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Fotografia: Vanessa Rosa
Publicado a: 17/03/2022

Explorar o que se esconde debaixo da superfície.

redoma: “Isto resulta mesmo por sermos nós as duas. Fomo-nos sempre complementando”

Fotografia: Vanessa Rosa
Publicado a: 17/03/2022

Tudo é mais bonito quando é sincero e nos é dado sem que estivéssemos à espera. Foi assim que surgiu redoma, fina película que cobre os anseios e sonhos de Carolina Viana e Joana Rodrigues, anunciada há semanas como mais recente projecto da portuense Biruta e esta quinta-feira a estrear-se, em primeira mão no Rimas e Batidas, com parte.

O que pode ser visto pela sociedade como um par de outcasts é, para nós, um minério de elevada preciosidade, que queremos guardar para olhar com calma e detalhe. Debaixo de cada uma das suas camadas escondem-se fragmentos de uma dupla que, em 2017, dava os primeiros passos na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo e que, a seu tempo, se foi tornando cada vez mais genuína à medida que rompia com os limites da sua zona de conforto.

Joana foi a primeira a mudar da guitarra clássica para as ferramentas de produção digitais e, em tempo recorde, aperfeiçoou a técnica durante os dois anos em que frequentou um mestrado ligado à área da multimédia. Embalada pela estética das batidas da amiga, Carolina desapegou-se do violoncelo e deu azo à expressão veiculada em palavras frágeis que buscam auxílio na melodia e no ritmo.

Despidas da pele que lhes tapava o que de mais visceral e exploratório pode existir na forma como a arte se manifesta dentro das suas cabeças, redoma deixa cair esta primeira parte dos vestígios de quem ainda não parou de mudar e tão pouco sabe quando é que o processo de descoberta acaba.



O vosso press release conta que vocês se conheceram na ESMAE em 2017. Já estavam ligadas à música antes de ingressarem nessa faculdade, certo?

[Carolina Viana] Eu já estudo música há imensos anos. Nem sei quantos. Mais a sério, estudo violoncelo desde o meu 7º ano. Deve ter sido para aí em 2008. Antes disso, andei em algumas academias. Mas é isso: estudei violoncelo desde o 7º ao 12º ano. Depois entro para a ESMAE e continuo com o violoncelo.

[Joana Rodrigues] Eu comecei a estudar música para aí com 9 anos. Guitarra clássica. Fiz o conservatório até mesmo ao 8º grau e terminei com 18 anos. Depois do secundário decidi que não queria mais seguir guitarra. Não era a minha cena. Fui para Produção e Tecnologias da Música, na ESMAE, e fiz o mestrado numa área mais ligada a multimédia, mas que também tinha áudio.

Além dos estudos, já se tinham envolvido em algum projecto antes de redoma? Já tinham tido algum tipo de experiência em editar material, por exemplo?

[Joana Rodrigues] Do meu lado, foi durante o meu tempo na ESMAE que eu comecei a explorar mais a parte da produção. Não diria que foi aí que eu comecei a fazer música. Andava a ver quais eram as sonoridades que queria explorar. Só na altura do mestrado é que comecei a produzir mais. Eu tinha um SoundCloud privado onde partilhava algumas coisas. Só depois de terminar o mestrado é que comecei a trabalhar com a Carol. Por isso, foi entre o início da ESMAE e o final do mestrado que eu me foquei nessa parte.

[Carolina Viana] Eu tinha alguma experiência, ao nível de gravação, edição e de tocar com outras pessoas. Até porque eu nunca fui independente. Não consigo gravar nada sozinha nem nada do género [risos]. Estou a começar agora. Mas já tinha feito alguma música para teatro e para um filme. O filme, na verdade, foi uma adaptação, por causa da pandemia — era para ter sido também uma peça de teatro e acabou por ser um filme para evitar contactos. Fiz essa banda sonora com uma outra pessoa, que estava mais à vontade para gravar. Ficou um material audível e está cá fora. Nós simplesmente é que não divulgamos nada disso.

Presumo até que tenham somado bastantes horas a ensaiar ou a tocar em palco com outros músicos, nem que fosse pelas orquestras ou combos que normalmente se formam nas escolas e academias.

[Carolina Viana] Eu tenho carradas de horas disso. Orquestras, música de câmara, audições a solo, recitais… Isso tenho. E a Joana também tem alguma coisa.

[Joana Rodrigues] Depois de ter obtido o 8º grau em guitarra, passei a assumir posições mais de background. Cheguei a ter algumas cenas durante a época do mestrado. Fiz umas instalações. Lá está, não tive uma exposição directa com o público. A minha experiência de palco ficou em stand-by desde o conservatório. Pode ser que agora retome [risos].

Entretanto, largam os instrumentos que vos acompanharam no início do trajecto. A Carolina passa do violoncelo para a voz e a Joana da guitarra para as ferramentas de produção digitais.

[Joana Rodrigues] No meu caso, quando terminei o conservatório decidi que queria continuar a estudar música mas que o que eu queria não era bem aquilo. Aquele tipo de expressão não dava para explorar as coisas como eu quero. A faculdade acabou por me ir dando essas ferramentas de uma forma directa. E isso aconteceu sem que eu andasse propriamente è procura. Eu estava simplesmente a explorar e acabou por acontecer, também devido às minhas referências. Sempre ouvi cenas mais ligadas à electrónica e a coisas muito mais sintetizadas. Música instrumental, essencialmente. A minha exploração acabou por ir ao encontro disso e a faculdade deu-me os meios para eu seguir nessa procura.

Quanto a ti, Carolina, também teve a ver com as tuas referências?

[Carolina Viana] Talvez. Eu ouço um bocadinho de tudo e não me foco tanto na parte da electrónica ou nada do género. Vai fluindo. Acho que não foi uma mudança repentina. Foi uma fusão. Embora eu não soubesse que ia acontecer. Consigo reconhecer apenas que o violoncelo nunca me foi suficiente ao nível da expressão. E é um instrumento com o qual não me sinto à vontade em palco, por exemplo, a não ser que seja em grupo. Sozinha não é nada bom [risos]. Acho que sempre senti esta vontade de me exprimir com palavras. Só não sabia era que ia resultar nisto. Sinto-me satisfeita neste momento e pensar em estar em palco desta nova forma continua a ser assustador. Mas é menos assustador do que estar com um instrumento que, se calhar, até me protegia mais mas que não me satisfazia.

Sinto que há uma grande intimidade na forma como vocês dialogam criativamente e que transparece nos temas que criaram para o parte. Sentem que este projecto é uma consequência dessa harmonia ou, mesmo que os vossos destinos não se cruzassem, seria mais ou menos aqui que iam acabar por ir dar?

[Joana Rodrigues] Eu diria que isto resulta mesmo por sermos nós as duas. Isto nasceu durante a pandemia e, por estarmos separadas, as coisas tiveram de ser feitas à distância. Mas houve sempre uma cena muito complementar entre as duas. Não era do género, “tenho aqui um beat. Fazes uma letras?” Houve sempre uma adaptação. As coisas podiam partir daí mas, depois, havia sempre a adaptação do instrumental e das letras. Havia essa comunicação. Houve muita comunicação.

Achei curioso o vosso EP terminar a falar sobre o ser-se mulher enquanto uma “condição”. Isto porque acho que nunca debatemos tanto como agora sobre o quão importante é estabelecermos a igualdade entre os géneros e há até muitas iniciativas e campanhas com vista ao empoderamento feminino.

[Carolina Viana] Acho que seria hipócrita da nossa parte dizer que pensámos numa mensagem para o EP. Isso não é verdade. O EP foi surgindo. É genuíno. Na verdade, as músicas surgiram sem o objectivo de serem lançadas. Quando olhámos para a coisa como um pacote completo, aí sim, já consigo tirar daí uma mensagem com a qual eu, pelo menos, me sinto confortável. Aquilo que queremos dizer é que há muitas lutas enquanto mulheres. Acima de tudo, não queremos sentir que estamos a lutar pela mulher, mas sim pela individualidade de cada um. Não queremos ser vistas como “as mulheres que estão a lançar um EP”, mas antes como “pessoas que têm algo a dizer e que, por acaso, são mulheres e também reconhecem essas lutas”.

Até porque, mais do que isso, este disco foca-se muito num outro tipo de condicionantes: as do foro psicológico.

[Carolina Viana] Acho que é precisamente isso. A cena da última música fui eu a sentir que há esta falta de liberdade para cada um ser o que é, independentemente de ser ou não mulher. Eu própria, se me meto a pensar muito… Sei lá se sou mulher ou se não sou. Até eu fico baralhada com isso [risos].

E acham que as mensagens e sonoridades que transparecem neste disco estão ligadas com o facto dele ter sido criado em pandemia? Toda esta questão do isolamento social afectou a forma como a vossa criatividade se expressou para este trabalho?

[Joana Rodrigues] Certamente que sim. Do meu lado, foi a pandemia que abriu espaço para eu poder explorar melhor este lado da produção. Fazendo uma ponte com a tua pergunta anterior, acerca da temática do EP e das questões do foro psicológico, o parte acabou por ser uma exploração musical mais lírica, de rap, e que, na minha interpretação, vai ao encontro dessas fases que vieram com a pandemia, por o pessoal estar isolado. Sinto que algumas dessas coisas que exploramos nas músicas são problemas com os quais ainda lidamos nos dias de hoje. Se isto fosse feito antes da pandemia, eu diria que seria um disco completamente diferente.

Como é que funcionou a divisão das tarefas dentro do grupo? A Carolina fica com as letras e a voz e a Joana apenas se foca no instrumental? Ou na fase criativa não há papeis definidos?

[Joana Rodrigues] Sempre demos muita liberdade uma à outra para cada uma explorar a sua parte. Obviamente que o input tanto uma como da outra foi sempre importante. Às vezes eu recebia letras da Carolina e ela dizia, “esta parte vai ser cantada”. De repente, eu tenho de fazer essa adaptação. Houve sempre muita confiança uma na outra. Eu nunca questionei. “Carolina, não achas que devias de fazer isto assim, desta forma?” A Carolina também chegou a ter inputs na parte da produção. A “poço”, por exemplo, tem uma parte que é tocada. Eu disse-lhe, “toca tu. Faz tu o break da cena”. Nunca estivemos propriamente muito isoladas uma da outra mas, ao mesmo tempo, fomos sempre muito independentes. Fomo-nos sempre complementando.

Vocês juntam-se a uma editora que nos tem dado álbuns clássicos de forma consecutiva nos últimos anos. Como é que chegaram à Biruta? Já acompanhavam o trabalho deles?

[Joana Rodrigues] Eu estava a par do trabalho da Biruta já há algum tempo. Eu estudei com o zé menos, fizemos a licenciatura juntos, e falei com ele para fazer a gravação do disco, depois de termos decidido avançar com a ideia de editar estes temas. Ele gravou as músicas todas e a cena acabou por surgir daí. Ele era um contacto directo. Existiram conversas e o Rui, da Biruta, acabou por ouvir as nossas músicas. Foi dessa forma que aconteceu. Nós não fomos propriamente à procura da Biruta mas foi uma surpresa fixe.

Há pouco diziam-me que, ao início, estas faixas eram para nem ser editadas. Quando é que isso muda?

[Carolina Viana] Eu não sei qual foi a razão mas lembro que foi neste último Verão. Nós até já tínhamos uma outra faixa, que não entra no EP porque já não fazia sentido. Acho que foi um reconhecer das duas, de que já havia ali material de interesse e que podíamos partilhá-lo. Acho que temos, as duas, bastante consciência de quando é que interessante ou não. Há umas experiências e brincadeiras anteriores que eu sei que não tinham nenhum interesse. De repente, houve um clique. E, também, porque o zé ouviu e gostou. Mais umas quantas pessoas ouviram, gostaram e manifestaram interesse. Foi por aí. E foi devagar.

[Joana Rodrigues] Também sinto — e pode ser só do meu lado — que isto coincidiu com aquela fase em que o pessoal já achava que a pandemia estava quase a acabar, durante o Verão do ano passado. Havia aquelas conversas de, “nós, se calhar, podíamos fazer alguma coisa com isto. Temos algumas músicas. Já dá para fazer um EP. Temos outras a acabar de fazer. Vamos, pelo menos, meter isto a soar direito e lançar para a net”. Falámos com o zé, que era um contacto próximo, e pronto.

[Carolina Viana] É aquele encanto de pôr as coisas para fora e do qual já nos arrependemos um bocadinho. Não é, Joana? [risos]

[Joana Rodrigues] É verdade [risos].

Com o primeiro disco muito perto de se materializar, já começaram a imaginar o que vai ser daqui para a frente? Há alguma meta que tenham traçado enquanto dupla?

[Joana Rodrigues] Temos de ser sinceras. Este EP nem era uma meta. Foi uma coisa que apareceu e que está a ser mesmo fixe. Nós sabemos que queremos continuar a fazer música, as duas. Agora, de que forma e em que formato? Isso ainda é uma cena que há-de estar para percebermos como. Não sabemos em que tipo de estética. Vai ser noutra zona exploratória. Vamos ver onde a coisa vai. Só temos a ideia de que queremos continuar a fazer coisas.

[Carolina Viana] E eu acho que somos as duas bastante lentas a fazer isto. Portanto, primeiro que aconteça… [risos]


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