pub

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 21/04/2022

O nível adequado de agitação.

Rodrigo Amarante no Capitólio: uma forma poética de namorar o universo

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 21/04/2022

Rodrigo Amarante queria ter construído um álbum ao vivo e de forma partilhada. Juntando gente, ensaiando, experimentado em palco e gravando em estúdio com todos os músicos a tocar em conjunto. Esse seria o método que iria seguir para construir o sucessor de Cavalo, o emocionante disco que lançou em 2014. Só que a meio do processo, e como agora se diz, “meteu-se a pandemia”, e os seus planos tiveram que mudar. Com palcos encerrados e estúdios interditos, o músico fez do seu quarto o laboratório criativo que deu origem a Drama (2021), um álbum luminoso, dramático, poético e político a que nos rendemos à primeira escuta. 

Com o alívio das restrições da pandemia, e perante o tão ansiado regresso da música ao vivo, Amarante podia finalmente vingar-se, organizando uma digressão onde se faria acompanhar por uma banda completa e repleta de músicos capazes de dar corpo e vida às maravilhosas orquestrações deste seu novo álbum. Só que o mundo voltou a pregar-lhe uma nova partida e foi sozinho, apenas com a sua guitarra, que subiu ao palco do Capitólio, em Lisboa, na noite de terça-feira, 19 de abril. 

Houve quem chegasse cedo, para se posicionar na frente do palco. Mas a maioria do público entrou apenas quando Naima Bock já fazia a primeira parte da noite. Tarefa sempre árdua, mas neste caso cumprida, já que a cantora londrina, que também conhecemos de Goat Girl, conquistava o silêncio e a atenção do público com o seu timbre rouco e seguro, apresentando temas da sua nova faceta, definitivamente mais próxima da folk e do jazz. Entre músicas observam-se muitos sorrisos e abraços de gente amiga que não se via junta num concerto há muito tempo. 

Já com a plateia completa, as luzes baixam e Rodrigo Amarante entra em cena sorridente. Houve de tudo entre o público: primeiro muitas palmas de quem há muito esperava este encontro; depois o silêncio instantâneo e inquebrável mal o músico se abeirou da guitarra; e finalmente muitos risos, quando faz um compasso de espera, suspira e diz: “Vocês vieram mesmo!”. Faz-se de novo silêncio logo que ecoam na sala os primeiros acordes de “Evaporar”, um manifesto para que conquistemos aquele tempo e aquele espaço. 

Seguem-se duas pérolas de Drama: primeiro “Tara” e depois “Tango”, antecedidas de mais uma gargalha geral, quando o músico pede desculpa no arranque do primeiro tema “porque deixou o seu emprego prai há três anos”. Ninguém diria. Amarante toca e canta com a destreza e a sensibilidade de quem nunca deixou os palcos.  É como se o músico nunca tivesse parado e tivesse andado sempre por aí, aperfeiçoando a mestria, e encantando quem lhe escuta as palavras. Palavras poéticas, sempre, mas repletas de compromisso. Não é por acaso, aliás, que tenha elogiado um boné do MST que uma pessoa do público usava, antes de avançar para “I Can’t Wait”, tema em que escutamos alguns dos versos que melhor ilustram o significado que atribui à palavra liberdade: “I don’t believe in fate; I respect the fire in dreams that wake; Our hearts beat as one; That old dream of ours; To be free is to belong”. 

Liberdade é pertencer. É estar junto e não apartado. Como aconteceu logo de seguida, quando todo o público juntou as vozes para cantar em uníssono os versos de “Cometa”. Era visível a felicidade do músico em palco, perante a concretude daquele público. Por isso aproveita para agradecer a todas as pessoas ali presente e que “em algum momento das suas vidas pararam o seu ritmo para tomar a decisão de vir dar uma chance ao Rodrigo”. Toda a gente ri e suspeito de que ninguém se tenha arrependido da decisão. Sobretudo depois do que se ouviu a seguir: “Tuyo”, composição maravilhosa que irá sobreviver muito para lá da série de que foi tema genérico; “Um Milhão”, tema que vem do lugar profundo onde habita o sentido da justiça; “Maré”, que nos enfeitiça entre a razão e a fé; e, claro, “Irene” e “Tardei”, peças delicadas e cantadas em coro por todas as pessoas, muitas e muitos de olhos fechados, braços no ar para agarrar a poesia e alguma esperança. 

Rodrigo Amarante sai de cena. As palmas, os abraços e os sorrisos diziam tudo. E não foi preciso esperar muito para o primeiro encore com “O Vento”, dos seus Los Hermanos; e depois um segundo, com “Pode ser”, da Orquestra Imperial. Agora sim, parecia mesmo a despedida. Só que o público não recuava e chamava mais uma vez pelo músico, já com as luzes a iluminar a sala. Amarante não resiste e regressa ao palco: “Mas o que é que eu vos vou tocar mais? Já acabou o repertório…”. Eis, então, o maravilhoso final da celebração. O músico olha o público e diz que só canta mais uma se for acompanhado de Moreno Veloso, que rapidamente atravessa o público, sobe ao palco pela frente e abraça Rodrigo. Celebram juntos a “Deusa do Amor”. E que belos namorados foram aqueles dois. Tudo fica muito mais bonito quando estamos por perto. E com noites assim, fica menos difícil acreditar no futuro. 

pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos