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Fotografia: joaoduarte.dd.
Publicado a: 23/09/2022

Em equipa que ganha também se mexe.

Rodrigo Brandão & Sun Ra Arkestra no Jazz ao Centro’22: espaço é o lugar

Fotografia: joaoduarte.dd.
Publicado a: 23/09/2022

Tanto Duke Ellington como Count Basie já partiram há muito, mas as suas orquestras continuam vivas porque as ideias – e a música – que as sustentam são perenes. O mesmo acontece com a Arkestra de Sun Ra, entidade que sobreviveu ao mais musical de todos os exploradores do cosmos e que ao longo dos anos foi tendo múltiplas manifestações em diferentes latitudes, sempre com a praxis de Ra como bússola orientadora.

Em Outros Espaço, Rodrigo Brandão reuniu múltiplos talentos do Brasil (como Tulipa Ruiz ou Thiago França) e gente da Arkestra de Ra como o notável Marshall Allen e ainda Knoel Scott e Elson Nascimento para uma celebração do espírito livre do mestre que sabia que o espaço era o lugar, esse outro espaço que se abriga nas mentes mais libertárias, capazes de criarem instantaneamente o som das utopias. Ontem, no Salão Brazil, em Coimbra, no arranque de mais uma edição do já veterano Jazz Ao Centro, Brandão voltou a conjurar os espíritos apresentando, no entanto, uma configuração bem diferente daquela que pudemos presenciar no passado domingo, no ComPasso de Música, em Leiria. Ao lado do declamador encontravam-se uma vez mais o percussionista Elson Nascimento e o saxofonista Knoel Scott, mas também o trompista Vincent Chancey (tripulante frequente da Arkestra desde 1976) que viajou dos Estados Unidos em substituição de Marshall Allen, impedido de estar presente por razões de saúde; e depois encontravam-se também os seus afiliados portugueses – o saxofonista Rodrigo Amado, o contrabaixista Hernâni Faustino, o baterista João Valinho e a maquinista Carla Santana. A nave pode ter sido a mesma que também passou por Leiria, mas a distinta tripulação levou-nos a todos numa significativamente diferente viagem.

Ontem, o Salão Brazil com lotação totalmente preenchida vibrou na mesma frequência atonal que se soltava do palco e público e músicos juntaram-se numa comunal erupção de energia. Rodrigo Brandão estava, literalmente, on fire e voltou a soltar “sermões” de feérica intensidade, com espessura política, mas também profundidade espiritual, levando as gargantas da plateia a exclamações de sintonia, como se fosse uma congregação a responder às intimações de um qualquer pregador. Só que não é uma questão de fé ou de crença numa qualquer divindade, antes uma prova de humanidade, com o momento a ser mesmo esse outro espaço onde é possível mentes muito diferentes encontrarem-se e falarem uma língua que dispensa palavras.

Chancey foi aditivo bem-vindo ao carburante do veículo espacial colectivo: a sua trompa soou tão nobre e efusiva como os saxofones de Scott (barítono e alto) que tiveram ainda o eco abissal do tenor de Amado, em noite particularmente intensa. O surdo de Nascimento acrescentou peso tectónico à imparável bateria de Valinho, que disparou em todas as direcções com eloquência sólida, com a sempre segura classe de Faustino a funcionar como o espesso óleo que faz funcionar o motor. Já Santana foi a vela que faz a faísca que provoca a explosão: a sua electrónica foi névoa cósmica que pontualmente rasgava com luz a densidade soturna do som colectivo. Foi potente, este concerto (e hoje a sessão é na Culturgest, em Lisboa). Arranque de luxo para um festival que amanhã terá Alabaster dePlume em foco.


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