-duração, após um ligeiro momento de improviso entre os dois membros da sua banda, que Silly abriu o concerto, questionando o público com a frase que marca o pontapé de saída de Viver Sensivelmente: “Então, querem um bocado de chá?”. 

Talvez houvesse algumas pessoas no público que aceitassem de bom grado essa oferta naquele momento, mas o conforto de “Assobio” que se seguiu também não foi nada um mau negócio para quem se deslocou até ali. Apesar desse tema ganhar, a nível de instrumentação, uma vida onírica extra ao vivo por ser tocada em formato banda, a interpretação dessa canção revelou o problema que viria a afectar ligeiramente o desenrolar do concerto, com a voz de Maria a ser algumas vezes abafada pela presença da bateria em palco.

Contudo, essa barreira não pareceu quebrar o ritmo do concerto nem o carinho do público. “OSN”, apresentada por Silly como a sua “faixa favorita” do EP, soou tão sonhadora em cima do palco como se podia esperar, abrindo espaço para se desfrutar de “além”, apresentada numa versão pensada para ser tocada ao vivo, explorando mais a vertente jazz da artista e dos músicos que a acompanhavam em palco (até houve espaço para um mini-momento de improvisação entre Diogo e Eduardo). No entanto, se “além” soou bem, a primeira performance de “Vida a Mil” da noite acabou por soar morna, com os problemas de mixing a fazerem-se sentir nos versos sussurrados da faixa, tornando algo complicado para o público discernir a voz de Maria, perdendo-se a oportunidade escutar alguns dos momentos vocais mais bem conseguidos de Viver Sensivelmente. Em “intencionalmente”, o problema acabou por desvanecer, e com o elevar da confiança da artista com a recepção à faixa descrita por si como “para hip hop lovers” – esperemos que quem não fosse se tenha ali convertido – a qualidade do ar musical do Musicbox melhorou efectivamente para os restantes minutos de concerto.

Ainda antes de dar-se por terminado o espectáculo, e por entre vários agradecimentos lançados ao público pela “magia da música” e pelo momento de confraternização em torno de si, a artista deu aos presentes o privilégio de ouvirem dois novos temas que, em boa verdade, nem precisaram de obedecer à velha máxima do “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. A primeira das “novas”, precedida pela revelação de ter sido inspirada por “tentar-se encontrar na natureza” (um tema que já havia surgido nas paisagens esverdeadas de Viver Sensivelmente), mostrou uma Silly confortável nas suas capacidades vocais, capaz de explorar novas nuances do seu alcance vocal. A segunda das “novas” apresentava o lado mais cantautoral da artista, algo que dá para observar bem na sua escrita para as canções que lançou até ao momento, mas aqui também evidenciada pela sonoridade escolhida. Pelo meio, ficou assinalado um dos momentos mais surpreendentes da noite: uma cover de “São Paulo”, faixa de Yuri NR5, a soar tão bossa nova que de certeza conseguiu levar algum do público a achar que seria um original de um dos grandes do estilo – se ignorássemos a letra, claro. Mesmo com isso em conta, o objectivo de Silly em “levar-nos a São Paulo” foi atingido, naquele que foi um dos momentos mais belos da actuação.

E por falar em bossa nova, foi com o tema mais influenciado pelo estilo, “Sem Tudo”, que se fechou em beleza o tempo regulamentar do concerto — mesmo sem a presença dos Deekapz em palco, a faixa revelou-se tão espectral e gentil como na nossa imaginação.

Ainda antes de se fechar de vez, existiu tempo para um curto prolongamento com uma versão mais confiante de “Viver a Mil” (talvez a compensar pela primeira tentativa morna?), terminada com direito a coros do público, num fecho em harmonia que de facto parecia um pequeno sonho a acontecer. Não era: estávamos todos acordados para testemunhar esta quimera, escrita na forma de mais um pequeno capítulo a ser inserido na ainda curta história de Silly enquanto artista.

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