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Fotografia: Patrice Almeida / Novembro Jazz
Publicado a: 05/11/2023

Uma "flor" tão delicada quanto sofisticada.

Raquel Martins no Novembro Jazz’23: de Londres para o futuro

Fotografia: Patrice Almeida / Novembro Jazz
Publicado a: 05/11/2023

Foi com distinção que Raquel Martins cumpriu a missão de abrir a programação 2023 do festival Novembro Jazz. A sua apresentação na Casa da Criatividade, em São João da Madeira, marcou igualmente a sua estreia em solo nacional à frente de um quarteto, forma mais expansiva de enquadrar a delicada música que conquistou justas atenções internacionais com Empty Flower, segundo EP da sua carreira, lançado já este ano.

Com o muito experiente Iúri Oliveira nas percussões, Hugo Piper no baixo e Tomás Parada na bateria, Raquel explorou toda a complexidade rítmica das suas criações oscilando entre o que ela mesmo descreveu como “canções alegres e canções tristes”. Raquel não esconde, muito pelo contrário, que estas canções são auto-retratos, mas de momentos muito específicos da sua vida passada, ainda que, por contar apenas 24 anos, esse passado seja, muito naturalmente, um quase presente. São canções — explicou ela num português que já vai cedendo espaço ao inglês com que convive e cria diariamente em Londres, onde reside já há seis anos — sobre a ideia de “casa” entendida por quem se encontra por vezes perdida entre lugares, “entre cá e lá”, como referiu, e também sobre a procura de uma identidade, sobre o amor e as relações. Sobre, enfim, a vida. 

Sempre muito comunicativa, com um fino sentido de humor — “Tentei explicar ao Hugo o que são ovos moles… soft eggs não chega bem lá”, disse a dada altura —, Raquel fez com elegância um trabalho difícil: o de conquistar uma plateia que desconhecia por completo a sua obra. Dessa forma, o que tocou as pessoas não foi a familiaridade ou a exploração da ligação emocional que se constrói com uma qualquer canção que possa tocar com insistência na rádio — esse dia ha-de, inevitavelmente, chegar mais tarde ou mais cedo… —, mas o encontro com uma artista genuína, que se apresenta sem truques, sem quaisquer outros argumentos que não sejam a beleza da sua arte e a sua capacidade de a apresentar de forma honesta e ultra-sentida.

Com uma voz doce e de traço intimista, capaz de brilhar nas melodias que desenhou para cada tema, e com uma avançada técnica na guitarra — tanto na eléctrica como na acústica —, Raquel impôs-se como artista completa no centro do palco, tão capaz de liderar o ritmicamente sofisticado trio que a secundou, como de aguentar sozinha num par de momentos a atenção de um público que se rendeu incondicionalmente. O material de Empty Flower, sobretudo o tema-título ou “Mountains” e canções mais antigas como “Show Me”, que há um par de anos lhe valeu um lugar na selecção Novos Talentos coordenada por Henrique Amaro para a FNAC, ou “Real”, a primeira canção que Raquel escreveu e que vê já como distante apesar de datar apenas de 2020, dividiu espaço com temas novos e ainda inéditos que deverão constar no seu primeiro álbum que começará, revelou, a ser gravado em breve.



A artista explicou que se sente cada vez mais próxima da música do Brasil, da MPB e da bossa, mas ouvindo as canções percebe-se que essa proximidade não lhe tolda o impulso exploratório e, por isso, no seu dedilhar há espaço para essas colorações tropicais, mas também para fraseados de tonalidade claramente jazz. Há muitas músicas dentro da música de Raquel e isso é um espelho da sua experiência com a cena de jazz londrina, onde as fronteiras entre géneros se têm esbatido em favor da procura de uma identidade quase sempre multicultural. Na conversa ao fim de tarde que manteve com Rui Miguel Abreu, o director do Rimas e Batidas que é também co-programador do festival juntamente com a directora artística da Casa da Criatividade, Gisela Borges, Raquel Martins explicava que o que a levou a Londres foi, precisamente, esse entendimento de que lá se encontrava a música que a apaixonava, música capaz de cruzar diferentes referências sem se deter em dogmas. São assim, igualmente, as suas canções, feitas de subtil sofisticação jazz, balanço tropical, emotividade soul e transparência pop. Fazem sentido num festival chamado Novembro Jazz? Obviamente que sim. Na verdade, qualquer festival que possa cruzar no nome um dos meses do ano e uma das coordenadas musicais antes apontadas deveria acolher uma artista assim. E algo nos diz que vamos ouvir e aplaudir Raquel Martins muitas mais vezes no futuro próximo e em diferentes festivais.

Antes do início do concerto de Raquel Martins, no foyer da Casa da Criatividade, houve igualmente tempo para a apresentação de um trio liderado por Eduardo Cardinho, que se apresentou em teclados, e composto por mais dois jovens talentos, seus alunos: o guitarrista Miguel Dantas e a cantora Beatriz Alves. O Novembro Jazz abre assim espaço a possíveis futuros, aproveitando a presença de público informado para expor talento ainda em formação. E ontem, tanto o jovem guitarrista como a igualmente jovem cantora demonstraram, em standards carregados de história, como a eterna “Like Someone in Love”, que sabem muito bem de onde vêm, conseguindo fortes aplausos com a sua prestação. Resta-lhes, como sucedeu com Raquel Martins, escolher para onde querem ir. Mas para isso têm todo o tempo do mundo.

Semana que vem, o Novembro Jazz receberá Margarida Campelo (sexta-feira, dia 10) e ainda Azar Azar e Quang Ny Lys, o trio de João Mortágua, Mané Fernandes e Rita Maria (sábado, dia 11).


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