pub

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 01/05/2023

Um pequeno grande marco para o hip hop em Portugal.

Roc Marciano no Village Underground Lisboa: palavras para quê

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 01/05/2023

Se a tua vida é como um verso de Roc Marciano, tens história para contar. “The story you’re about to see isn’t true, but it isn’t false either”, já prefaciava o próprio através de Downtown 81 na introdução de Mt. Marci (2020). Como é que se faz crer a quem não lá esteve que este foi o melhor concerto de rap da nossa história de concertos de rap, quando nem a ver para crer parece real? A quem mais vais contar para lá dos que lá estiveram contigo? É que a vida, essa bem real, continua alheia a eventos históricos de micro-impacto.

Um domingo, ainda que aligeirado por um feriado de Dia do Trabalhador na manhã seguinte, continua a ser um domingo. Tanto se está a comer um kebab em Santo Amaro depois das dez como se está perante uma lenda viva do rap nova-iorquino depois das onze. Tanto que algumas das mais respeitadas figuras do hip hop nacional — algumas delas descendência directa do legado do autor de Marcberg — se tornam, naquela hora, anónimos parceiros na mesma causa, admiradores confessos no mesmo espaço, eternos adolescentes com um brilhozinho nos olhos incandescente. E é o convidado de honra quem nos chama, a todos, à terra a espaços: “Y’all still with me?”, vai confirmando, incessantemente, entre faixas aquele que, para quem ele se dirigia, era muito mais do que “o rapper norte-americano que samplou Carlos do Carmo”.

Ninguém queria acreditar no que se viria a passar até Rakeem Myer entrar e ficar ele incrédulo com a plateia que lhe reservava o Village Underground Lisboa. Há quem tenha vindo do Catujal, de Almada, de Faro, do Porto, da Galiza e sabe-se lá mais de onde para agradecer a Deus a existência do incomparável Roc Marci. E ele faz em si a Sua palavra — como nenhum outro mensageiro de rimas, note-se: se é rimas que os fãs querem, é rimas que os fãs têm, todas elas debitadas sem ponta de solavanco e muitas delas admiravelmente acompanhadas do princípio ao fim por uma considerável parte da pequena mas rendida legião mobilizada. Cabeça em movimento pendular, como quem diz, “Vocês não estão bem a ver o que se está a passar aqui”, à medida que imprime matéria de encher cadernos, sempre impávido e sereno, amistoso até nas breves pausas para respirar num alinhamento preenchido até às costuras (em que, já se sabe, faltou esta, aquela e aqueloutra…).

A cara feia vai para as batidas: se é bastante discutível quem reclama para si o título de fã número um de Roc Marciano, o mesmo não se poderá dizer do fã número um dos seus beats — ninguém sente seja que instrumental for da sua discografia (quer feito por si, quer feito para si) como o próprio, ainda assim impenetrável na sua missão desde que entrou até que saiu pela mesma porta com o mesmo passo lento. Veio, viu e rendeu(-se). 


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos