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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[Mafia73] “Nuvem”
A Mafia73, colectivo seriamente promissor no cenário cada vez mais concorrido do hip hop nacional, tem vindo a elevar a própria fasquia, e “Nuvem” é um ambicioso tema que, além da quota de Tóy Tóy T-Rex, o membro com maior destaque, conta ainda com as participações dos elementos do grupo, todos eles claramente distintos e com os seus trunfos prontos a sair disparados das mangas dos casacões usados na estância (repleta de neve) que foi palco deste assalto.
[Kaps] “Caixão”
Superbad all day é a oração. A turma juntou-se para o cortejo fúnebre: Here’s Johnny tratou de embelezar o “Caixão” carregado por Holly Hood, Fumaxa, Migz e Rubik – um em cada ponta. E Kaps foi simultaneamente o carrasco e o condenado num tema de cortar à guilhotina.
O rapper de Paço de Arcos afirma-se cada vez mais como uma das caras principais da Superbad. Numa linha desenhada sem rasto pelo O Dread Que Matou Golias, Kaps tem sido dos poucos (se não o único) a correr lado a lado com o MC e produtor da Linha da Azambuja pelos mesmos caminhos mas com a sua passada própria.
[Lazy X Smélio] “Descumprimento”
A À Socapa Records tem novidades: Lazy e Smélio voltaram a trocar versos em “Descumprimento” – faixa produzida por Beatscuits – depois de juntos terem lançado, no final de 2020, À Socapa, o EP que oficializou esta parceria que já vinha a dar cartas em temas soltos. “Descumprimento” é rap descomprometido desde a forma como começa a canção até aos diálogos entre versos; dessa simplicidade nasceram rimas, batidas, flows e melodias contagiantes ao nível dos movimentos cervicais – “vai tudo ao cachaço”.
[Trapa] “XI”
“XI”, com produção de Muddy Waves, é o primeiro avanço do novo EP de Trapa, Esgotamento, a estrear em Maio, depois de um regresso aos projectos assinalado em Sinais Vitais, curta-duração editado no primeiro mês deste ano.
O rapper das Caldas da Rainha, que se destaca pelo poder da punchline, continua a mostrar vigor nesse registo, e neste single do seu próximo trabalho pegou no tripé e no microfone e fez da serra o recinto da sua actuação – por isso é que hoje não o apanhamos onde queríamos.
[Vlad] “God”
O rap de Vlad está a aprimorar-se gradualmente, e em “God” o rapper fez questão de referenciar alguns dos principais nomes que inspiram as suas linhas (líricas e melódicas), tais como “Holly” e “Prof”, dois dos mais influentes rappers para as novas gerações. A produção de NetuH deu espaço para Vlad explorar diferentes flows, em que uns funcionam melhor que outros. Mas é preciso experimentar para descobrir, e nesse sentido Vlad está no caminho certo; só tem de continuar a percorrê-lo, que a jornada ainda é longa.
[Tchapo] “Bo ki sabi” ft. Landzs & Sebeyks
As palavras iniciais de Tchapo em “Bo ki sabi”, sobre o loop circundado por Crazy cribs, convertem qualquer descrente no rap crioulo, e as batidas tipicamente boom bap alavancam os versos conscientes do próprio, de Landz e de Sebeyks. E ao que tudo indica estamos perante uma miragem do próximo álbum de Tchapo, Conteúdo Problemático, dividido com Sebeyks.
[br!sa] “Para ti” ft. Uno
Rap underground cantado por vozes femininas é sempre algo a assinalar, não só por ser registo esporádico, mas também, e sobretudo, por receber pouca atenção – até para a já reduzida importância que se dá a este circuito sombrio, no geral. “Para ti” foi oferecido por br!sa e abrilhantado por Uno nas rimas e batidas. É a rapper quem começa a partida, mas deixa o aviso sobre o experiente e qualificado MC: “se queres acabar com o jogo vamos ter de ouvir o Uno”.
[Otto x DoisPês] “Soldado Romano”
As produções de DoisPês viajam pelos sótãos do globo através de ondas sonoras dos ditos “lo-fi-chill-beats”, mas o produtor do Porto não se fica pela mera recriação de type beats e no seu reportório exportado além-fronteiras há pérolas escondidas no baú do soulful profundo e verdadeiramente melancólico. Juntem-se esses sons açucarados aos versos devaneantes do “Soldado Romano” Otto e o resultado é mais um fruto da árvore – plantada no SoundCloud e regada pelo YouTube – de rebentos a brotar no rap alternativo português.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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