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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[Biex x Lois] “Tá no Gene”
Com Lois no scratch a riscar o próprio instrumental e Biex nos espaçados versos, “Tá no Gene” reúne estas duas caras conhecidas de Quarteira numa faixa com identidade dos clássicos. Rap para graúdos do hip hop, munido de comparações em linhas matematicamente compassadas – vem da raiz, ‘tá no gene…
[Reztrikto x Keso] “Esquinas de Ceuta (Remix)”
Voltamos à Avenida de Ceuta, que aglomera cada vez mais peões vindos de todos os pontos cardeais. Desta vez, o ponto de partida volta a ser o Algarve, e é Reztrikto quem sobe, “a passos largos, mas sem pés de meia”, para apresentar as suas quadras.
[Kyra] “Persas” feat. Má Vizinhança
Vindo das catacumbas, Kyra é dos que separa pop do que o underground acolhe. É essa capa que lhe assenta à medida, e é disto que se espera do subsolo do rap português. “Isto é bué alternativo (…) porque junta a cena do rap com o rock. Não é carne, nem é peixe” – mas é canção sem espinhas que toca no nervo. Venha daí esse álbum de indie rock com a Má Vizinhança, se Kyra se passar da marmita, desde que haja “UMRAP na casa para mandar abaixo o copo”.
[Damaz MC] “Páginas Soltas”
Depois do “shout out ao meu boy Damaz”, atirado por Kyra em “Persas”, é agora o próprio rapper quem escreve versos em “Páginas Soltas”, com batidas extraídas dos botões analógicos de Catalão, e ainda com Kyra a figurar no videoclipe. De Busta Rhymes a MF Doom (impresso na t-shirt do protagonista da faixa), do Diluva a Tom, o livro do hip hop foi estudado, e Damaz MC procura agora uma página sua nesse legado encadernado.
[Cintia] “Shooters” feat. Tiller
Desta vez, é Cintia quem toma posse dos sons afro que têm conquistado o panorama nacional. Com Franklin na produção, a baralhar os dados através de teclas e cordas, “Shooters” atira ainda a vibrante participação de Tiller, num tema com elementos para agradar ouvidos de várias bandas.
[MGDRV] “DÁ-ME TEMPO (REMIX)” feat. Nástio Mosquito & Drupez
Chegou o remix de “Dá-me Tempo”, tema dos MGRDV, que conta agora com as quotas de Nástio Mosquito e Drupez no instrumental de Apache. O cenário continua a girar, com os convidados às voltas na faixa e a virar tudo de pernas para o ar. Se é para mexer no que já estava bem arrumado, que seja para trocar as voltas sem perder o norte. Missão cumprida.
[B Quest] “Altitude” feat. Cálculo
Mais um combate de B Quest, com direito a transmissão comentada por repórteres de um qualquer Telerural, numa luta de punchlines com vários sentidos mas direcção única. Cálculo ainda oferece um refrão tardio, a terminar a faixa, apesar de aparecer desde o início, tanto em grande plano como nos bastidores. O vencedor, adivinhe-se, foi o rapper da BCLNESSASHIT que subiu ao ringue das rimas.
[Each1] “O Lino apaixonou-se”
Já estão disponíveis “As Aventuras do Lino” no canal de Enigmacru, dividas em três episódios: “Lino Gordo”, “O Lino foi às putas” e “O Lino apaixonou-se”. Foi neste grand finale que Each1 deu asas à pena para se perder na própria história escrita. Com uma entrega poética característica do velho Porto, é sobre o igualmente imersivo instrumental que Lino faz dos versos chave-mestra para abrir corações: o seu e os nossos. E “sem explicação, esta emoção mudou-me eternamente”.
[Mad] “Pokémon”
Por cá, o drill continua a ganhar força, muito por culpa dos suspeitos do costume. Esta semana é Mad quem dá cartas em jogo servido por DJ Dadda. Mais uma encomenda pesada com selo 283, expedida por correio azul. As cores não enganam…
[Uput] “Ossículos”
As novidades voltam a Évora, em mais um lançamento do ainda vivo Sistema Intravenoso. Mais uma vez, é DJ Sims quem cura as batidas, enquanto Uput quebra “Ossículos” com barras que colam na parede como os autocolantes dos donos do corredor no cacifo.
[Escalpe] “Thomasin”
A torre finalmente tombou, e um “E” de Escalpe preencheu os visores das vítimas de olhos vidrados nos ecrãs. Em dia de bruxas, os três bodes falaram pela “Thomasin” neste filme de terror, e deram a primeira machadada daquela que se espera ser a maior chacina lírica em plena pandemia – “(Que lindo.) Cenário perfeito (…)”, já dizia um certo “Ingrato”.
Culpado por fazer as camas sobre as quais Nerve e Tilt derramam sangue das canetas, Il-Brutto foi (O) escolhido para anestesiar os ouvidos dos escalpelizados, e “aqui o beat serve p’a te ir à tromba tipo que exploro marfim”. Mas os elefantes na sala são os dois rappers, e mesmo já sem os dois dedos de testa, torna-se difícil não reconhecer a presença de cada um nos devidos tronos, acima de qualquer Beatle – “como nunca viste um ídolo”.
[Mundo Segundo & Sam The Kid] “Deixar de ser” feat. New Max
Se acima falámos de quem não tropeça em tubarões enquanto caminha nas águas, agora são esses mesmos tubarões que vêm à tona para relembrar quem reina nestes mares.
Em fim-de-semana de circulação limitada, não faltaram motivos para ficar em casa, e os dias de descanso terminam com mais um tema automaticamente qualificado para os anais do rap nacional. “Deixar de ser” conta com uma lista de créditos invejável, desde DJ Guze, Dj Cruzfader, e Here’s Johnny aos protagonistas Mundo Segundo, Sam The Kid e New Max.
Como se o verso em “Body” não bastasse para se distanciar na pole position de 2020, Samuel Mira arranca agora em nova faixa deixando para trás qualquer concorrente na mesma pista. A dupla com Mundo Segundo está oleada como nunca, e nos poucos segundos de paragens há espaço para os inconfundíveis refrões de New Max. Assim, até parece fácil: “É só fazer”…
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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