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Fotografia: Daryan Dornelles
Publicado a: 15/05/2023

Quatro personalidades da música alternativa lusófona cruzam-se num novo projecto.

Pororó “é Captain Beefheart no Sertão”

Fotografia: Daryan Dornelles
Publicado a: 15/05/2023

São oito mãos no total, aquelas que musicam o novo universo sónico que está a ser criado sob o tecto de Pororó. Depois de se terem estreado em palco no sábado passado, em Espinho, a banda desce até Lisboa para um espectáculo amanhã (16 de Maio) que terá lugar no Teatro Maria Matos, pelas 21 horas. Os bilhetes custam 15 euros.

Encabeçado por Domenico Lancellotti e Norberto Lobo, este colectivo luso-brasileiro alberga ainda os talentos de Ricardo Dias Gomes e João Lopes Pereira. Todos juntos formam um caldeirão recheado de experiências nas mais diversas frentes da música alternativa e contemporânea, quer pelos trabalhos que conduzem a solo, quer pelas inúmeras colaborações ou projectos que integram juntamente com outros músicos — Caetano Veloso, Fumo Ninja, Mário Laginha, Ricardo Toscano ou Kassin são apenas alguns dos nomes que mais saltam à vista nos vastos currículos individuais dos quatro intervenientes de Pororó.

Numa conversa que decorreu via Zoom, fica desde logo patente que este é um quarteto que está a tentar dobrar fronteiras sónicas e que, por isso, os terrenos que pisa são ainda difíceis de nomear ou explicar, conforme podem ler já de seguida. O próximo grande passo aponta à gravação do material que andam a preparar em estúdio, de modo a solidificar este conceito de Pororó e partir para a conquista de mais salas de espectáculos.



Eu ainda não ouvi música nenhuma deste projecto, portanto vamos ter de andar aqui a explorar a ideia de como é que isto aconteceu. E essa é a pergunta que começo por vos colocar: como é que este Pororó nasceu?

[Domenico Lancellotti] Quando a gente tinha conversado sobre o meu disco Raio, há um tempo atrás, você me tinha perguntado se conhecia alguns músicos daqui e quais os músicos que eu gosto. Só que eu estava naquele período… Tinha acabado de mudar de país e não conhecia tanta gente assim, apenas algumas pessoas. Aquele não era um período propriamente adequado, não tinha nada acontecendo. A gente começou a sair… A Inês Mota é uma empresária que eu conheço há muitos anos, porque praticamente em todas as minhas turnês, mesmo antes de morar aqui, ela estava envolvida. Ela tinha recebido um convite de um festival francês para mim, para fazer um show lá, e tinha que ter algum encontro desses, com músicos de Portugal e do Brasil, que era interessante para o festival. Eu falei: “Não conheço ninguém com quem tocar e trabalhar. Mas por acaso eu gosto muito de um músico que não conheço. Não sei como é que seria.” Aí ela falou: “O Norberto? Eu posso passar o telefone dele para você”. E eu: “Então ’tá. Descobre o telefone dele que eu vou ligar para ele.” É algo que eu não faria no Brasil, por exemplo. Se eu estivesse no Brasil, eu não ia ligar para alguém que não conheço. “Cara, você quer tocar?” [Risos] Como eu estava aqui, essa foi uma grande coisa que aconteceu. Acho que o resto é tudo muito natural. Na verdade, esse show não aconteceu, porque precisava de uma coisa do consulado e o consulado não liberou o dinheiro e não sei quê. Mas serviu para esse encontro. É um encontro natural. A gente vem de um lugar e quer ir para outro lugar, é uma viagem assim. A única coisa é que a gente ainda não tem gravação para poder fazer os concertos. Mas a gente montou um espectáculo e já que não vai ter esse, da França, vamos marcar aqui, porque eu quero esse encontro e gosto muito deles. Ela bancou isso e está a dar-nos a possibilidade de inclusive gravar alguma coisa. Alguns temas apareceram desse encontro e há um trabalho em andamento, que está ficando cada vez mais maduro.

Este primeiro espectáculo vai ser com arranjos em cima de material que já existia ou estamos a falar de repertório original, pensado especificamente para este projecto?

[D.L.] Tem de tudo. Tem algumas coisas do meu repertório, tem coisas do repertório do Ricardo, tem coisas do repertório do Norberto e tem uma música inédita do João. Tem outras coisas que partiram daqui. Portanto há temas que já existem e outros que apareceram desse encontro. Mas a abordagem é diferente, porque em cada canção tem a possibilidade de abrir umas janelas e ir para outros lugres. Não estamos propriamente fechados numa fórmula.

Em termos de instrumentação, o que é que vamos ter em palco? Guitarra, bateria, teclados? O que é que cada um vai estar a fazer em palco?

[D.L.] Aos poucos a gente foi chegando… No início todos querem tocar tudo e experimentámos tudo. A gente vai apurando, até que alguém fica só com um chocalho [risos]. A gente vai reduzindo, vai ficando mais enxuto. É engraçado. Havia realmente todas as possibilidades ao nível da instrumentação, mas a gente viu que está cada vez mais coeso assim.

[Ricardo Dias Gomes] A gente precisa de pouca coisa.

[D.L.] É. Precisamos de pouca coisa. No caso do Ricardo e do Norberto, com o baixo e com a guitarra, eles também têm os pedais e a maneira deles tocarem, existe a possibilidade de ser cada vez ser uma coisa diferente — os sons são diferentes. Eu toco umas coisas no violão, canto e ainda divido a percussão e a bateria com o João. Há uma rotatividade maior entre mim e o João.

Norberto, quem acompanhou a tua carreira, viu-te no início num modo muito solitário. Aliás, acho que foi assim que tu deixaste inicialmente a tua marca na nossa cena musical. Mas nos últimos anos tens-te revelado, pelo menos para quem não conhecesse outra faceta tua, um colaborador generoso e intenso. Este é mais um capítulo dessa nova vida colaborativa?

[Norberto Lobo] Por um lado sim. Por outro, eu sempre tive bandas e sempre colaborei — acho que é essencial para aprender. Se calhar, agora, sim, estou numa fase em que tenho muitos projectos. E este é com certeza um deles.

Esse plano de que falavam, para eventualmente transformarem o que primeiro vai ser um espectáculo num disco, já está mais ou menos gizado? Ou seja, já há planos concretos em relação a datas que vocês gostassem de começar a gravar? Que intenções têm nesse departamento?

[N.L.] Datas ainda não temos. Já temos uma ideia, mas acho que ainda não queremos muito revelar. Temos um plano, sim, que vai ser feito em breve. Em relação à edição, ainda é um bocado prematuro para dizer.

Mas, na vossa cabeça, a coisa acontecerá ainda em 2023 ou só no próximo ano?

[N.L.] Não te sei dizer. Mas diria que a edição… Não te sei mesmo dizer [risos]. Essas coisas…

[D.L.] ‘Tá parecendo conversa de malucos [risos]. É uma situação assim um pouco peculiar. Tudo pode acontecer e não tem como a gente nesse momento conseguir… Também não há aquela coisa que antes existia, de ir a uma gravadora e eles dizerem: “Grava esse disco em tal data.” Então, depende de uma série de coisas. Até porque todo o mundo está com muitas coisas, muitas demandas na vida. Mesmo eu estou regressando ao Brasil a partir de Julho. O Ricardo vai continuar aqui no estúdio, eu hei-de voltar para gravar, quando tiver algum trabalho ou alguma coisa assim. Há ainda muito por definir. O que temos é esse desejo de gravar o material, o repertório. Há coisas que a gente tem e se a gente não registar, quem é que vai registar?

O que é que podemos esperar em termos estéticos? Estão aqui quatro personalidades com direcções muito distintas. Em termos musicais, isto traduz-se no quê? Vocês já conseguem identificar o terreno por onde a vossa música anda?

[N.L.] Já [risos].

Boa.

[D.L.] Jah, no sentido jamaicano [risos].

Queres elaborar um bocadinho, Norberto?

[N.L.] Eu acho que é Captain Beefheart no Sertão.

Captain Beefheart no Sertão?!

[N.L.] Exactamente.

Uau! Muito bem. Então será o Captain Beefheart a jammar com o Gonzaga, não é?

[N.L.] Talvez. Boa! [Risos]

[D.L.] O Luiz Gonzaga do Alentejo!

Domenico e Ricardo, eu não sei se vocês já tiveram a oportunidade de ver a mais recente edição da revista The Wire, mas tem aqui uma crítica ao vosso trabalho.

[D.L.] Maravilha!

[R.D.G.] A gente nem viu [risos].

Tem uma crítica bastante elogiosa, aliás. Este espectáculo que estão a preparar também vai passar pelo sramba.?

[D.L.] Sim.

[R.D.G.] Mas em termos de canções, não de sonoridade.

[D.L.] É. Exactamente. Tem dois temas que estão no sramba., só que nesse contexto eles aparecem com a linguagem da banda. Não entra aquela coisa das máquinas. A gente fez o sramba. aqui, os dois, no Inverno, cheios de casacos, nessas máquinas aqui.

Eu ia perguntar exactamente isso: foi nesse espaço que o disco nasceu, não é?

[D.L.] É. O som vem dessa sala, desse espaço.

Aproveito para vos dar os parabéns por esse disco, que eu gostei bastante. Não tenho muito mais para vos perguntar, uma vez que ainda não tive a oportunidade de ouvir a música. Mas lá estarei no concerto em Lisboa, dia 16, para começar a perceber finalmente o que é este Pororó. Estou muito curioso.

[D.L.] O interessante é exactamente isso. A gente está nesse ponto muito bonito, em que não tem muito que dizer. É um negócio que está simplesmente aparecendo também para a gente.

Vocês estão certamente a ser tão surpreendidos como quem vos vai escutar. Tem passado gente aí pela sala para assistir às vossas explorações, aos vossos ensaios?

[D.L.] Nem tanto.

[N.L.] Hoje apareceu.

[D.L.] Sim. Hoje temos aqui uma presença ilustre, da Raissa, que chegou ontem do Brasil. E o Daryan Dornelles, que esteve aqui algumas vezes. É um fotografo do Brasil que veio fazer uns filmezinhos para a gente postar nas redes sociais. Ele ficou aqui escutando um pouco. Hoje ainda vem também a Inês.

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