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Publicado a: 14/12/2015

Rocky Marsiano: “Precisei de ganhar coragem para editar um disco instrumental”

Publicado a: 14/12/2015

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Direitos Reservados

 

Em 2005, a Loop:Recordings – criação do autor destas linhas e de D-Mars, MC e produtor dos Micro que nesse mesmo ano criou a identidade Rocky Marsiano, pele que veste até aos dias de hoje – levava já quatro anos de vida, tendo nascido ainda durante 2001 com a edição de Demo Style, ep dos Micro que já incluía versões instrumentais dos sete temas aí alinhados. A paixão pelo lado instrumental do hip hop fez sempre parte do ADN dessa editora que ao longo de profícua meia dúzia de anos editaria discos sem palavras de Sam The Kid, Bulllet, Fuse, Nel’Assassin ou DJ Ride. E ainda, claro, de Rocky Marsiano.

Fechado num estúdio numa cave de Linda-a-Velha, D-Mars passava horas curvado sobre a sua MPC 2000, imerso num profundo universo pessoal, sempre a marcar o tempo com a sua cabeça. E depois, mais horas infindas a esculpir o resultado final numa velha mesa analógica da Yamaha que no início dos anos 80 tinha pertencido a José Cid (true story!). Canalizando o melhor do legado boom bap que sempre abraçou com todo o entusiasmo do seu ser, Rocky “D” Marsiano elevou no entanto a fasquia dos outros discos de beats que a Loop, teimosa e solitariamente, foi editando nesse período: ao estúdio chamou igualmente músicos. O saxofonista Rodrigo Amado, que uma década mais tarde é referência mundial no seu instrumento, músico aplaudido internacionalmente; e o guitarrista T-One, britânico a viver em Portugal que foi pioneiro na cena funk local com os seus Mr. Lizard que revelaram o talento de Silk, hoje frontman dos Cais Sodré Funk Connection. Esse acabaria por ser o embrião com que Rocky Marsiano deu mais um passo inédito: transformou um disco de instrumentais hip hop num projecto de palco que, seguindo as normas do jazz real, foi sempre fluído em termos de instrumentistas (além de T-One e Rodrigo Amado por ele passaram outros belíssimos músicos como André Fernandes ou DJs como Ride, Nel’Asssassin e X-Acto).

Há uma outra dimensão importante e pioneira na estreia de Rocky Marsiano nos discos: o som. Com os ouvidos educados pela Era Dourada do hip hop e pela personalidade sónica do sampling em discos de Gang Starr, A Tribe Called Quest, De La Soul, EPMD, Eric B & Rakim ou Wu-Tang Clan, D-Mars revelava aí uma capacidade incomum de resguardar a alma do vinil que samplava, numa era pré-YouTube em que tudo passou a estar acessível, mas tudo passou também a estar também banhado numa artificial dimensão digital que envolve todas as produções contemporâneas num mesmo brilho. A esta distância, é possível falar também de uma identidade sonora nos discos da Loop de que The Pyramid Sessions será um dos expoentes.

Dez anos depois da edição desse trabalho inaugural de um percurso rico que se estende já a quatro outros álbuns, Marko “Rocky Marsiano” Roca dialoga via email com o amigo de sempre que assina estas linhas. Não é uma entrevista, é uma conversa à distância que nasce de uma cumplicidade assumida e cultivada aos longo de quase duas décadas. As sessões da pirâmide estão de novo ao alcance de todos. E ainda por cima com o artwork reinventado em tela pelos pincéis de Filipe Cravo. 

 


 

Já passaram dez anos sobre The Pyramid Sessions. Voltaste ao disco para preparar a reedição: como é que achas que aguentou o passar do tempo?

Acho que o disco com o passar dos anos está a aguentar-se cada vez melhor. Continua a ser original em vários aspectos apesar da quantidade e qualidade enorme de discos semelhantes que foram entretanto editados.

Hoje já não é assim tão incomum haver edições de hip hop instrumental e o sucesso de um projecto como Orelha Negra até abriu os olhos a muitos produtores, mas não foi sempre assim, certo?

Não. Eu próprio demorei praticamente um ano inteiro para ganhar aquela “coragem” final para editar um disco instrumental.

A Loop, que ambos criámos em 2001, foi pioneira na área dos projectos instrumentais de hip hop com os discos de Bulllet, Fuse, Sam The Kid. Estamos aqui – eu a questionar-te e tu a dares respostas – a falar em causa própria, mas achas que esse pioneirismo teve impacto no panorama mais geral do hip hop português?

Os discos que editámos do Sam e do Armando (Bulllet) foram importantíssimos não só no panorama do hip hop como no da música portuguesa em geral. O álbum de beats do Sam é sem dúvida um clássico intemporal e um dos discos mais importantes dessa década no nosso país. Voltando à pergunta anterior em que me referia à “coragem” final: foi o sucesso desses dois lançamentos que foi determinante para que eu quisesse avançar com um álbum de beats e criar o nome de Rocky Marsiano para o efeito.


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“O sucesso desses dois lançamentos [Beats Vol. 1 e Bulllet] que foi determinante para que eu quisesse avançar com um álbum de beats e criar o nome de Rocky Marsiano para o efeito.”
– Rocky Marsiano


Ok, e voltando a Rocky Marsiano: tu tinhas – e suponho que ainda tenhas – a dupla condição de seres produtor e MC. Mas a criação do projecto Rocky Marsiano quase representou o teu adeus aos microfones. Que se passa com esse lado da tua personalidade artística? O D-Mars deu definitivamente lugar ao Rocky Marsiano ou está apenas em repouso prolongado?

Sempre me vi a rimar ao lado de alguém como o Sagaz mais que a solo. Embora tenha editado discos bons a solo, era com os Micro que eu me sentia melhor. Há uns anos editei um disco como MC chamado 20 Anos, a celebrar esse importante marco pessoal. Gosto muito desse álbum. A vontade de rimar nunca parou o que mudou foi que a fazer beats e bases instrumentais agora dedico o tempo quase todo ao Marsiano – já não produzo beats para cuspir rimas. Aproveito para lançar um repto a algum produtor que queira produzir um disco de rimas para mim. Algo conceptual. Bora!

Desafio lançado! Ainda o The Pyramid Sessions: que recordas das sessões de criação no estúdio que tinhas montado no Edifício Pirâmide de Linda-a-Velha?

O disco foi criado, gravado e misturado em pouco mais de duas semanas. Isso é algo que para mim está muito presente nos temas do disco porque foi tudo feito com um determinado estado mental-criativo momentâneo. Eu não ia conseguir recriar os mesmos beats a partir daqueles samples de discos de jazz. Os beats foram feitos em casa em sessões-maratona. Depois dei salto para o estúdio para gravar as vozes, instrumentos e os cuts do Nel. Foi quase tudo ao primeiro take para preservar o tal espírito momentâneo que caracteriza muito as gravações de jazz.

Para lá de muitos samples, esse disco teve a particularidade de já contar com instrumentistas também. Já imaginavas a dimensão live que o projecto iria ganhar?

Não. Mesmo nada. Passados alguns meses é que surgiu o convite para a estreia no Mercado. Ai foi juntar o Nel, T One e o Rodrigo Amado e siga. Felizmente correu bem.

Além de repores um disco que há muito se encontrava esgotado no mercado, há mais alguma novidade nesta reedição? Mexeste no som, acrescentaste alguma coisa?

A grande novidade desta reedição está na parte gráfica. Colaborar com o Filipe Cravo, cuja arte admiro muito, foi o passo que me pareceu mais interessante. O som está igual ao original.

 


 


O Rocky Marsiano é uma espécie de viajante, não é? Já foi a Nova Orleães à descoberta do jazz, já passou pelo Brasil, ultimamente tem-se passeado por África. Quais são os próximos destinos?

Lisboa. Lisboa e o que ela tem para oferecer, o que ela agora para mim significa – é O destino futuro. De um futuro bem próximo.

O personagem Rocky Marsiano criou entretanto o cenário Meu Kamba e o lado live desse projecto passou recentemente pelo Vodafone Mexefest. Como correu esse concerto que, infelizmente, não tive a oportunidade de ver?

Correu bem. conseguimos meter muita gente a sorrir e dançar. Sinto que a missão foi cumprida. Temos ainda muito para crescer mas essa oportunidade foi fantástica e nós não ficámos aquém das expectativas.

Desde os tempos do Repto, passando pela Rádio Marginal, até ao presente em que manténs um programa na Oxigénio que a rádio tem sido um universo em que te tens mantido activo. Nestes dias de realidade digital, continua a ser importante esta comunicação através da rádio?

Sim. Muito importante. Continua a ser o meio de comunicação que para divulgar certo tipo de música ou para contar certas estórias é o mais imediato e que deixa o maior impacto.


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“Próximos destinos? Lisboa. Lisboa e o que ela tem para oferecer, o que ela agora para mim significa – é O destino futuro. De um futuro bem próximo.”
– Rocky Marsiano


A rádio também te forneceu um posto de observação para acompanhares estas duas décadas de evolução do hip hop português. Que tens a dizer sobre o presente, ainda para mais com a perspectiva singular que a distância geográfica te oferece?

Por um lado entristece-me constatar que o marco dos 20 anos passou muito ao lado do mainstream e que não se festejou com a pompa que esse tipo de circunstância merecia. Mas isso foi também o espelho do que se passou com o hip hop em Portugal – da “minha” geração, do Rapública, foram pouquíssimos os intervenientes que depois deram seguimento a algo significativo. Isso aconteceu em muitos outros países – existe um clara linha geracional em que a tocha foi passada. De certa forma aconteceu só no Porto e arredores (Mind Da GapDealema – Deau…). Os que se seguiram, como o Sam, Dealema, NBC, Valete, etc., felizmente e com força própria, deixaram um enorme marco – e continuam a fazê-lo. No que diz respeito a novos talentos, confesso que ando muito desligado.

Para terminar: tens um Top 5 de discos de 2015 para nos dar?

Meu TOP 5 de 2015, sem ordem específica: Oddisee: The Good FightOwiny Sigoma Band: NyanzaContours: TechnicianRoots Manuva: BleedsM.E.D., Blu, Madlib: Bad Neighbor.

E podes deixar-nos cinco referências que te tenham moldado como artista?

Gangstarr (tanto o Preemo como o Guru); os vinis brasileiros e de jazz da minha mãe; MPC 2000; as conversas com o Rui Miguel Abreu; o meu mano Sagaz.

 

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