Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[ProfJam] “NADA ME FALTA”
Comecemos pelas evidências mais consensuais: “NADA ME FALTA” é um regresso de ProfJam às suas “big banger theories” com várias camadas e abre dois caminhos por onde podemos seguir.
O primeiro é o da dúvida, processo que marca o percurso do próprio artista ao longo das várias e diferentes fases pelas quais já passou na carreira — a questionar-se, sempre, a ele próprio antes de mais. Aqui, as dúvidas — umas mais plausíveis que outras — incidem sobre temas que, no histórico do MC, não são inéditos. No fundo, o que parece ficar é o convite à dúvida, mais do que às respostas alternativas.
O segundo é o da rejeição, quer (de um lado) das verdades absolutas, quer (do outro) das alegações dúbias de um Prof cujos argumentos não encontram, na faixa (apesar da contextualização feita nos comentários do YouTube), grande suporte para lá das batidas de Reis. O vídeo, editado pelo rapper, contribui para essa desconfiança de quem tenta decifrar as mensagens.
Já entre as restantes camadas, o assunto volta a tornar-se mais pacífico. Justiça feita às iniciais de Mário Cotrim, que aqui bate em todas as capelas, seja pela capacidade lírica que o destacou logo em The Big Banger Theory, pela ambiência paralela à de Mixtakes, ou pelo refrão — daqueles que só um “Prof dos putos da nova gen” consegue sacar — capaz de viciar qualquer coluna JBL por esses paredões fora ou nos maiores recintos académicos e festivaleiros. Nesse aspecto, nada lhe falta. E cada um segue por onde quer.
[Kaps] “Juventus”
A saturação e o contraste concorrem para a imagem de marca de Mike AK, realizador do vídeo (na linha do que fez em “Diva” com Yuri NR5) do tema “Juventus”, o novo lançamento de Kaps. A equipa, na verdade, é Superbad, com Here’s Johnny e Holly Hood na produção que ampara as punchlines com selo caseiro.
[Dero Vibez] “Karma”
É pelas sonoridades mais procuradas à superfície que Dero Vibez tem feito valer o seu flex nos últimos singles disponibilizados. Só em “Karma” é que o rapper da Vialonga nos garante que continua “com fome” e que nunca se conforma, para depois confessar incertezas, revelar obstáculos e se abrir às razões que o levam a continuar na luta. Despida a personagem, volta à tona um rapper que mostra capacidade já desde as participações na Liga Knockout.
[Da Chick] “Imaginação” ft. Beware Jack
“Posso?
Ya.”
Isso nem se pergunta, Beware. Ter um vislumbre da “Imaginação” do rapper de Odivelas é sempre uma experiência reveladora, ainda para mais em novo encontro com Da Chick, depois de “Crime, Disse Ela” (para o disco do MC com Bling Projekt). Desta vez o convite partiu da “Bonnie” e o “Clyde” fez o que de melhor sabe à boleia do groove da parceira.
[Allen Halloween] “Mariachi”
O hip hop tuga chorou a “morte da Bruxa” aquando da retirada de Allen Halloween dos palcos e, ao que tudo indicava, dos estúdios. Mas “O” MC e produtor foi dando sinais de vida de tempos a tempos, alimentando a esperança dos fãs para um possível regresso (como acontece na grande maioria destes casos). Até que a notícia mais insólita se difundiu: Halloween a rimar num drill? Confirma-se, e “Mariachi” representa o oficializar desse regresso às rimas, desta vez em crioulo, e com compasso digno de uma guitarrada de Antonio Banderas.
[Parker, Gonsalocomc] “PARA TU… OUTRA VEZ”
Pára tu, pára nós, pára tudo… outra vez. Se há novo loop de gonsalocomc, outros afazeres podem esperar. Ainda para mais, em PARA TU… OUTRA VEZ”, Parker tem coisas a dizer, designadamente “em conversa, passo os dedos na letra e sentes relevo”. Deixa bastante para se atirarem às cegas a “este poema”?
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)