Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça. Por dentro e por fora.
[Cíntia] “Tou Fora”
A receita secreta do enigmático Heisenberg pouco lhe serviu em matéria de amor, mas a fórmula de Cíntia, assente nos mais fundamentais princípios da química, parece surtir efeito junto do consumidor final. E esses indícios não se circunscrevem apenas a este ainda fresco “Tou Fora”, antes têm vindo a verificar-se desde que a MC de Loures entrou em cena com “Grana”. O que parece ter mudado desde então são os tais detalhes e ajustes na solução que tanta adesão tem tido.
[Chek1] “Sinais”
Em “Tinder”, Chek1 deu sinais de que nem só de rap a la Enigmacru se virá a compor o seu reportório. Já em “Sinais”, é de volta a esse registo característico que o voltamos a ouvir, de regresso aos lançamentos a solo para revelar a faixa homónima do disco que se prepara para editar em nome próprio. Curiosa a forma como o rapper e produtor do Porto se tem desdobrado em diferentes facetas no último ano, com particular destaque para a ponte que subliminarmente parece existir entre “Genesis” e este “Sinais” — desde o tom soturno aos graus de parentescos visados: de “É simplesmente muito complexo, pai, eu juro” a “Quando a minha mãe tosse, imagino a morte”. São só sinais…
[Il-Brutto] HADES II
Mais simbólico não poderia ter sido, não fosse Il-Brutto um valioso representante de um círculo muito restrito de rappers e produtores que alimentam esta lado negro da força. Serviu o Dia das Bruxas para invocar o deus da Morte em vésperas de finados: HADES II, por sinal, materializa-se em nome de duas temíveis figuras, que dão título às faixas protagonizadas por Kroniko, El Loko e Jack Crack — “Freddy K.” e “Guzmán”, com as respectivas versões instrumentais, compõem o novo trabalho do produtor que este ano editou o seu álbum de estreia, onde, não por acaso, dois destes três intervenientes também intervêm.
[Lazy] “Quem diria”
Roda o disco e toca o mesmo. Ou não — dependendo da perspectiva. Toca o mesmo à letra, sim, porque é Lazy na voz e Beatscuits (que é como quem diz o próprio Lazy) no instrumental, igual a si mesmo. Agora, sendo realmente igual a si mesmo na dupla faceta que assume, o rapper e produtor portuense está longe de cair nos seus próprios lugares comuns na hora de apresentar novas ideias. Mais, é precisamente nesse equilíbrio que se vai renovando sem se perder. Quem diria que sermos fiéis à nossa identidade não implica estagnação…
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)