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Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[saraiva] Mais Um Ano
Agora, sim: o ano que passou dá-se, por aqui, completamente fechado. Mais Um Ano faz essa transição, já que o produtor saraiva iniciou trabalhos no final de 2022 e terminou-os no início de 2023. O resultado, esse, foi um álbum com uma série de ilustres convidados, que inaugura o registo de produções do underground nacional da melhor forma. Pestana, Pibxis, Mura, Johny Malibz, Farrusco, Animal, Cevas, Jaime Miguel, Uno, Benny B., B.ifes, Chapz, Rub — e ainda maybe, Ducer e Crate Diggs nas batidas, e DJ Riscólado nos riscos —, fizeram obra, juntos, num mês. Aguardemos com entusiasmo pelos próximos onze.
[Lazy] “Indiferente” (prod. Beatscuits)
Os envolvidos são os do costume: À Socapa Records no carimbo, Smélio não a cantar mas a assinar o artwork que ilustra o single, e Beatscuits na produção — que é como quem diz Lazy no instrumental. O rapper e produtor do Porto muda o nome consoante a função, mas não se revela “Indiferente” em nenhuma delas. Para quem procura aquele rap bem sentido à boa moda — renovada — do Porto, ele está mesmo aqui. Na muche.
[PESTANA X BIGFATBOY] “CABALA”
FACETAS foi o resultado do encontro — de Almada a Vila Real — entre o rapper Pestana e o produtor BigFatBoy. O EP composto por quatro temas contou ainda com as participações de Tiz (na voz, além da mistura e masterização), Nicola Scalise (no violoncelo) e André Lousa (na guitarra). O mote do projecto passa por “viagens sonoras entre Trás-os-Montes e Margem Sul em quatro sons que tentam retratar várias facetas do humano”, e “CABALA” apresenta-se como a faceta de eleição da voz principal deste trabalho conjunto.
[toGod] “CORRIDA”
Os primeiros indícios, ainda sem palavras formadas, da passada de toGod em “Corrida” não são os mais prometedores. Mas a surpresa cedo se manifesta, precisamente pela forma como o artista se faz à pista por caminhos já trilhados por muitos, desprendendo-se, porém, dos elementos que traz consigo — a cadência das batidas, o uso do auto-tune ou, até, um timbre e uma entrega a fazer lembrar Trista. Como se, apesar de todas os prognósticos à partida, nos convencesse a cada metro de que vale por ele próprio.
[ENOCK] “A ROSA”
À semelhança da última entrada destacada, também ENOCK soube abordar em seu proveito um registo que teima em criar resistência em muitos ouvidos. O valor de “A ROSA” está, por isso, nesse equilíbrio que se procura no conceito de “canção orelhuda”: pode sê-lo por boas ou más razões — e esta é das que se cheira.
[Apollo G] “Focado” (prod. Kyo)
O trabalho feito por Apollo G em solo britânico continua a fazer eco por cá, e “Focado” é mais uma prova dessa dedicação. Mas o novo tema do rapper nascido em Queluz evoca, também, as suas raízes cabo-verdianas, que se sentem na forma como canta frases como “Sa foda pa bó, n’sa buska diméu/N’sa buskal manenti yeah/Kuántu dam fakáda pa kósta/Pa bála, kafikába nha frenti yeah” — uma força que se sente na voz de quem “bem di báxu pa subi”.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)
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