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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[Walez & Alley] “No Meu Copo” ft. Harold
Na hora do regresso às pistas, temos voltado com a vontade de quem não o fazia há ano e meio e com a naturalidade de quem o fez há meia dúzia de dias. Começam então a surgir os primeiros hits nocturnos em tempo oportuno, e Walez & Alley convidaram Harold para servir rimas de mexer com a cabeça e batidas de fazê-la abanar. São servidos deste copo com dose tripla?
[M.A.C.] “Carga Nisso”
Aquele que hoje é o género dominante tardou a impor-se por cá, e essa afirmação em Portugal deveu-se à insistência por parte de uma série de gente que andou “no estúdio a partir pedra” até furar. Essa sempre foi a missão dos M.A.C., mas não se viu ainda plenamente cumprida: TNT e Kulpado voltaram à carga com as rotinas do boom bap tradicional agilizadas, para relembrar a causa que os move — “TNT, Kulpado de volta à base, base”.
[Guire] “Hamartia” (ft. xtinto)
Durante as passagens pelo Entressonho encontraram-se Guire e xtinto. O produtor e sound designer arrastou o rapper de Ourém para uma dimensão que este já vinha a visitar, mas nunca antes explorada com tanta profundidade. “Hamartia” faz parte do EP de estreia de Guire, canção que tem tanto de folclore futurístico como de fantasia medieval, muito por culpa da flauta transversal de Billy Verdasca (o que é que este homem não sabe fazer?) e do lirismo épico de Francisco Santos. Um encontro completamente oposto ao significado de hamartia — erro será deixar cair esta cantiga no esquecimento.
[Crate Diggs] “36” (ft. Mura & Wugori)
As hashtags “#drumlessbeats” e “#samples” que legendam “36” são as palavras-chave para descrever o que de melhor Crate Diggs sabe fazer. A solo ou em Soul Providers (dupla que divide com RakimBadu), o produtor da Margem Sul escolhe a dedo os rappers que vêm para acrescentar algo aos seus instrumentais já de si tão preenchidos, mesmo que a simplicidade seja o segredo que reza por baixo dos pads que estes dedos também escolhem. E na escolha de palavras, Mura e Wugori são dotados de semelhante visão sobrenatural, dois outros segredos bem guardados nesta trigésima sexta câmara sonora.
[playboi zuka] “OK”
Foi desvendada a parte 2 de VOID, um projecto protagonizado por playboi zuka mas que se estende a uma larga equipa reunida para este trabalho. “OK” vem confirmar o que ficou explícito em “MUTANTE”: a componente visual é cada vez mais determinante quando se cultiva uma estética já bastante explorada, e nesse aspecto Gabriel Gurgel tem conseguido transpor a sua visão. Não faltaram ainda referências na letra, desde Regula a Yuri NR5, num tema produzido por oseias. e rkeat, este que é apenas a segunda de seis faixas do EP em desenvolvimento. Estamos, por isso, a contar com mais quatro episódios audiovisuais.
[Kristoman & Real Punch] “Passas Mal”
Não há maneira de engolir as punchlines de Kristoman e Real Punch sem passar as passas do Algarve. O título desta faixa que os une serve de disclaimer para isso mesmo: eles não estão para brincadeiras frente ao microfone e deixaram o aviso à navegação por meio das barras que atiraram à vez sobre um beat igualmente intimidante de Darth Lxiv. E à semelhança do que se disse em relação ao destaque anterior, também a realização, aqui de YoClichê, elevou o tema uns furos acima neste tiro ao alvo.
[Vácuo] “Cavalo Puro”
Depois de contribuir, quer nas rimas, quer nas batidas, para o Megalowmano de Vácuo, Uno volta a produzir para o comparsa — e essa produção fez-se sentir suja e desconcertante por forma a casar com os versos cuspidos (a certa altura, literalmente) pelo rapper. Aqui puro só mesmo o rap.
[Nex Supremo] “Save U”
A partir do Fim do Mundo, o relato brutal que Nex Supremo faz em “Save U” deixa marcas logo à primeira audição. Mesmo para quem não tem o crioulo como língua-mãe, ou para os que se vêem totalmente alheios à realidade aqui contada, a mensagem não perde força e o desabafo do rapper da linha de Cascais apodera-se de quem o procura ou de quem o encontra por acaso — indiferente ninguém fica.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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