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Publicado a: 08/06/2015

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Há uns dias, numa reportagem publicada aqui no Rimas e Batidas dedicada ao trabalho do colectivo Força Suprema, o rapper Prodígio fez uma breve apresentação deste seu novo álbum, Prodígios. “Eu e o NGA estávamos a comungar ideias e cheguei à conclusão de que não ia lançar um álbum para mim, mas para nós, para a geração vindoura”, explicou. Este é o primeiro trabalho mais a sério do músico angolano que, até agora, se tinha dedicado, sobretudo, às mixtapes. Este “a sério” é dito por se notar uma abordagem declaradamente virada para a exigência de um LP na sua definição mais clássica – há um enredo, mesmo que não seja conceptual, em torno do pacote que embrulha este Prodígios: Pro2da abre a gaveta das memórias e o coração, falando, com orgulho, das raízes, do caminho que percorreu, do destino que o fez nascer em Angola, crescer na Linha de Sintra e o encontro com a família Suprema e com o “pai” no mundo da música, NGA.

“É porque um gajo vem do zero/com zero/mas ’tou no hustle a tentar tirar os meus kotas do gueto”, grita sofregamente em “Zero”, a faixa que abre o álbum. Percebemos que este é um disco com uma vibração diferente das seis mixtapes que já tinha lançado até porque sabemos que Prodígio detém já uma forte identidade, fruto de uma escola de vida no bairro, na música com grandes referências do hip hop que se faz em português, mas também de uma indispensável formação académica terminada no Reino Unido.

Não é só a persona do MC que está nestas canções: se tivesse assinado o disco com o nome de Osvaldo Moniz ninguém o teria levado a mal. “Depois de 15 anos longe dos kotas ainda tens um filho longe”, diz em “Young King”, uma canção revestida de uma tonalidade épica, com claps no lugar da percussão a acompanhar uma forte e crescente pianada que parece querer dar uma lição de vida.

Há dois anos, Prodígio intitulou-se Filho do Rei. Começa agora, neste disco, a conseguir justificar verdadeiramente esse título – sendo que a sua majestade da Força Suprema continua a ser o indiscutível NGA. Mas nesta monarquia do hip hop, os títulos não se transmitem por factores de consanguinidade e genética. Há que saber merecê-los e conquistá-los: Prodígio lutou e cresceu para encontrar o seu espaço. Fala abertamente da sua vida, da saudade dos pais e da inspiração que são para as suas conquistas. E ainda pede perdão pelos seus pecados em “Deus me Perdoa”, mais uma malha emocional aqui partilhada com NGA, antes de puxar de mais um convidado, num convite especial ao histórico músico angolano Paulo Flores para dividir consigo a faixa “Rádio”, num registo bastante clássico, quase orgânico, de homenagem às raízes do semba e do kizomba.



A memória e a experiência até das coisas simples, mas que deixam marcas, são as figuras centrais deste Prodígios – “Será que ainda fazes, aquele arroz com feijão que um gajo adorava/ e o peixe que eu detestava?”, recorda, com água na boca, em “Será”. Sem grandes moralismos, o rapper apresenta o lado da consciência social em “Outra Vez”. E claro, o indispensável lado vaidoso, mais brilhante e pomposo que não se dispensa nos registos da tropa da Força Suprema – ouça-se “Bodies”, de baixo pesado, com mais tiques de vilão e drag racer; ou “Lagosta” com Landrick, numa tonalidade sedutora; e com os Dope Boyz o tema “Dope Boy”, que podia ter sido sacado a um álbum de bandas de rapazes do R&B. O disco arranca para o fim com o regresso do lado mais maduro de Osvaldo Moniz. A usar o microfone como confessionário – “A Verdade” – mas também como objector de consciência – em “Xibo”.

Prodígio nunca tinha cantado assim e isso ajuda a perceber o porquê de ser este o primeiro álbum: a escrever rimas desde os 12 anos, precisou de encontrar a sua voz e, mais do que viver tudo o que viveu até hoje, que sempre apresentou nas suas faixas, o rapper teve de perceber onde é que poderia fazer a diferença para deixar uma sua marca. “Mesmo depois de tanto drama eu aguentei o meu karma/e ainda assim eu mais forte que tu”, canta em “Ainda Assim”. Este é o trabalho que marca a diferença (com a produção praticamente transversal de Ghetto Ace), que nos apresenta uma visão clara de quem é Prodígio, o rapper que NGA sempre percebeu que existia no menino Osvaldo Moniz.

 

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