pub

Publicado a: 28/10/2015

Postais de Londres: Photonz

Publicado a: 28/10/2015

[ENTREVISTA/FOTO] Ricardo Miguel Vieira, em Londres

 

*Numa certa noite de Verão, cinco portugueses, produtores conotados com a cena electrónica residentes em Londres, actuaram no Corsica Studios, um club sombrio nas arcadas de uma ponte ferroviária. Ao longo da semana, o Rimas e Batidas vai divulgar alguns dos seus pensamentos em voz alta na primeira pessoa. Reflexões sobre a Portuguese Dance Music que se faz ouvir Europa fora e que agora tem o seu expositor maior na Rádio Quântica, a inaugurar a 1 de Novembro por Violet e Photonz.

 

Portugal está num momento muito especial na música electrónica e de dança. Há uma série de artistas que surgiram ao longo dos últimos quatro anos que não só transformam influências que vêm de fora, como também criam e influenciam o panorama internacional. Na noite de hoje no Corsica Studios, por exemplo, tiveste pessoas como o IVVVO, o Trikk e o Silvestre, que são artistas que, mais do que apenas conseguir destilar algo que vem de fora, influenciam as tendências no exterior. Isso são momentos muito especiais no percurso da música portuguesa e não é todos os dias que isso acontece.

O meu set de hoje foi inesperado. Vinha com uma ideia muito mais trippy, acid e dark, mas acabei por derivar para coisas mais da minha infância do house, clássicos alegres, cenas tipo Masters at Work. A malta entrou na cena. O set foi uma trajectória estranhíssima, passou de dark a uplifting, tudo facetas que tenho em mim. Como produtor sou mais dark, mais deep e trippy, mas gosto de música em geral e como DJ por mim até tocava funk. Quero é pôr o pessoal a dançar.

 



A minha história na música começou através da influência do meu irmão mais velho enquanto crescia na Margem Sul. Ele tinha amigos que lhe davam cassetes que gravavam para ele e eu ouvia aquilo. Acabei por começar a comprar CDs da Kaos ou do Alcântara-Mar. O meu background vem muito de admirar pessoas como o DJ Vibe, o Luís Leite, XL Garcia, Zé MgL, etc.. Ao longo da minha vida sempre curti de house e techno. Mais tarde é que descobri outras cenas e o meu interesse pela música começou a tornar-se mais variado.

Mudei-me para Londres há dois anos. Para mim a maior diferença entre a cena da música electrónica portuguesa e britânica é que os ingleses têm um outro conhecimento musical em geral e isso tudo é uma mistura muito especial. Se tiveres uma boa noite, se tiveres uma pista que está cheia para te ouvir tocar cenas mais rave, aquilo vai a limites que em Portugal é mais difícil encontrar. São culturas diferentes. Aqui a cidade é tão grande e é tão difícil encontrares alguém teu conhecido que, em geral, acabas por te soltar mais. É uma mentalidade diferente, aqui estamos mais na metrópole.

Não consigo dar uma resposta definitiva sobre o que é e o que distingue a Portuguese Dance Music, e isso em si é a melhor resposta possível. Ou seja, a música de dança portuguesa, hoje em dia, é uma série de coisas diferentes, todas elas a procurar desviarem-se da norma, cada uma à sua maneira. Por exemplo, o Lake Haze faz aqueles sons completamente brutais, de esmagamento de rave; o Marfox vai buscar cenas africanas e colocá-las quase num contexto de techno futurista; a Violet vai buscar um romantismo, uma espontaneidade rave que talvez a norma do house e do techno já não tenham; o Trikk vai buscar influências do drum ’n’ bass e dance music. A cena portuguesa não tem um som específico e isso é a melhor coisa que pode haver na dance music. Uma das piores coisas que surgiu na música de dança são tendências para se tocar sempre o mesmo som durante um set. Tu ouviste o IVVVO a terminar o set dele com jungle e dub. Isso é o que torna especial a nova cena da música electrónica tuga: a variedade.

A cena é que os portugueses não acreditam suficientemente naquilo que é bom em Portugal, especialmente na música de dança. Repara, há outros campos – como o hip hop tuga, por exemplo – que conseguem realmente movimentar massas e na música de dança a única coisa que consegue gerar essa movimentação são coisas muito formularias, são coisas em que tens de estar num estilo de house e techno muito específicos. Tudo o que é um pouco mais influenciado por noise ou dark ou tons industriais tem que batalhar o triplo para atrair as massas e tem que pensar a nível global.



No caso da batida do gueto de Lisboa, contudo, a situação difere. A cena africana em Portugal reúne uma série de influências diferentes que são absolutamente vitais no panorama da música de dança internacional actual. É um estilo próprio, mas não por se tratar simplesmente de tradicionalismo africano. Pelo contrário: pega numa matriz rítmica que é tradicional africana e adiciona-lhe elementos que são completamente inovadores. Artistas como o Marfox, Nigga Fox, Firmeza ou Mabooku distinguem-se porque são DJs e produtores que quando fazem a sua música estão realmente a criar algo novo através de matrizes que nós, portugueses, estamos preparados para absorver. Basta pensar que nos anos 90 era relativamente mainstream certos hits de kuduro. Ou seja, já se encontra no nosso DNA, já conseguiu chegar a mais público e isto são variações diferentes. No fundo, está uma sonoridade que estamos preparados para aceitar.



O meu programa na Oxigénio é talvez o maior ponto de contacto que tenho com a scene da música electrónica portuguesa [algo que agora vai mudar com a Rádio Quântica, certamente]. Faço questão de tentar mostrar coisas que são nacionais, não estou muito a puxar coisas inglesas para mostrar nos programas. Obviamente também mostro o meu som e cenas que gosto, mas tento sempre ir buscar artistas que são underrated no panorama da música de dança portuguesa.

A One Eyed Jacks tem planeado um lançamento de Ursas Reef – que é um pseudónimo meu de influências trance, algo novo para a editora – e temos em agenda, embora ainda sem que o assumamos oficialmente – , um vinil do Lake Haze. Ele tem uma série de malhas chamadas “Aranha” e nós vamos tentar fazer um vinil com esses sons. É algo para breve.

Cresci a admirar DJs residentes de casas míticas portuguesas, como Alcântara-Mar ou Kremlin e, lá bem no fundo do meu ser, imagino-me um dia a ser uma espécie de DJ residente numa casa fixe portuguesa. Mas por agora estou contente com a ideia de poder viver da música. O sonho neste momento é continuar a crescer, fazer da One Eyed Jacks uma editora maior e tocar em sítios mais entusiasmantes.

 

Sigam as produções de Photonz no SoundCloud da One Eyed Jacks.

pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos