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Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 22/07/2021

Rap e rock chamados à recepção.

Que Jazz É Este?’21 – Dia 1: de Mac Miller a Frank Zappa sem sair de Viseu

Fotografia: Luís Belo
Publicado a: 22/07/2021

Arrancou ontem em Viseu a 9ª edição do festival Que Jazz É Este?, iniciativa promovida pela Associação Gira Sol Azul que propõe um outro pulso para esta cidade milenar. Ao longo de cinco dias — e depois de uma complexa gestão de alterações, tal como sublinhado por Ana Bento, uma das mentes e dos motores desta aventura –, o festival que este ano inclui no seu cartaz nomes como Golpe, Vessel Trio, Femi Temowo, Orquestra de Jazz de Espinho & Mário Costa ou Carapaus Afrobeat começou sob os auspícios do hip hop com os jovens InnerVille.

Trata-se de um colectivo que tem à frente o vocalista Gabriel Soares e, na sua rectaguarda, uma competente banda formada por Rafael Santos na guitarra, António Cardoso no baixo eléctrico, Gonçalo Ribeiro na bateria, Hugo Silva no trompete e José Pedrosa nos teclados. A menos que as máscaras enganem muito, as idades devem rondar os 25 anos…

A proposta dos InnerVille é simples: pegar nas assinaláveis capacidades técnicas dos instrumentistas, na segura presença e voz do vocalista e temperar os seus (ainda) parcos originais com versões de matéria oriunda do universo em que recolhem a sua mais clara inspiração — o hip hop.

Desta forma, não se pode dizer que a escolha para primeiro tema do seu algo breve alinhamento não tenha sido surpreendente: “Suede”, peça do álbum em que Anderson Paak uniu esforços com o produtor Knxwledge, Yes Lawd!, pérola do catálogo da Stones Throw assinada como NxWorries, soou credível no espaço exterior da verdadeira instituição viseense que é o Carmo’81, com a voz de Gabriel Soares a aguentar o embate das nuances do inglês americano com pronúncia que poderia passar por genuinamente californiana. Só um ligeiro problema: há uma certa palavra começada por “n” que não tem na sua entrega o mesmo peso e significado que a ampara quando é cantada pelo senhor de Malibu. A corrigir…

A escolha de reportório dos InnerVille é bastante curiosa e denota conhecimento e talvez até estudo profundo desta cultura — quando se dirige ao público, o vocalista Gabriel Soares dá muitas informações sobre cada tema que a sua banda aborda, da data de edição do álbum original a algumas curiosidades sobre o intérprete original –, facto que ajuda a explicar o impecável bom gosto – e arrojo e coragem – em abordar matéria de D’Angelo, De La Soul, Common, Erykah Badu ou Mac Miller: “pronto, nesta teve que ser o nosso guitarrista a fazer a parte do Thundercat no original. O Thundercat é baixista…” O resultado é agradável, claro, e a banda aguenta o embate com cada um dos temas, com espaços para cada um brilhar individualmente e até para o baterista trocar o seu kit acústico pela MPC, com total segurança e domínio.

Claro que os InnerVille intercalaram as versões com alguns originais, incluindo a sua única malha editada até agora, “Inversion”, que teve honras de fechar o alinhamento. O que se espera é que a balança do reportório comece a tender mais para o prato dos originais porque a julgar pela amostra há aqui substância capaz de garantir futuro.

O segundo e último concerto do primeiro dia de Que Jazz É Este levou o trio MAU de Miguel Ângelo, contrabaixista, Mário Delgado, guitarrista, e Mário Costa, baterista, até aos bonitos claustros do Museu Grão Vasco para a abordagem ao álbum Utopia, editado na Carimbo Porta-Jazz em 2019 (o álbum conta com o guitarrista Miguel Moreira, não com Delgado). 

Trata-se, pois claro, de um triângulo de pesos-pesados da nossa cena jazz, três músicos de elevadíssima qualidade que nesta apresentação intercalaram momentos de absoluta contemplação, quase ambientais, com o contrabaixista a espalhar traços harmónicos de beleza orquestral que serviam de “cama” para subtis pinceladas dos seus companheiros, com outros de perfeita combustão rápida, explosivos e complexos, com a electricidade da guitarra “hollow body” de Delgado a disparar faíscas por todo o lado, soando o trio, a espaços, como uma espécie de versão cubista dos Pink Floyd e, noutros momentos, como a redução ao essencial das passagens mais delirantes da obra de Frank Zappa, conseguindo muito naturalmente empolgar o público com as “rajadas” mais rock feitas de grooves frenéticos impostos pelo pulso mais do que seguro de Mário Costa. Bonanças, primeiro, tempestades depois.

Bonita a passagem por “Éden”, tema em que os três músicos circulam de forma compenetrada em torno das palavras gravadas de Agostinho da Silva. Deu também para Miguel Ângelo, visivelmente animado, contar a história de uma das suas composições ter originalmente o título “Cimbalino”, pensado como uma homenagem a outro contrabaixista, “de nome Bica”, e para passarem em revista as peças de uma Utopia que rende um bem real e sólido espectáculo. Aplausos veementes no final mais do que merecidos.

Hoje é dia para Elisa Rodrigues (ao lado do guitarrista Feodor Bivoli) e para o Carlos Peninha Quarteto (com os grandes João Mortágua no sax, Leandro Leonet na bateria e, uma vez mais, Miguel Ângelo em contrabaixo a secundarem o líder guitarrista) brilharem na Casa do Miradouro com espectáculos a acontecerem, respectivamente, às 19h00 e 21h00.

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