Se o rap nasceu para resistir e lutar, não há força da natureza que o extinga. Aqui o bicho só se manifesta nas rimas e batidas, e os nossos soldados não baixam canetas nem no pior dos cenários.
De semana em semana, há novas linhas por decifrar, novos sons por escutar, novas dicas (*) para encaixar. Seja em português ou em crioulo, do masculino ao feminino, desde as maiores estrelas nacionais aos mais anónimos rappers de sótão, do trap ao drill, há espaço para tudo o que nos faça abanar a cabeça, por dentro e por fora.
[X-TENSE] “MIXEDFEELINGZ”
“MIXEDFEELINGZ” chegou entre “BALBOA” e “BAL4DA 2UM AR0XO”; ou entre a força e a fraqueza. O ciclo de três singles lançados numa semana fecha a primeira parte de Nuno, o novo trabalho de X-Tense, que, como se espera do autor de Rosa Dragão, é um livro aberto. As dúvidas que expõe, as falhas que revela, os medos que confessa. Tudo isso está bem presente nos seus temas, mesmo quando a abordagem é mais satírica ou mais romântica. Mas em “MIXEDFEELINGZ” desvanece esse limbo entre as personagens que volta e meia X-Tense encarna, consoante a narrativa que quer replicar, e volta a um tom que lhe conhecemos tremendamente sóbrio, com uma mensagem tudo menos ambígua, mesmo que o pareça.
[YOUNGSTUD] O MAL
Acabado de chegar à casa dos 30, Youngstud volta aos mini-EPs de dose dupla: quer pela composição do projecto, com apenas dois temas, quer pela dualidade do rapper e produtor, entre a escrita e a produção. Genericamente, O Mal revela-se, novamente, rastilho para Youngstud ajustar contas com a consciência e dar azo à criatividade para encontrar diferentes formas de expurgar os mesmos males. E nessa matéria, em que as lutas interiores servem de base para toda a criação, continua a não haver quem o faça com a sinceridade e o engenho deste artista, apesar de tudo, incansável.
[BADAN + PESTANA] “MALAGUETA”
A proposta de “Malagueta” é inusitada, diferente do espectro que habitualmente por cá aparece. Mas o que BADAN e Pestana têm, aqui, para oferecer tem tanto de afrodisíaco como de tóxico, dependendo das quantidades aplicadas. Até Geta entornar o caldo e apurar os sabores de parte a parte…
[Il-Brutto, Maior Major] “Primogénitto”
À superfície, Il-Brutto pode ainda passar despercebido. Mas ter no currículo parceria formada com NERVE e Tilt ou a exportação de beats para figuras firmadas e em ascensão no underground nova-iorquino é mais do que suficiente para depreender, mesmo sem conhecer, o calibre da sua produção. Deste lado, ouvido e confirmado. Já Maior Major, de certa forma discípulo de uma escola purgada pelo autor de Auto-Sabotagem, aparece como “Primogénitto” nesta linhagem de temíveis escribas. Ainda assim, o traquejo desgovernado deste Major permite-o enquadrar-se em campos indefinidos, sobretudo pela forma suis generis como expressa verborreia por cima de instrumentais. Dos tresloucados, de preferência. A especialidade de Il-Brutto, portanto.
[Apollo G] “Twins”
Desde que vimos Apollo G montado a cavalo em “Tudo Pago” (precisamente na semana em que se celebrou um ano de existência desta coluna), a vontade de o ver novamente a cavalgar batidas cresceu exponencialmente. Mas esse regresso às novidades levou quase um ano a concretizar-se, e acontece num cenário bem diferente. Com Londres em pano de fundo, o rapper imigrado continua a fazer valer o seu afrotrap de lá para cá e de cá para lá. Da libra ao euro, vale sempre o mesmo — que é muito.
[SleepyThePrince] “NO POINT”
SleepyThePrince tem surgido como um nome novo neste panorama que aqui se acompanha, mas a verdade é que o homem do capacete já conta com alguns quilómetros de estrada nestas vias, e não os tem percorrido apenas através de singles. IN MELANCHOLIC DREAMS 3 é já o terceiro capítulo de uma saga que teve ainda High Desde o Começo pelo meio. “NO POINT” foi ponto de partida para o seu novo álbum em que o artista procura afirmar-se num registo onde a identidade própria é determinante.
[Tilhon] “Toma Nota” ft. Timor YSF
A colaboração entre Tilhon e Timor YSF é mais uma daquelas que só parece improvável até acontecer. “Toma Nota” é mais um hino descomplicado e direccionado para as ruas. Entre a dureza de um e a maleabilidade do outro, a mensagem é muito simples. E nem é preciso tomar nota; entra facilmente.
(*O título da nossa coluna, Dicas da Semana, inspira-se num clássico de Biru)