Puro L reservou os últimos tempos para celebrar o 10.º aniversário do seu primeiro álbum, O Último Mortal, editado em 2015. Tudo começou com a reedição em vinil, que entretanto já vai na segunda série e se encontra prestes a esgotar, e entretanto passou para os palcos.
A 1 de Fevereiro fez um concerto especial de 10 anos na sua cidade, Penafiel, apresentando-se perante novos e velhos conhecidos no Ponto C, a mais recente sala de espectáculos local. Amanhã, 7 de Março, ruma ao Tokyo, em Lisboa, com o mesmo formato — as músicas são apresentadas com novos arranjos, uma vez que em palco se encontra a guitarra de Gonçalo Fidalgo.
O Rimas e Batidas entrevistou o rapper sobre as celebrações (que prometem não ficar por aqui), a nova formação ao vivo e a música nova que está a caminho.
Houve algum motivo específico que te tenha levado a querer assinalar os 10 anos do teu primeiro álbum, O Último Imortal, com a reedição em vinil e neste arranque do ano com estes concertos?
Foi quase um efeito em catadupa, em que uma coisa acabou por levar à outra. Ou seja, isto começa quando lanço, em 2022, o meu álbum O Monge de Wall Street — em que me apercebo, à medida que vou vendendo o álbum, de que felizmente muita gente mostra amor e apoio ao meu trabalho, e vai mantendo a chama viva e a fazer com que tudo isto continue a fazer sentido, mas não só mostraram muita vontade de ter a versão física como me iam sempre perguntando: “Então e O Último Mortal em vinil, quando é que isso sai? Estou disposto a adquiri-lo seja qual for o valor”. Cheguei a ter umas ofertas maradas de valores fora da caixa para ter o disco em vinil e aquilo foi-me ficando no subconsciente. Obviamente, depois começo a perceber que há uma tendência grande do mercado e há cada vez mais procura por esse formato. Às páginas tantas, apercebi-me de que em 2025 o disco fazia 10 anos e que por isso fazia todo o sentido. Por volta de Agosto ou Setembro do ano passado começámos com o trabalho de produção do vinil, depois à medida que fui falando do vinil a outras pessoas, a malta vai espicaçando: “Ok, vais fazer o vinil, agora tens de levar isso outra vez para a estrada e voltar a tocar.” Uma coisa acabou por levar à outra. Com O Monge de Wall Street surge o disco de vinil, com o vinil surge a vontade de fazer o concerto, agora com os concertos já estamos a fazer também uma nova peça de merchandise, neste caso roupa, e também tem corrido muito bem. Por isso, há uma energia fixe à volta deste disco e tem feito todo o sentido continuar a celebrá-lo. Agora vamos para Lisboa e espero que não acabe já por aqui, à partida não irá acabar.
Fizeste o concerto em Penafiel, a tua cidade, e foi o primeiro evento e performance organizado e pensado de raiz por ti. E também fizeste um formato live diferente, a apresentar as músicas com roupagens distintas.
Eu sempre fugi a sete pés — e continuo a fugir, se bem que cada vez menos, porque ao mesmo tempo gosto de fazer acontecer — de organizar eventos. Sobretudo pelo risco financeiro que envolve, de te dispores a reservar uma sala e a venderes tu os bilhetes e a fazeres toda a promoção. Houve ali uma altura, principalmente aquando do lançamento d’O Último Mortal, em que tocámos bastante. Mas, felizmente, sempre de uma forma orgânica. Ou seja, éramos convidados para eventos, festivais, festas em escolas, queimas das feitas… Era um lugar muito mais confortável, se bem que sempre tive no meu subconsciente que gostava de ter uma festa idealizada por mim. Entretanto, tivemos há cerca de cinco meses a abertura em Penafiel do Ponto C, uma nova casa de espectáculos na cidade, com todas as condições e com uma equipa técnica e direcção artística com uma visão grande de apoiar os artistas locais e de estimular a que aconteçam aqui coisas diferentes daquilo que é a programação regular do teatro. Juntou-se o cocktail ideal. “Ok, tenho um mote porreiro para fazer isto; tenho um espaço que está disponível para receber o evento e correr este risco comigo.” E felizmente tive pessoas, falando da Mary Jane e do Chek1 e de toda a sua equipa, que se predispuseram a fazer parte do evento e acho que fizemos uma festa muito fixe. Aquilo esgotou em quatro ou cinco dias, foi a primeira festa de rap no novo teatro. E eu que sou de Penafiel, não me lembro de ver uma festa de rap nestes moldes na cidade. Pelo menos nos últimos 15 anos não aconteceu de certeza — só quando eu era muito miúdo é que alguém pode ter feito uma maluqueira dessas, mas acho que não. Ou seja, sem ser uma festa académica que tenha um rapper a tocar; uma festa organizada dentro da cultura, em que as pessoas vão para um espaço ouvir um cartaz só de rap durante quatro horas e estão ali só para aquilo. No fundo, aquilo que já acontece em qualquer grande cidade há vários anos — em Penafiel nunca tinha acontecido, por isso obviamente também há um orgulho especial de ter feito acontecer nesse sentido. Não fiquei com especial paixão por organizar eventos porque, de facto, é muita burocracia, muita pressão, muita preocupação…
Mas também te deu gozo.
Sim, depois claro que pões tudo na balança e correu bastante bem. Sobre o novo formato live… O último espectáculo que eu tinha feito tinha sido no Natal do Marginal de 2023. Na altura fomos ensaiar a uma sala de espectáculos em Espinho e a pessoa que nos estava a abrir a porta e a proporcionar o acesso à sala de ensaios era um guitarrista que, meia volta, durante o ensaio, pegava na guitarra e começava ali a acompanhar um pouco o que estávamos a fazer. Já não fomos a tempo de aplicar aquele formato live no Natal do Marginal, mas ficou ali o bichinho… De facto a guitarra, e o Gonçalo Fidalgo que é quem a domina, dá um brilho especial às músicas e a roupagem faz com que as músicas pareçam novas ao vivo. Também tivemos muito esse feedback no concerto de Penafiel. Apesar de estarmos a revisitar um álbum com dez anos, dá a sensação para quem está no palco — e acho que também para o público — de que se está a ouvir algo novo. Isso também dá uma pica extra.
A refrescar temas que já levam uma década de vida.
Mesmo a minha abordagem em termos de musicalidade, de harmonias, aquilo leva-nos a viajar por sítios um bocadinho diferentes. Abre algumas possibilidades de termos só sons acompanhados de guitarra. Modéstia à parte, acho que montámos um live bem conseguido.
E este registo mais acústico já era algo que te agradava? Ou nunca tinhas pensado muito sobre isso até àqueles ensaios em Espinho?
Sim, o meu sonho sempre foi tocar com banda. E acabo por dizer isso nalgumas músicas, que num cenário ideal se calhar nem era rapper… A minha família tem muita história ligada ao rock e ao metal. Cresci sempre num ambiente de ver primos meus a tocar com bandas de garagem e tudo mais, então a minha cena sempre foi muito para ali. Depois acabei por me expressar mais dentro do universo do rap e a forma mais fácil de te começares a apresentar ao vivo é com DJ e back vocal.
É mais acessível, claro.
Sim, em todos os aspectos acaba por ser mais fácil e é a solução mais imediata. Mas sempre tive o feedback de “as tuas músicas funcionavam bem era com banda”, porque também têm uma parte muito harmónica. Por isso, também estou contente porque acaba por ser um primeiro passo nesse sentido. Não estamos ainda com banda, mas já estamos com mais qualquer coisa. E, atenção, eu adoro o formato de DJ e back vocal e não é fácil fazê-lo — apesar de ser fácil executar, não é fácil fazê-lo bem feito, também tem os seus desafios. Mas ter instrumentos em palco traz uma energia diferente, visualmente é diferente, acho que o público também sente ali uma reverberação de um elemento extra que dá uma envolvência diferente ao espectáculo.
E foi mesmo o facto de ter corrido tão bem em Penafiel que te levou a querer actuar em Lisboa?
Eu já tinha idealizado que não gostava de fazer só um espectáculo em Penafiel. Chamada puxa chamada e acabou por surgir um convite para organizarmos uma data em Lisboa, com todo o risco que isso acarreta, porque infelizmente nunca tive uma passagem muito recorrente por palcos em Lisboa. Acho que toquei uma ou duas vezes — três, se contarmos com uma ida a um programa de televisão; e se considerarmos que a Ericeira faz parte ali da zona, também estive lá para o Sumol Summer Fest, mas infelizmente nunca tive uma presença muito assídua na capital. Portanto, óbvio que é um risco que assumimos, mas estamos contentes com a adesão que temos tido ao nível da bilheteira e estamos prontos para fazer uma boa festa. Obviamente, faz sempre parte do teu cenário ideal apresentares-te na tua cidade. E também queria marcar o statement de: estamos a meia hora do Porto, portanto é perfeitamente acessível para a malta do Porto vir conhecer outras cidades e descentralizar um bocadinho nesse sentido. Mas, neste caso, também levar o meu espectáculo à capital, que tem um interesse diferente e é sempre especial podermos fazê-lo. Portanto, acabava por estar sempre no meu subconsciente fazermos em Penafiel e em Lisboa. E também em mais cidades — mas para já não está anunciado.
Vivemos numa era em que o consumo de música é muito rápido e desapegado. Sentes que este tipo de celebrações também são importantes para recuperar músicas que não são novas mas que podem ter uma vida passados 10 anos? Lá está, que não têm de ficar guardadas no passado, no baú. Mesmo que essas músicas continuem a ser muito ouvidas no Spotify, no YouTube, no CD ou em vinil — mas é diferente quando têm uma vida em palco no presente, quando têm esse destaque.
Sem dúvida. E, querendo ou não, pelo menos é aquilo que eu sinto — embora haja cada vez mais artistas a conseguirem sustentar uma carreira com base no streaming —, e apesar de hoje em dia não estar com o ritmo de concertos que já tive no passado, é que sempre que apareço ao vivo, há sempre um conjunto significativo de pessoas que diz: “Não conhecia a tua cena, apanhei aquilo que estavas a fazer e agora estou colado no teu disco e quero de alguma forma apoiar o teu percurso e gostava de saber se ainda tens aquele disco”… Por exemplo, tenho o Old Fashion esgotado e há pessoas que o querem adquirir depois de terem visto O Último Mortal a ser apresentado ao vivo. Claramente, levares para a estrada um disco que pode até já ter 10 anos, mas o facto de as pessoas terem oportunidade de o ouvir ao vivo, com uma energia diferente, se calhar vão-te redescobrir, procurar saber um bocadinho mais sobre ti e as músicas voltam a ganhar nova vida. Aliás, 2024 foi o meu melhor ano, até agora, no Spotify — inexplicavelmente, porque não fiz nada para que isso acontecesse. Mas significa que as músicas continuam vivas e a fazer sentido para algumas pessoas. Também fico contente porque parece-me que a minha escrita — e não é algo que faça de forma propositada, é natural — pode perfeitamente perdurar no tempo e vai sempre fazer sentido para alguém, pelo menos numa determinada fase da vida. Há coisas que escrevi há 10 anos que já não são aquilo que eu penso no dia-a-dia, mas tenho a perfeita noção de que alguém que tenha a idade que eu tinha naquela altura provavelmente vai debater-se com as mesmas questões. Acho que as músicas sobrevivem muito bem ao tempo também por esse factor, portanto acho que é perfeitamente possível que o disco continue a viver e vão-se passar mais 10 anos e felizmente vou continuar a ter malta que se vai identificar com aquilo e isso é altamente.
Claro, essa longevidade acho que é algo que qualquer artista deseja, e obviamente nem sempre é fácil. Em 2022 lançaste O Último Monge de Wall Street, no ano passado lançaste alguns singles. Este ano vais lançar mais música nova?
Posso partilhar, porque já está numa fase de composição bastante avançada, que vamos lançar um EP — digo “vamos” porque não é um trabalho só meu. Ainda não posso adiantar muito, mas tem uma estética um bocadinho diferente daquilo que eu habitualmente faço. Também estou a sair um bocadinho da minha zona de conforto, apesar de estar altamente confortável fora dessa zona de conforto e tem sido um processo de criação extremamente rápido. Se calhar porque vou dar mais espaço à minha parte melódica, à criação de harmonias. Talvez já tivesse no meu subconsciente uma vontade muito grande de o fazer ou de dar ainda mais espaço a esse lado e, assim que criei as condições para isso acontecer, as coisas aconteceram de forma muito rápida. Por isso, é altamente provável que este ano apareça aí um projecto novo.
Mas, esteticamente, vais experimentar coisas muito diferentes?
Um bocadinho diferentes, sim. A malta que acompanha a minha cena sabe que tanto posso ter um som em que estou 80% do tempo a cantar como posso ter um som com um rap super pesado e um flow super marcado, no boom bap mais clássico que pode haver. Posso navegar ali um bocadinho por praias diferentes, mas nesta estética ainda não lancei… Vá, lancei recentemente um feat mais ou menos com essas vibes.