pub

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/03/2023

A partir de Lisboa e de regresso ao Altice Arena.

Richie Campbell: “Quando tens uma carreira longa, o pior que tu podes fazer é ficar previsível”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/03/2023

Cinco anos depois de procurar um novo som por Lisboa, Richie Campbell descobriu a frequência certa para fazer o que sempre fez. Heartbreak & Other Stories viu-se despido de pressões auto-impostas e, apesar do tom trágico, é-nos revelado como resultado de um processo alimentado, exclusivamente, pelo prazer inerente à criação. Recebidos no salão da Casa do Alentejo, em Lisboa, para ouvir em primeira mão o novo trabalho da voz da Bridgetown, trocámos, ainda, impressões com Ricardo da Costa momentos antes do arranque da listening party deste seu novo álbum que é hoje desvendado.



Os álbuns também servem como referências na carreira de um artista. Cinco anos depois do teu último projecto, que fase da tua carreira representa este disco?

Eu diria, neste momento, o que eu senti não durante os quatro anos, mas agora neste último ano do processo, [foi que] cheguei àquela altura em que estou a conseguir apreciar o processo de fazer música sem pressão. Acho que cheguei a uma altura em que posso só divertir-me com o processo. Porque eu sempre tive bué ansiedade associada ao processo de criar: as expectativas, o que é que vai funcionar e o que é que não vai… E sinto que cheguei a um ponto, por estar cá há algum tempo já, de algum conforto, de conseguir fazer música sem pensar em expectativas. E isso, para mim, é mesmo a fase perfeita para estar — estou só a divertir-me a fazer o que curto de fazer.

Mas chegas a esse ponto naturalmente, ou há alguma coisa que te tenha feito chegar lá?

Não! Bati bué crânio… Eu não demorei cinco anos à toa; eu demorei cinco anos porque é difícil tu fazeres um álbum depois de um álbum como o Lisboa, que correu muito bem e toda a gente gostou imenso. E depois de, na pandemia, ter deitado um álbum para o lixo — porque não estava confortável com esse ser o álbum a seguir ao Lisboa…

Portanto, nesse álbum que fizeste, nada foi aproveitado?

Quando a pandemia bateu, eu tinha um álbum e deitei tudo fora — fiquei com uma música, para aí…

Tinha nome e conceito?

Não, não tinha. Mas isto para dizer que, depois disso — e quando comecei a trabalhar com o Ariel e o Migz, que são quem produziu praticamente o álbum todo —, re-descobri um processo mais saudável, com menos pressão, e foi daí que saíram a maior parte das músicas. E nesse processo tu acabas por perceber: “Porra… quando um gajo tira a pressão, e quando não meto um deadline nas cenas, as coisas acontecem de outra forma”. Estou mesmo muito contente com este álbum, ainda bem que demorei os cinco anos — embora não seja ideal para mim demorar os cinco anos. Validou a minha opinião de que eu posso só aproveitar e fazer as cenas com menos pressão — e que a ansiedade não é, necessariamente, uma parte principal do processo.

Então, depois de deitares fora um primeiro álbum, quando é que este começou a ganhar forma? Foi antes ou depois do EP que fizeste na quarenta?

Em Dezembro deste ano que passou, eu achei que não tinha um álbum. Mas tinha a grande maioria destas músicas aqui. E depois desbloqueou e percebi que estava confiante com este álbum. Mas eu diria que no último ano e meio [fiz] a grande maioria destas músicas.

Em termos de abordagem, o que diferencia este Heartbreak & Other Stories, como um álbum, do Lisboa, enquanto mixtape?

Eu não queria pôr pressão no Lisboa, porque o Lisboa era um experiência. Eu vinha de um género musical completamente diferente, e estava a ver como é que as pessoas iam receber o meu álbum. E, lá está, eram músicas separadas, não tinha um contexto — nós demos um bocado o contexto depois. Este aqui, eu mesmo durante o processo, nos últimos quatro anos, já sabia o que queria fazer. Tinha, mais ou menos, o contexto e o tipo de música que queria, o que queria falar e o que seria o conceito do álbum. O desafio foi conseguir pôr em “papel” a minha visão. E isso aí é que só começou a acontecer mais — comecei a encaixar as peças — no final do ano.

Se já tinhas a ideia do álbum pensada há tanto tempo, e com tanta música feita até aí, porque é que só no fim é que as peças começaram a encaixar?

Pá, não sei… Eu não te consigo dizer que as músicas que eu deitei fora não eram boas o suficiente para estar neste álbum. Às vezes, é a minha própria cabeça; o meu próprio mindset. Se calhar, estava mais auto-crítico… Não te sei explicar. 

Do que consegui ouvir do álbum a vir para aqui, a minha primeira impressão foi que este é uma continuação — e, até, um amadurecimento — da sonoridade que encontraste no Lisboa.

Isso é o que eu acho deste álbum. Porque, como eu estava a dizer, o Lisboa é uma experiência e, ainda há bocado, numa outra entrevista, eu disse, “Eu acho que isto é o Lisboa bem feito”. Não estou a dizer que é melhor. Mas, na minha opinião, aprendi bué no Lisboa e nos últimos quatro anos, que pus em prática agora. 

Esse registo entre o r&b e o dancehall que encontraste — já mais longe do reggae, por onde começaste —, achas que é uma coisa do Richie de agora, ou sentes que encontraste o teu registo por excelência?

Por agora. Porque eu quero ter sempre a liberdade de crescer e experimentar uma cena nova. Acho que um artista tem essa obrigação. Uma pessoa evolui — tu evoluis e começas a gostar de cenas diferentes que não sabias que existiam. Quando tens uma carreira longa, o pior que tu podes fazer é ficar previsível. E eu prefiro desiludir algumas pessoas no caminho, como no caso do reggae — há pessoas que gostam mais dessas fase —, mas continuar com motivação para fazer música, porque me dou a liberdade de fazer o que me apetece.

Já dizias isso na última entrevista que deste ao ReB sobre o Lisboa.

Tu só tens a obrigação de… Eu tenho de gostar de fazer música. No dia em que eu começar a fazer música para manter os fãs que gostaram daquilo, para já não vou fazer tão bem, porque não estou a fazer pela razão certa; e, depois, as próprias pessoas acho que se vão cansar se eu lhes der mais do mesmo. É essa a minha teoria.

Neste álbum também já te distancias daquela associação mais óbvia ao Drake…

[Risos]

… mas até é uma boa comparação, com o que o Drake tem feito nos últimos tempos, que é reinventar-se e dar-nos o que nós não estamos à espera dele. 

Sim, eu acho que quanto mais tempo tens de carreira, mais tens de trabalhar para manter a atenção das pessoas.

O imaginário que me ficou deste álbum foi o de viajar à noite de carro, precisamente, por essa “Lisboa”.

[Risos] Toda a gente diz que a minha música dá sempre essa vibe

Mas parece que cada vez dá mais…

A sério?

… no sentido de que parece que este é muito mais “Lisboa” do que o próprio Lisboa.

Eu acho isso fixe; acho isso um elogio. Acho que tem muito a ver com a forma como eu consumia música quando era puto. Tu podes estar a conduzir no carro ou podes estar de fones no autocarro. Foi nesses momentos que a música me disse mais cenas, sabes? De fones, sozinho… E acho que a minha música é bué isso — a minha música é muito mais isso do que de club.



Neste álbum o piano sobressai bastante. Procuraste premeditadamente essa estética, ou deste por ti a compor por cima do piano?

Foi meio-meio. Eu gosto bué do piano e nunca tinha usado muito, e o Ariel e o Migz trouxeram, automaticamente, essa estética.

Na ressaca do Lisboa falavas do papel do Lhast nesse trabalho e nas pontas soltas que ficaram para um futuro álbum, mais desenvolvido, entre vocês os dois. Mas, pelo que percebi, o Lhast não teve um papel tão central neste.

Não. O Lhast tem um som no álbum — mas fez bué parte do processo. Por exemplo, no outro dia, quando acabei o álbum, fiz em minha casa um jantar para aí com umas dez pessoas — que eu escolhi de propósito porque queria a opinião delas —, e uma delas era o Lhast. E o Lhast também foi ouvindo o processo várias vezes. Calhou ele estar mais focado no álbum dele, que saiu, e eu comecei a trabalhar com o Ariel e o Migz. Mas o Lhast, mesmo que não tenha mãos no projecto, desde essa altura… nós já tínhamos uma relação porque nós conhecemo-nos há muitos anos. Mas criámos uma relação em que a opinião dele é bué importante para mim, e nós estamos sempre a cruzar opiniões. Desde o Lisboa até agora, a maior aprendizagem que eu tive foi abrir-me muito mais a partilhar o processo a outras pessoas que estão dentro da área. Ganhas imenso com isso. 

E com o tempo consegues agarrar-te menos à tua opinião e ser mais flexível?

Sim, quando tens pessoas com uma opinião na qual tu confias. Como sou muito perfeccionista, tenho bué dificuldade, às vezes, em ouvir outra pessoa. Mas eu aprendi com o Lhast a fazer uma cena a dois, pus isso em prática com o Ariel e o Migz, e nesse processo… Nesse dia tive em minha casa o Slow J, o Lhast, mais people que nem trabalha em música necessariamente — mas a opinião de toda a gente é importante se tu conseguires aceitar as opiniões das pessoas. Às vezes, uma pessoa exterior a quem tu mostras as cenas, vai-te evidenciar uma coisa que tu não querias que fosse evidenciada e que tens de mudar.

Não consegues não ver mais.

Ya, não consigo não ver. E isso é um exercício bué positivo.

Então, se calhar, o Lhast entrou mais naquele processo final a partir de Dezembro, de alinhar o disco.

Yaya! Nessa última fase o Lhast foi dos gajos que me deu um input importante.

Também te aventuraste novamente na produção neste álbum?

Só num — no último som. O último som fui eu que compus, mas a produção, mesmo, é do Migz e do Ariel.

Esse último tema, “4:14 (Lisbon to Miami)”, tem alguma coisa a ver com a viagem do Lisboa até à ambiência deste novo álbum?

Yaya… Eu escrevi aquele som num voo de Lisboa para Miami.

Até usaste um sample do piloto a falar.

Exactamente, que eu gravei mesmo lá [risos]. Miami tem uma cena curiosa, que junta bué géneros diferentes que eu faço. É um sítio onde o meu som encaixa bem.

Mais do que em Portugal, até.

Ya, exactamente.

Em relação às colaborações, além do Gson, são artistas com quem já tinhas alguma relação?

Não. Bella Shmurda é um artista nigeriano — para mim, neste momento, é o meu preferido de afrobeat. Acho-o bué interessante, e foi através do Kel-P, que produziu outra música, que é o “Star”. Ele produz para o Burna Boy, para o Wizkid, bué gajos do afro — e arranjou-me esse contacto, fez essa ponte. E o Jah Vinci — quem me fez a ponte para o Jah Vinci foi o produtor dele [Notnice], que é o produtor do “Blame It On Me“. Há bocado chamaram-me à atenção disso, tantos anos depois…

Já não te lembravas?

Não, eu lembrava-me, mas dou-me com o gajo desde aí, então não o associo só ao “Blame It On Me”. Mas é uma boa referência para quem não o conhece. 

E conseguiste gravar com eles em estúdio?

Não, não, não… Por causa de pandemias e isso tudo, tem sido tudo muito complicado.

Imagino que grande parte do álbum tenha sido feita durante a fase da pandemia. Mas conseguiste viajar e fazer música neste último ano, já a beber das influências lá de fora?

Sim, eu estive no Ghana a trabalhar com o Kel-P, e fui à Jamaica — como sempre. Eu não preciso, necessariamente, de viajar para beber das influências, porque eu já passo 24 horas sobre 24 horas a ouvir, a consumir. Mas acho bué importante. À Jamaica vou todos os anos, o máximo de tempo possível. Se o meu álbum não funcionar cá e funcionar na Jamaica, eu estou contente. É o único sentido de…

Realização?

Realização, para mim [é]: se a cultura de onde eu construí toda a minha base musical compreender o que eu estou a fazer, é isso que eu quero. E o Ghana foi uma experiência nova, para trabalhar com o Kel-P. Gostei bué de estar lá e de ouvir o que é que se está a fazer lá e a forma como se trabalha lá… Tudo isso te enriquece.

Estiveste lá quanto tempo?

No Ghana estive para aí oito dias.

Mas até estava a dizer influências no sentido de estímulos.

Ya, muda-te a cabeça. Quando estás cá, estás em piloto automático. Quando vais para outro sítio, não tens hipótese senão viver tudo no momento, porque é tudo novo. Tu atravessas a rua e não conheces a rua. Estás sempre presente. Eu acho que as pessoas gostam tanto de viajar por causa disso: viajar é uma meditação — porque meditação é aprenderes a estar no momento, e não perdido na tua cabeça. E, quando estás fora, estás fora do teu ambiente e a ser estimulado por tudo, então acabas por sair de dentro da tua cabeça. 

Para terminar, em relação ao teu concerto no Altice Arena, como é que estás a encarar essa segunda passagem por lá: o desafio é o mesmo? Os nervos são os mesmos?

Pá, não. Eu estava bem mais nervoso no primeiro concerto, e apercebi-me, depois de estar em cima do palco, que é o concerto mais fácil da tua vida, porque todas as pessoas que estão lá foram só par te ver a ti. 

Tens mais companhia na performance.

Ya, exactamente. Mais companhia… [risos] E eu estou a olhar para o Altice como um momento para eu relaxar e celebrar este trabalho todo que fiz. Para mim, aquilo vai ser a after party do álbum. 


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos