Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
Esta lista de 52 temas tem por base as 52 edições da coluna semanal Rap PT — Dicas da Semana, em que, de cada repto semanal, foi escolhida “A” dica da semana.
JANEIRO:
Lançada ainda na recta final de 2020, a 28 de Dezembro, esta foi a primeira dica da semana destacada em 2021: “DURADOURO”, de $TAG ONE, com produção de BLUMEN, faixa vencedora do concurso Natal do Marginal Beat Contest. Com este saxofone por trás, como haveria de não vencer?
Ainda sobre as primeiras escolhas, “SHOO PAMUS”, de Majestic T.K., foi, por sua vez, o tema inaugural numa emissão especial do Rimas e Batidas na Antena 3, apresentada por Rui Miguel Abreu, na qual foram destacados 25 temas entre estes 52 que aqui figuram. Essa posição, apesar da cronologia do alinhamento, não deixa de fazer todo o sentido — este single de Maje representa em grande medida o conceito de “dicas da semana”.
“E se é pa ser santificado prefiro um diabo sincero” — e, para o bem ou para o mal, sinceridade é a marca de água de X-Tense. Ainda assim, em “17.12.20”, com o contributo fundamental de BEATOVEN, quebram-se mais umas quantas barreiras além das habituais, curiosamente num tema em que não vemos a cara, o corpo, as expressões e os movimentos de Nuno Barreiros. Para quem confessa não ter “uma ligação muito fixe com o mundo exterior”, a sua música fala mais alto e em sentido contrário dessa percepção.
Quando Psyco diz “Visto que estou bem, eu tenho um vazio que não conto a ninguém”, esse vazio engole-nos de imediato, pela forma como o rapper nos confessa esse sentimento, com uma segurança na voz arrepiante, sobretudo se atentarmos ao que deixa subentendido nas linhas de “Vazio”. E a patente homenagem a Mota Jr carrega ainda mais o tom cinzento deste tema que tanto nos aproxima do seu autor.
Limites foi a estreia a solo de Each1 num longa-duração e, apesar de editado logo no início do ano, não ficou esquecido nas contas de alguns membros da redacção do ReB para os melhores projectos nacionais deste ano. “Freestyle”, produzido por Minus & Mr. Dolly e Paulinho, é um dos exemplares máximos do espírito desta rubrica que podemos encontrar neste disco à orgulhosa moda do Porto, como Each faz questão de deixar claro — “Nunca entrei nessa disputa chunga em suma assumo o rap do Porto e não o tuga”.
FEVEREIRO:
Do Norte ao Sul, fomos encontrando os tais “soldados” tão capazes nas canetas em riste. Pelo Algarve, Uzzy e Domi foram dois nomes em inequívoco destaque durante este ano — e juntos não havia como não virem cá parar. A representar Portimão em “Oito Cinco Stilo #3” (uma das iniciativas agregadoras de Uzzy — ainda há outra por destacar adiante), entre braggadocio abrasador e rimas escaldantes, os dois rappers deixaram a melhor marca no código-postal.
No Dia dos Namorados deste ano que passou, marcado por um prolongado segundo confinamento, a Força Suprema e companhia reuniram-se para “trabalhar na banda sonora, para fazerem mais filhos em confinamento”. “Se Der Pra Ser Feliz” é especial pelo sabor que só estes rapazes (e rapariga) conseguem trazer a uma love song entre tantas outras estreadas nesse dia.
O fenómeno de olhar para acontecimentos passados no início do ano com uma anormal distância percepcionada ganhou mais força no caso dos Wet Bed Gang, sobretudo se tivermos em conta que Ngana Zambi, o álbum de estreia do quarteto da Vialonga, foi editado em 2021 mas com vários temas já divulgados muito antes disso. Ainda assim, não foi o caso de “Ngana Zambi”, tema que dá nome ao disco e que apenas foi revelado aquando do lançamento do mesmo. E, se querem que vos diga, o melhor ficou mesmo para o fim.
O parceiro de Each1 em Enigmacru também teve uma palavra a dizer a solo em 2021. E essa palavra foi de ordem: “Ainda não é tarde” serve de hino a uma facção identificada como a resistência do hip hop nacional, dedicada à preservação da cultura una e ao rap pautado pela palavra. Ainda não é tarde para se juntarem à causa, ou simplesmente para ficarem a conhecer um dos melhores temas de rap produzido neste último ano dentro das nossas fronteiras.
MARÇO:
Foi uma escolha quase unânime, mas definitivamente consensual, nas escolhas do ReB para os melhores projectos nacionais de 2021 (distinção essa já avançada no rescaldo feito a meio do ano): Mal Passado Bem Pensado foi uma das mais agradáveis surpresas dos últimos 12 meses, clarificou o papel de Wugori no futuro da música portuguesa (nesta casa prenunciado) e deu a descobrir o assombroso potencial de gonsalocomc. “Olhocerrado” é a faixa inaugural deste EP divido entre as rimas do rapper (e produtor) de Lisboa e as batidas do produtor (e rapper) de Braga, mas é só ponto de partida — a viagem completa é obrigatória.
“Boa, Bazofa & Bunita” chegou já em 2021 com apoio visual, mas a faixa foi revelada em 2020, integrada no disco (duplo) de estreia de Tchapo, um álbum automaticamente qualificado para o lote de projectos essenciais de rap crioulo. Do instrumental à prestação do rapper de Chelas, o título deste tema é auto-explicativo em relação ao mesmo.
A par de Wugori e gonsalocomc, os AVAN GRA foram outra das belas surpresas que 2021 nos reservou — apesar de o álbum de estreia da dupla formada por 90’s kid e Carracha ter ficado agendada para este novo ano. Não obstante, o duo de Mem Martins, Sintra, apresentou 12 faixas em 12 meses e confirmou desde cedo a posição que veio ocupar no hip hop português, com uma linguagem muito bem definida e ideias claramente vincadas.
Também se estreou num longa-duração a solo em 2020, com A Vida dos Felizes, mas 2021 foi mais um ano fértil para nastyfactor. Entre freestyles, cyphers, temas a solo ou com participações, o engenho do polivalente dos GROGNation só refinou no pós-álbum. E “MM Freestyle” é uma amostra caseira apurada dessa destreza.
ABRIL:
Foi através de gonsalocomc que fomos descobrindo uma série de nomes à sua volta, gente jovem a germinar a Norte (que havemos de dar a conhecer em breve…), a par dos circuitos tradicionais, mas com personalidades fortes e ideias próprias. Tigaz é um dos aliados mais próximos do jovem produtor de Braga, e “algae” foi uma das faixas que deixou água na boca por Lavanda — um projecto, ainda em desenvolvimento, partilhado pelos dois parceiros e conterrâneos.
Houve mais duplas a Norte a merecer especial atenção cá em baixo: Lazy e Smélio foram uma delas e, a partir da À Socapa Records, têm merecido o devido destaque, sobretudo pela cumplicidade que transparecem em cada lançamento — “Descumprimento” evidencia uma medida larga dessa química entre ambos.
Os números nem sempre são o melhor indicador da dimensão de um banger, mas o “Toque” de Mirai e Domi, com mão de Lazuli na produção e de Cheezy Ramalho no vídeo, foi indiscutivelmente um dos pontos altos do ano e merecedor desse carimbo. Uma obra audiovisual sublime a todos os níveis.
Por mais intricados que sejam os jogos de palavras e as artimanhas fonéticas engendradas por Maudito em “ADA Freestyle”, quando chega ao refrão, o rapper do Porto não podia ser mais explícito: atira-nos à cara uma espécie de revelação que, a confirmar-se inédita nos registos do rap nacional, não deixa de ser surpreendente em pleno ano de 2021. De resto, para quem conhece a carreira do ex-Weis, independentemente do teor das declarações, não há grandes surpresas neste freestyle — politicamente incorrecto e criativamente inovador, como sempre.
MAIO:
O EP ZERO chegou (física e digitalmente) em Setembro, mas Cachapa e UnderZ foram apresentando o projecto faixa a faixa até lá. O rapper de Évora representa sangue novo no Sistema Intravenoso e tem correspondido ao peso histórico desse rótulo; em “MAGIA” contou com o actual responsável pela editora, DJ Sims, para mostrar algumas habilidades líricas. Não faz magia com as palavras, mas tem um vasto leque de truques para exibir.
2021 foi, sem dúvida, o ano de afirmação de xtinto — não como rapper; disso, para quem estava familiarizado com ventre e inacabado, não havia já dúvida alguma. Mas “Android” marcou definitivamente uma viragem na carreira do rapper de Ourém por caminhos tão inusitados para quem fazia da escrita o seu opus magnum. A partir daqui descobriu-se um cantor que não pára de nos surpreender.
Falar do último ano sem mencionar Julihno KSD é ignorar um dos fenómenos mais relevantes na música portuguesa dos últimos tempos. O álbum de estreia do rapper da Linha de Sintra foi finalmente editado, e “Stunka” foi um dos últimos hits antes da inauguração de Sabi na Sabura.
Reconheça-se o devido mérito a YOUNGSTUD: num ano editou quatro projectos (três deles instrumentais), retirou-se da música, voltou a tempo de apresentar o quarto, com rimas e batidas da sua autoria, e foi, seguramente, o nome que mais vezes figurou nesta coluna semanal. “Pátio Lúdico”, produzida pelo parceiro Sensei D., com quem divide a dupla Macto, é uma ínfima parte daquilo que o rapper e produtor de Alverca nos deixou ao longo destes doze meses.
Para Mura, 2021 também foi um ano particularmente especial: o rapper de Almada apresentou o seu primeiro álbum de originais, intitulado Álbum do Desassossego, pela recentemente criada Godsize Records de Sensei D.. No entanto, para Mura, o ano já tinha começado antes desse marco: “O Homem Com Duas Caras”, com instrumentais de RakimBadu e do próprio protagonista, foi a faixa que deu o EP V2.0 por terminado. Ele já andava a preparar essa entrada pela porta da frente…
JUNHO:
“Duas da Matina” é a primeira parte da trilogia Pão na Mesa, um projecto audiovisual, sob a forma de curta-metragem, conceptualizado por Plutonio lado-a-lado com Leonel Vieira (realizador de Zona J). O ambicioso projecto do rapper de Cascais foi a excepção nesta temporada anual mais discreta da sua Bridgetown.
O próximo álbum de Dillaz está a sair a conta-gotas, e no ano passado só tivemos direito a um single. Porém, como o rapper da Linha de Cascais não é de meias medidas, chegou com “Juvena” para enchê-las ao seu estilo: há um novo xerife da Madorna, e dizem que anda montado a cavalo.
Como o título indica, “PELO SUL #2” é a segunda edição de mais uma iniciativa levada a cabo por Uzzy pelo Algarve. De Portimão para a região toda, o rapper chamou para a segunda volta RealPunch, RafaStone, Kristóman & Britexx, que corresponderam ao desafio de representar da melhor forma o rap algarvio — sobretudo a julgar pelas duas últimas prestações desta posse cut.
“Rubi” foi a primeira pedra lapidada por Maze e AZAR AZAR nos laboratórios da Monster Jinx, e daí vieram mais preciosidades, trabalhadas na casa roxa: SUB-URBE Vol.1 foi o resultado de um casamento improvável mas feliz — muito feliz. SORTE SORTE a nossa.
JULHO:
Houve quem andasse desde 2005 a suspirar por um novo “Diálogo”, e, dezasseis anos depois, essa continuação chegou, de certa forma, em “Besta (o teu melhor amigo)” — mais do que a forma, esta carta nunca antes escrita, mesmo que endereçada a diferente destinatário, encaixa (queremos crer) na história que começou em Tira Teimas.
Ainda que discreta, a presença de Trafulha tem-se feito sentir no seio da Paga-lhe O Quarto Records. Depois de se estrear pela editora encabeçada por Keso com o EP AutoSimbiose, voltou a dar novidades em nome da label portuense com “Cegueira + Mudez”, ao lado de João Tamura, que protagonizou um dos seus melhores temas em 2021, ano em que voltou aos discos com Ossos de Prata. E a cereja no topo do bolo foi colhida por Vasco Completo, certamente a afinar detalhes discretos mas imprescindíveis.
Se tivéssemos de assinalar um momento especialmente marcante para o hip hop nacional durante o ano de 2021, a escolha dificilmente não cairia sobre a concretização da mixtape De Rajada, curada por Max Ferreira, aka DJ Algore. Da mesma forma, se tivermos de destacar apenas uma faixa do projecto, que resumisse da melhor maneira o espírito deste trabalho, ainda que mais difícil, a escolha recai sobre De Choko, também conhecido por Catalão nas batidas — umas quantas assinadas em seu nome neste disco —, por várias razões, entre elas a frase da mixtape: “faço rap de rajada”.
Inacreditável a “Volta” de T-Rex ao Sol em 365 dias. Se em 2020, quando avisava “diz ao Fernando Pessoa que eu sou o Fernando Alien” já nos tinha deixado com sérias dúvidas acerca da sua natureza terrestre — muito por culpa de Gota D’Espaço, também —, no ano seguinte confirmou essas suspeitas: quem é capaz de ir de “Ar” a “Feeling”, passando por “É Assim”, “GUUD” e “Volta”, não pode mesmo ser deste planeta. E esta última é uma das provas cabais desta teoria irrefutável.
Editou dois projectos em nome de Soul Providers no mesmo ano, mas a solo também deu valiosas cartas: quando se aventurou a solo pelas viagens de sampling, Crate Diggs recorreu a errantes líricos com rotas muito bem definidas — génios das lampa… rimas.
AGOSTO:
Foi dos últimos a trazer novidades ao rap nacional em 2021, com “SaudaSom”, mas Rilha já tinha deixado a sua marca a meio do ano pela sua “Terra”, a Trofa, numa deslumbrante ode às suas origens. E a participação de Zé Rui deu ainda mais força a um tema já de si encantador.
BAMBINO está, mais ou menos, como o vinho do Porto: quanto mais velho… mais mau — que, aqui, é como quem diz “melhor”. Faz questão de mostrar o seu flow cada vez mais “JAVARDO”, cuspindo por cima dos seus instrumentais sujíssimos. E neste seu último single só repisou a ideia de que, ao seu estilo tão ímpar e próprio, continua a ser uma referência incontornável do underground.
À boleia do saxofone de Jeezas, “Jardim Suspenso” abriu portões ao álbum DIAS MELHORES de Eliot, concebido em conjunto com o produtor Aeyatollah, com o carimbo do Clube dos Poetas Loucos — uma marca inconfundível na poesia ébria do rapper que se vê iluminado na escuridão.
Pessoal e artisticamente próximo de benji price e xtinto, DEZ contou os parceiros de longa data no seu novo projecto, POLIPOLAR. E o ritmo do seu “CHACHACHA”, acelerado por benji e SPLINTER, é verdadeiramente impressionante: o desafio, aqui, é, a partir do primeiro verso — “Bro tiro o chapéu meto a crew toda a usar a minha coroa” —, ficar quieto na cadeira. Se alguém disser que conseguiu, está a mentir — conversa de “CHACHACHA”.
SETEMBRO:
Sitah Faya e spock mergulharam a meias num longo e gratificante projecto, baptizado por Assim Como Vai. A química entre a MC do Algarve, que trouxe o seu mar para o disco, e o produtor da Contentor Records foi o que veio à tona, sobretudo pelas correntes jazzísticas de “Almarear”.
“Certas Horas” deu início à contagem decrescente para Cabeça A Prémio, o novo álbum de Deau. O regresso aos discos pelo rapper do Porto era especialmente aguardado na sua cidade e logo no primeiro single, ao lado de DJ Player (que o acompanhou no resto do projecto), mostrou continuar igual a si mesmo.
Depois de L-ALI nos voltar a surpreender, com o seu mais recente EP Raramente Satisfeito (que teve entrada directa nos melhores do ano para o ReB), também Harold se aventurou por caminhos inesperados — e também contou com Lunn para fazer essa viagem.
“Diamante” inaugurou Mãe Um Dia Eu Ganho Um Diamante, um projecto lapidado entre o rapper e o produtor, que contou, entre outras, com o contributo do próprio L-ALI. Os ares da Superbad só fizeram bem ao membro do colectivo GROGNation.
Aquando das declarações de Luís Jardim sobre o hip hop, os rappers e os DJs, no programa Posto Emissor da Blitz, Phoenix RDC deu a melhor resposta que se podia pedir: cantou a “Morte do artista” como só ele sabe, uma música com “M” capital e uma chapada de luva branca, aprovada por Valete. Ah, e sem esquecer que, no fim da animação criada para o tema, se podia ler “Novo álbum disponível em Janeiro”. Cá estamos, então, no primeiro mês do ano, à espera dele.
OUTUBRO:
“RUMOS” abre a porta ao mundo de Guilherme, ao seu SINTO LOGO EXISTO, um EP apenas disponibilizado no SoundCloud. Entre a maturidade das batidas e a ingenuidade das rimas, o jovem rapper e produtor de Fafe, incontornavelmente inspirado quer por MIKE, quer por dj blackpower, é um dos principais exemplares do talento que está a florescer a Norte, uma linha alternativa ao espectro do rap nacional partilhada por vários agentes. São rumos a não perder de vista.
Se existir alguém a responsabilizar, culpem Keso pelos estragos feitos em “Cypher do Marginal”: o rapper e produtor do Porto, fundador do Natal do Marginal, vingou-se do cancelamento do evento em 2020 (devido à situação pandémica) com um cypher devastador. Chamou uma turma de capangas das rimas vinda da Margem Sul, e da Mano A Mano vieram TNT, Kulpado, TOM, Jay Fella, Mlk Mau Aluno e Silab para arrasar com o beat do Ks Xaval. Conteúdo explícito nestas barras, em vários sentidos.
Ainda nos quartéis da Mano A Mano, os generais voltaram ao campo de batalha que conquistaram décadas atrás: TNT e Kulpado voltaram à carga enquanto dupla, e o regresso de M.A.C. (Missão A Cumprir) foi assinalado, a partir do primeiro single “Carga Nisso”, num álbum Sem Título. Mais uma vez, a missão foi cumprida.
Num ano marcado por regressos, também Chico da Tina voltou a editar um novo trabalho. No seguimento do disruptivo Minho Trapstar, o artista (será o termo menos redutor) de Viana do Castelo reforçou a identidade da sua persona suis generis com E Agora Como É Que É, uma mistura entre sátira, música popular, trap, regionalização, flex, egotrip, non-sense, reliquiários, triangle chests e… podíamos ficar aqui o dia todo. Peça única e valiosa da nossa praça: “Se o que eu faço é fácil, então faz igual”.
Ah, e para a lista de melhores vídeos do ano, “Nós Pimba”, realizado por Irish Favério”, tem de lá estar — no topo, mesmo.
2021 foi um ano em cheio para Beiro, quer pela quantidade de artistas com quem trabalhou, quer pela aposta que fez num selo próprio, ao fundar a CRVVO, ao lado de Maudito (que inaugurou, a 25 de Abril, a label com “ADA Freestyle”, já aqui destacado), PEDRA. e João Tamura.
Em “Marionetas”, voltou a provar por que razão se diferencia como um dos produtores mais importantes no actual cenário do rap nacional, ao desencantar (com alguns toques dos parceiros Maudito e PEDRA.) um instrumental dos confins da criatividade. E UEST. e Big Jony só tiveram de fazer o que sabem — com muita força nas canetas.
NOVEMBRO:
2021 também foi ano de estreias e revelações. Isto é, para quem — como é o caso da grande maioria — não conhecia o potencial de AZART. Esse talento escondido não passou, ainda assim, despercebido à Sony Music Portugal, que apostou no rapper de Lisboa para um recomeço do zero, assinalado por “I Know”. Com todos os ingredientes necessários para o sucesso, e pelo que já tivemos oportunidade de ouvir, é uma questão de tempo até AZART ser uma presença assídua nesta rubrica e nas vossas playlists.
Ao fim de uns bons anos a potenciar MCs, agora a energia em benji price é elevar a dois: o rapper e produtor, principal responsável pelo impacto que a Think Music teve no rap português, está, finalmente, pronto a seguir caminho sozinho — mas não vai só. Em “Girassóis”, o primeiro tema do seu álbum de estreia a solo, ígneo, benji levou consigo SPLINTER, Alex Bastos e EU.CLIDES para campo aberto e iluminado.
Aqui rimada e produzida em nome próprio, “MANJA” é dos exemplos por excelência da certeza que depositámos em Wugori a projectar o futuro da música portuguesa. A destreza que demonstra na manipulação de palavras e frases, e a sensibilidade com que trata samples e organiza drums, não deixam quaisquer dúvidas sobre a concretização do seu talento. De “Sente a peça/ Dama é um monstro tou a tentar dar lock nessa” a “Mal passado/ Faço isto parecer canja”.
Há pouca gente mais indicada que Dino D’Santiago e Slow J para representar cruzamentos por “Esquinas” da música portuguesa. E também são poucas as vozes que conseguem chegar, a partir de cá, a tanta gente — de Portugal a Cabo Verde, passando por toda a lusofonia, “nossos corpos também são Pátria”. É esse o caminho que Dino se propõe a desbravar em BADIU: “Ta limia kaminhu di nôti, más um skina pa nu dobra”.
DEZEMBRO:
O estatuto de “lenda viva” é um posto de difícil alcance; mas, para os mais adeptos das rimas, esse posto é unânime para NERVE e Blasph. Juntem-se esses dois colossos do rap nacional — como já aconteceu em “Acena” ou, de forma diferente, em “Apanha Game (Queres Vir?)” e “Jorge Palma” —, o resultado só poderia ser… como hei-de descrever… incrível. E a banda sonora criada por Il-Brutto para este reencontro entre “um Boss e um Don” era digna de um Padrinho.
Minguito é uma das figuras centrais do movimento drill em solo português, e esse reconhecimento deve-se, também, à sua capacidade de inovação dentro de um registo aparentemente pouco flexível. E “Andalé” convence-nos de que versos como “Olá ou Hello”, “Still living la vida loca”, “Dentu Holanda”, “Com uma bandida que é da Rússia/ E quer vir p’ra França avec moi (andalé, andalé)” ou “Talvez paramos em Espanha/ A espanholita quer ménage à trois”, considerados no todo da canção, podem corresponder ao espírito das “dicas da semana”, em todas as línguas.
Não nos cansamos de insistir na força inigualável de Vado Más Ki Ás, nem o rapper do Bairro 6 de Maio acusa cansaço na jornada do sucesso. Sobre batidas “moradianas”, Vado mostra, mais uma vez, por que razão é uma “Super Star” do rap crioulo. Energia não lhe falta. E criatividade, pelo que tem feito ao longo dos anos, também não.
Terminamos esta lista com uma mulher. Não foi a única nestas 52 escolhas, muito menos nas 52 edições desta coluna semanal. Ainda assim, a balança, neste aspecto, continua desnivelada, sobretudo por o rap continuar a ser um género predominantemente masculino. Felizmente, há muito bons exemplos de que essa diferença só se reflecte nos números, como é o caso do “Cinturão de Vénus” de Máry M, um tema pautado pelo contraste entre a fragilidade de Lena D’Água a cantar “Aqui dentro de casa” e o poder de Mariana Marques e das suas barras.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)