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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 29/04/2023

O encantador de multidões.

Richie Campbell na Altice Arena: uma vez não é fácil, duas muito menos

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Paulo Pena
Publicado a: 29/04/2023

Chegavam-nos as primeiras amostras imagéticas, de fonte próxima que já marcava presença nas imediações do Parque das Nações, por volta das cinco da tarde, quando as portas só abriam às seis e meia, o espectáculo propriamente dito só começava às oito, e Richie Campbell só subia a palco por volta das nove. Tudo para garantir lugar nas primeiras filas de uma Altice Arena em lotação esgotada no próprio dia 27 de Abril, data já há meses definida para a segunda passagem de Ricardo da Costa pela maior sala do circuito nacional.

Já perto dessa hora em que, pelo menos no papel, o protagonista da noite havia de aparecer, ainda as fileiras se estendiam Pavilhão Atlântico fora — já o britânico de raízes nigerianas SOGOOD (cara não-estranha ao público do Afro Nation em Portugal, tendo marcado presença nas edições de 2019 e 2022 — e que volta para a de 2023), mais um efusivo hypeman, dava conta de um aquecimento preliminar não tão agilizado (segundo a mesma fonte próxima) quanto se pedia. Nada que desmotivasse a multidão visivelmente eufórica a receber calorosamente o artista em evidência. São esses indícios que, verificados na estreia de Richie em nome próprio nesta arena, como nos previa em conversa dias antes da edição do seu novo álbum, apontam novamente para a perspectiva de este ser, nas palavras do próprio, o concerto mais fácil da sua carreira.

E esses indícios cedo se concretizam, logo à entrada do autor de Heartbreak & Other Stories — chamado à boca de cena por um coro gospel exclusivamente feminino —, que arranca estilo medley com uma mão cheia de hits. “Quem é que já nos viu mais que uma vez ao vivo?”, questiona a certa altura. Pelos braços no ar em tom de resposta, toda a gente. “Quem é que esteve no último Altice connosco?”, idem. Imagine-se o que é ter uma multidão que suplanta, seguramente, uma dezena de milhar de pessoas rendidas a um só homem que as conquistou “apenas” com canções. “Se vocês vissem a vista daqui…”, confessar-nos-ia o visado.

Ainda assim, como bem dizia um outro encantador de multidões (por outras razões…), “um homem só não vale lá grande coisa”. E, como bom anfitrião que é, Richie traz consigo não só uma composta banda oleada nos trincos, mas também grande parte da turma que o acompanha de há vários anos para cá: desde o nigeriano Kel-P (figura central do afrobeat e produtor adjacente a nomes como Wizkid ou Burna Boy) a Gson (para provocar um “Tsunami”), Slow J (para agitar novamente a “Water”) ou Mishlawi e Plutonio (para intensificar o dilúvio em “Rain”), sem esquecer os seus parceiros da Bridgetown — designadamente, Dengaz, Plutonio, Lord XIV e Yuri NR5 —, que, sob o símbolo gigante da editora (personalizado por Sepher AWK e revelado em “Chapter V”) elevado ao topo do pavilhão, se sentam no sofá ao lado do fundador para partilharem “São Paulo”, “Meu Deus” e “From The Heart” (?) à vez.

Mesmo para quem, certamente ao contrário da mancha de gente que cruza gerações de pais a filhos, não tem a música de Richie em constante rotação, não deixa de ser impressionante a vida que cada tema saído do alinhamento manifesta. Afinal de contas, só quem andou completamente alheio ao panorama nacional na última década não reconhece o fenómeno (além fronteiras, até) que Richie Campbell se tornou desde cedo. Essa realização vai-se aclarando à medida que, volta e meia, rodamos sobre eixo próprio num olhar panorâmico que, assoberbado, nos esclarece cada vez mais a mesma impressão: não só o cantor acumulou uma série de canções emblemáticas no seu reportório ao longo dos anos, como o seu público existe de facto, segue-o aguerridamente, toma essas canções como suas e não podia estar mais satisfeito por poder fazer parte do que aqui se testemunha. 

É nesse sentido que a experiência volta a mostrar a Richie que este é, sobretudo aos olhos de quem assiste deste lado, o concerto mais fácil da sua carreira. Essa é, porém, a única impressão ilusória. Porque, momentaneamente regressados à razão para, por breves instantes, parar de viver para pensar no que está a acontecer tanto à nossa frente como à nossa volta, se percebe que uma actuação deste calibre, com dezenas de faixas alinhadas numa performance imaculada do princípio ao fim (fora toda a produção envolvida), com uma banda totalmente em sintonia com os tempos controlados pelo criador de Lisboa, com espaço, ainda, para um pedido de casamento em pleno palco (votos de felicidade, Andreia!), numa das maiores salas de espectáculos (senão a maior, na verdade) do país, é algo que só está ao alcance das maiores estrelas pop a nível internacional — algumas delas que passaram com a mesma destreza pela Altice Arena não há muito tempo, desde logo com C. Tangana e Rosalía à cabeça. 

Aliás, o final da actuação desta noite revela-se paradigmático da hora e meia anterior: primeiro com a forma como Richie põe mais de dez mil pessoas coordenadas a saltarem sob as deixas rítmicas de “Slowly” (à imagem do que viria o virtuosíssimo Dodas Spencer a fazer com a sua guitarra a fechar o concerto), depois com “Heartless” a furar tímpanos e corações em cadeia, até à derradeira mas prolongada despedida em “Do You No Wrong”, ao piano e no meio da plateia, em cima de um palco erguido do chão, cercado pelas recorrentes lanternas de telemóvel, a acabar (agora, sim) com o público a cantar mais alto do que ele. Assim, claro, parece fácil. Difícil é fazê-lo parecer.


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