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Texto: ReB Team
Fotografia: Mariana Pires & João Carlos Rodrigues
Publicado a: 20/12/2018

Rocky Marsiano à conversa com Dino D’Santiago: de Lisboa a Cabo Verde passando por Amesterdão

Texto: ReB Team
Fotografia: Mariana Pires & João Carlos Rodrigues
Publicado a: 20/12/2018

Produtor e cantor frente-a-frente, como quem diz, para conversar sobre um disco que marca a agenda nacional/lusófona de 2018. Rocky Marsiano, que tem explorado os locais mais exóticos através dos seus projectos e da sua rubrica Da Raiz ao Ritmo, e Dino D’Santiago, cantor de Quarteira que consegue actuar na mais solene casa de fados e, ao mesmo tempo, expandir mentes num festival de ciência rítmica avançada como, por exemplo, o ID, trocaram algumas ideias sobre Mundu Nôbu, o álbum mais ambicioso da sua carreira.

Sem mais introduções, a palavra aos artistas.



[Rocky Marsiano] Olá, mano. Estás nessa? Isto não é para ser encarado como uma entrevista mas antes uma conversa.

[Dino D’Santiago] Vamos a isso.

[RM] A primeira coisa sobre a qual queria falar e tendo em conta a maneira (que achei brilhante) como os singles foram pingando e criando expectativa em torno do álbum: quanto tempo demorou para este disco sair desde aquele momento em que tu já tinhas uma ideia mais concreta do que querias fazer? Andaste algum tempo à procura do “teu som” para este disco? Como é que aconteceu esse processo?

[DS] Mano, essa pergunta é bem forte porque eu estive a ver e apercebi-me que o tempo foi uma coisa ridícula porque as músicas em si foram concebidas e gravadas em poucos meses mas depois demorámos dois anos e meio para chegar ao som final. Portanto, praticamente três anos. Só para teres uma ideia: a versão final do primeiro single foi a versão número 27 (!). Aquilo inicialmente estava carregado de instrumentos e sons e depois fomos até ao ponto em que a voz era o que mais sobressaía e o beat marcava o ritmo.

Devo dizer-te que houve alturas em que me senti bastante ansioso porque os temas estavam a ser produzidos à distância em estúdios em Berlim ou Nova Iorque pelo Kalaf e o Seiji. Eles tinham mais a noção “big picture”, mais final do que queriam em termos de som enquanto eu fui ouvindo as coisas aos poucos. As versões gravadas dos temas eram todas acústicas e depois as pistas seguiram todas para o Seiji e Kalaf…

[RM] Mesmo? Wow…

[DS] Eu fui a Cabo Verde e gravei os temas com um duo, tudo acústico — até para ficar gravado com o feeling “original” que eu sentia na altura. Depois o trabalho do Seiji e do Kalaf foi tentar não comprometer esse feeling mas tornando os temas originais e fortes. Nem as vozes foram regravadas.

[RM] Wow… Isso ficou do caraças.

[DS] O Seiji, sendo formado em música clássica, conseguiu ir atrás das notas e acordes sem chocar com os arranjos originais.

[RM] Portanto o disco foi todo produzido pelo Seiji + Kalaf?

[DS] Sim. Só já no fim entraram o Branko e o Pedro com o “Nova Lisboa” que foi um tema que entrou no álbum por acaso (o Carlão insistiu comigo para que mostrasse o disco ao Branko antes de o fechar), mas posteriormente ainda acabou por redefinir a sonoridade final do resto do disco (depois de o Seiji o ouvir, “despiu” ainda mais o resto das canções).

[RM] E como é que os músicos que tocaram os temas contigo e outros músicos mais “tradicionais” cabo-verdianos têm recebido este som mais “contemporâneo” do disco?

[DS] Acreditas que isso tem sido a minha maior surpresa (pela positiva)? Eu tinha algum receio em relação ao isso porque eu queria trazer mesmo o meu som, deixar de assumir-me como “a herança” e a minha namorada foi muito importante em dar-me confiança e apoio nesse aspecto.

Quando voltei a Cabo Verde já com a versão final do disco a reacção foi incrível, traduzível para algo como “até que enfim alguém está a trazer algo de novo para a música de Cabo Verde antes de nós morrermos”. Senti muito apoio da parte de artistas como o Zeca Di Nha Reinalda ou o Bitori e isso foi muito importante para mim. Sentir esse apoio, apesar dos meus receios iniciais. E depois também dos artistas hip hop nacionais, artistas mais “mainstream” cabo-verdianos como o Djodje: todos me deram um feedback muito positivo e gratificante.

[RM] O que eu pessoalmente tenho dito quando falo do teu disco com pessoas que até são de áreas bem diferentes é que é um dos discos mais importantes a sair nos últimos anos. Isso não apenas em termos estritamente musicais mas também pelo que, para mim, o disco representa: uma união perfeita, na altura perfeita, entre os sons e ritmos mais contemporâneos e originais de Lisboa e arredores com música tradicional de Cabo Verde. Tiveste uma musa ou algo parecido durante a concepção deste álbum?

[DS] Sim. A única participação neste disco é a minha avó. Desde o Eva (disco anterior) que as estórias dela têm sido uma enorme fonte de inspiração na minha escrita. A maneira de ser daquela mulher de 94 anos que ainda trabalha no campo, tem sempre a porta aberta para receber pessoas que precisem de uma mão e tudo sem stress. Faz-me pensar: se eu não traduzir essa força, maneira de viver e as lições que com ela aprendi em música, não estou aqui a fazer nada. É, sem dúvida, muitíssimo importante. As mensagens que cada música traz são, também elas, fortes. Podes dançar a vontade ao ritmo dos temas mas a letra também vai ficar. Alguns dos temas são o reflexo de experiências próprias e do meu pai. E depois, como o mentor-executivo, o Kalaf foi mesmo o mestre.

[RM] Como é que o envolvimento do Kalaf surge neste disco?

[DS] Lembras-te da remistura que tu fizeste do “Dentu Bó”? Nessa altura a Sara Tavares sugeriu-me: “Porquê não aprofundas mais o teu lado electrónico que também é algo com que te identificas?” E isso mexeu bastante comigo e fez-me pensar — e porquê não? Porquê ficar preso só ao som mais tradicional se eu sou um artista que vem do hip hop?” E aí a Sara sugeriu-me o Kalaf como a pessoa indicada para me guiar nesse sentido. E depois as coisas foram fluindo naturalmente e sempre também com um enorme apoio da minha namorada.

[RM] Demorou algum tempo para o disco sair depois de estar já finalizado?

[DS] Não — aí demorou apenas um mês. E devo-te dizer que estou muito feliz com o trabalho da label até agora. Até nisso a minha percepção inicial que tinha das majors mudou bastante.

[RM] O disco também é uma bela representação da riqueza rítmica que existe em Cabo Verde.

[DS] Sim — e o que me deixa muito contente e motivado para o futuro é que ainda falta explorar musicalmente os outros ritmos que não tiveram espaço neste disco.

[RM] Queres dizer algo aos leitores do Rimas e Batidas?

[DS] Para já agradecer o seu apoio – sinto que desde o início têm estado atentos. Continuem a acompanhar a viagem!


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