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Publicado a: 02/06/2018

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[TEXTO] Manuel Rodrigues

No passado dia 25 de Maio, Pusha T deixou uma embalagem à porta de nossa casa, com um conteúdo transversal a todos os destinatários. Havia, porém, no seu interior, um item explosivo guardado para uma morada apenas, a de Drake. “Infrared”, canção que encerra o novo álbum de Pusha T, reacende o desentendimento entre os dois rappers, que já vem de trás, dos tempos de “Exodus 23:1”, “Tuscan Leather” , “H.G.T.V.” e “Two Birds, One Stone”, com Pusha T a acusar novamente Drake de recorrer a ghostwriters para os seus temas. Dos estilhaços dessa bomba nasceram “Duppy Freestyle” (através do qual Drake questiona a legitimidade das rimas relacionadas com o tráfico de droga de Pusha T) e “The Story of Adidon” (onde o rapper americano, entre outras, acusa o canadiano de manter um filho secreto com uma actriz pornográfica). Tudo muito pessoal, portanto.

A guerra acesa parece, no entanto, desviar as atenções de um ponto essencial: o facto do álbum de Pusha T ser merecedor de especial destaque.

Daytona transpira Kanye West por todos os seus poros. No campo da produção, a ligação é óbvia. Todos os instrumentais sem excepção recorrem à mão do prestigiado artesão de Chicago, mestre na manipulação e reinterpretação dos samples e com uma assinatura própria na batida. Tome-se o exemplo de “The Games We Play”, que encontra o seu centro gravitacional nas guitarras de “Heart N’ Soul” dos Booker T. Averheart, uma banda soul dos anos 60. O excerto foi propositadamente desacelerado (para além de aparentar ter sido regravado) e repousa sobre ele uma bateria bamba, suficientemente lassa para se integrar no loop existente, que também ele goza de uma cadência própria.

Em “Come Back Baby”, Ye pede emprestadas as vozes de “The Truth Shall Make You Free”, dos The Mighty Hannibal, e de “I Can’t Do Without You”, de George Jackson, num novo exercício ímpar de corte e costura. Já no final, é a vez de “Infrared”, o tal tema que realimenta a desavença com Drake, usar e abusar de um trecho de “I Want To Make Up” dos The 24-Carat Black. O resultado é brilhante e serve Pusha T na perfeição, que não se mostra rogado na hora de pousar os seus versos nas bases criadas pelo génio de West.

O conceito de Daytona é também fruto da mente do homem de The Life of Pablo. A curta duração do álbum – 7 músicas num total de 21 minutos – baseia-se num ideal de que um percurso curto e intenso consegue impressionar mais o ouvinte do que uma caminhada longa e enfadonha, como serve de exemplo o disco Views do artista de Toronto, que conta com um total de 20 músicas, nem todas resplandecentes. Com esta política, Kanye West (que repete a fórmula no seu trabalho em nome próprio, lançado no decorrer do dia de ontem) procura condensar a maior quantidade de informação no mais curto espaço de tempo, de forma a capturar a atenção antes que esta desvaneça.

Daytona parece, na verdade, copiar o processo normal de um álbum de Kanye. Primeiro, no que diz respeito ao título. Inicialmente baptizado como King Push, o novo trabalho de Pusha T ganhou nova nomenclatura em vésperas do seu lançamento, um pouco à imagem daquilo que aconteceu com The Life of Pablo (So Help Me God, Swish e Waves foram os títulos que antecederam a decisão final). Segundo, nos campos da controvérsia, lugar onde West parece querer constantemente residir, consciente e sem qualquer remorso. No caso de Daytona, a polémica centrou-se logo na capa, que recorre a uma fotografia da casa de banho de Whitney Houston repleta de drogas, adquirida por Kanye West por $85.000 (qualquer coisa como €72.000).

A foto de Whitney Houston, tirada em 2006, alguns anos antes da sua morte (a artista viria a falecer em 2012, vítima de afogamento acidental na banheira, combinado com consumo de drogas), vem no seguimento de uma fase de dependência grave de toxinas, o que vai ao encontro de boa parte do conteúdo articulado por Pusha T no seu disco. Ou seja, Kanye West a fazer novamente o que lhe dá na real gana.

As próprias participações especiais aparentam seguir o conceito do álbum. Ao invés de tentar ao máximo concentrar tudo e todos na pequena sala colocada à disposição, Daytona conta apenas com a ajuda de Rick Ross, em “Hard Piano” (uma nova viagem pelo mundo do narcotráfico, polvilhada com os habituais problemas com a polícia) e, como não podia deixar de ser, Kanye West, em “What Would Meek Do?”, um tema com o mote “niggas talkin’ shit, how do you respond?”, onde as palavras “poop, scoop, whoop! whoopty-whoop!” constroem uma curiosa ponte entre Daytona e “Lift Yourself”, um não-tema lançado por Ye a 27 de Abril deste ano como resposta às criticas feitas por Ebro Darden no seu programa de rádio.

Daytona é, até à data, o melhor álbum de Pusha T, não só pela maturidade alcançada na construção das suas rimas, mas também pelo conceito desenvolvido, que, até ver, parece resultar. Kanye West está a dar o tudo por tudo para ser o homem do ano (pelas melhores e piores razões).

 


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