pub

Fotografia: Daryan Dornelles
Publicado a: 26/03/2021

Caminhos iluminados.

Domenico Lancellotti: “Eu gosto de pensar num disco como um filme”

Fotografia: Daryan Dornelles
Publicado a: 26/03/2021

Um Raio de luz intensa que nos entra pela janela. Essa é uma descrição simples e directa que serve bem o novo disco de Domenico Lancellotti, uma edição (a primeira, e por isso também especial) da Arraial, recém inaugurado braço editorial da agência e produtora Arruada.

Actualmente a viver em Lisboa, o artista multidisciplinar brasileiro continua a canalizar as energias das florestas da sua terra natal para criar um registo que retrata, à sua maneira, os tempos conturbados que se vivem.

O experiente músico abriu-nos a porta virtual para a sua casa e para os seus pensamentos, traçando-nos o percurso que o trouxe até aqui, a este momento, com toda esta luz para nos iluminar.



Antes de mais, obrigado por este bocadinho que me cedeu para podermos conversar. Muitos parabéns pelo disco, tenho estado a escutá-lo o dia todo.

Olha, que maravilha!

É muito, muito bonito. Vai ter edição física?

Vai. Vai ser em vinil apenas. Não vai haver em CD. Eu, quando penso num disco, penso no vinil como aquela gravura sonora. Inclusive o formato, como existia com as sinfonias, com aqueles movimentos todos, com uma introdução… Eu gosto de pensar num disco como um filme, com a sequência das faixas, a relação entre elas. Isso, para mim, é fundamental.

Mas vamos ao início, se não se importa. Regressemos ao Brasil: fale-me um pouco sobre o seu percurso musical no Brasil, desde os anos 90 até agora. Há um par de marcos importantes, como a banda que teve, as participações no projecto +2… Faça-me o filme desse percurso.

Eu venho de uma família que tinha música lá dentro. O meu pai é um compositor de… É uma profissão que não é assim muito comum, um cara que fazia só a música e mandava-a para os intérpretes. É um cara que tem aversão a palco, a cantar. Ficava só compondo. Ele me levava muito no estúdio para ver as gravações. Então, desde criança que eu venho frequentando gravações. Isso no final dos anos 70, aquelas gravações com todo o mundo tocando ao mesmo tempo naquelas salas grandes de estúdio. Isso me marcou muito. Ao mesmo tempo, ele trabalhava, na altura, na rádio nacional. Então ele levava sempre vinil para casa, das coisas que estavam a ser lançadas. Foi um período que me marcou, os anos 70. Ali no Brasil era muita coisa acontecendo. Eu queria ser artista plástico, comecei a fazer pintura e não sei o quê, mas estudei numa escola experimental que durou apenas um curto período de tempo. Eu peguei justamente durante esse curto período e lá eu conheci músicos com quem eu trabalho até hoje. Eu conheci o Moreno, o Pedro Sá, o Bartolo, o Daniel Carvalho e umas outras figuras que passaram por lá. Aí as coisas foram simplesmente acontecendo. Eu comecei a tocar bateria. Tinha uma carreira como músico acompanhante ao mesmo tempo com esses projectos, que eram projectos autorais, essa convivência com esses meus amigos. Eu tocava, na altura, com o Quarteto em Cy. Isso me possibilitou… Foi uma escola, uma viagem. Eu era muito jovem. Tinha 17 anos. Tocar com dinâmica, com a vassourinha, viajar pelo Brasil… Ao mesmo tempo a gente começou a fazer essas coisas. Na minha casa não entrava muito rock. O meu pai era da música brasileira. Do samba, do choro, dessa coisa assim. Não havia muito rock lá em casa. Então, essa parte eu aprendi e conheci através dessas minhas amizades.

O que é que o conduziu à bateria, em particular?

Eu não sei explicar. Eu acho que o instrumento te procura ao mesmo tempo que você procura a música. Eu sei lá porque apareceu a bateria na minha frente. Eu ficava tocando. Ali escutando música e batucando nas panelas, no sofá… Meu pai me levava nas rodas de samba e me davam sempre um chocalho, um tamborim, e eu ficava tocando. Aí meu pai gravou um disco em 82′, eu tinha 10 anos, e o baterista era o Ricardo Costa, que era o baterista do Terra Trio, que tocou com a Maria Bethânia, com Dori Caymmi — foi ele quem produziu esse disco. Ele falou para mim, “passa lá em casa, te dou umas aulas”. Era muito divertido, porque eu ia para casa dele, o irmão dele tocava piano, a bateria ficava montada na sala, eu almoçava lá com eles. E aquilo ali era uma aula de bateria.

Eu pergunto isto porque acho sempre um mistério incrível, o que é que faz uma pessoa escolher um saxofone, um violino, o piano ou uma bateria. Eu entendo o apelo da música. Mas aquilo que conduz um artista a um instrumento em específico, eu acho sempre um mistério maravilhoso.

E é. É um mistério. Tem aquele filme do Fellini, O Ensaio de Orquestra. É justamente isso. São as personalidades. Cada instrumento tem a sua personalidade e atrai uma personalidade. Isso é muito verdade. Eu acredito nisso, que é o instrumento quem escolhe as pessoas.

Dessas figuras todas tutelares do Brasil com quem colaborou — Gal Costa, Caetano Veloso… — há assim alguma história mais marcante que tenha, de alguma maneira, definido a sua personalidade musical actual, contemporânea?

São muitas personalidades assim, marcantes. Tem o baterista Wilson das Neves, que eu tive o privilégio de conviver muito com ele. Convivi com ele quando era criança, por causa do meu pai. Mas depois ele entrou para a banda, para a Orquestra Imperial. Foi uma convivência que foi muito importante para mim. Ele tinha uma presença e uma coisa assim… Uma didáctica que, para mim, está muito relacionada com a cultura negra. Que era assim: “Não tem o certo. Você não precisa fazer assim. Não tem uma maneira certa de se fazer. Mas você tem de estar sempre atento ao que está acontecendo no seu entorno. Qualquer um pode ser um professor, um mestre. Qualquer um tem o seu jeito de fazer a coisa”. E ele era incrível, porque os ensinamentos vinham de uma forma que vocês não entendia direito. Por exemplo, “esse negócio que vocês está fazendo aí, na bateria, experimenta, da próxima vez, tirar a esteira da caixa. Experimenta fazer isso mesmo sem a esteira na caixa. Ou experimenta fazer assim, com a baqueta mais desse jeito. Vê no que dá”. Era sempre um negócio assim, sabe? Exigia que você tivesse atento às coisas que estavam acontecendo. Era impressionante. Outra figura dentro da Orquestra Imperial que também foi muito importante foi o Nélson Jacobina. Sabe quem é?

O Wilson das Neves sei perfeitamente. O som quente é do das Neves… Mas o Nélson Jacobina, não conheço, devo confessar.

O Nélson Jacobina era compositor, parceiro do Jorge Mautner. Outra história: o Wilson vem da aristocracia do samba; o Nélson veio de uma coisa mais jazzística, da contra-cultura. Ele andava com o Caetano, com o Mautner… Ele faleceu há uns anos. Ele foi a figura que possibilitou a Orquestra Imperial existir. Porque ele tinha um conhecimento enorme de repertório e de coisas assim, dos anos 20 e dos anos 30. Tinha uma desenvoltura harmónica e um bom gosto harmónico. Então ele foi essa figura que nos ajudou. A convivência com ele foi incrível. E agora tive a sorte de ter trabalhado com figuras que me ensinaram muito. Essa coisa, no Brasil, de você poder conviver e colaborar com outras gerações, como foi o caso do Wilson das Neves, o Caetano, o Gil, a Gal… O Caetano é, sem dúvida nenhuma, uma presença muito importante. E antes mesmo de trabalhar com ele, a gente convivia com ele na casa do Moreno, como pai do Moreno, ouvindo discos. Estar ali, na discoteca dele, as coisas que ele tinha ali… A gente pegava vinil, passava lá a tarde. E ele gosta de conversar. Ficava falando, conversando. A Adriana Calcanhotto eu também considero uma pessoa importante na minha formação de palco, dessa coisa de você se apresentar, de você se preparar para isso. Você está sempre atento. Você está sempre num processo criativo. Isso não tem fim. Não tem hora de fechar o escritório. O escritório está sempre aberto. Essas figuras foram muito importantes.

Ultimamente tenho entrevistado vários músicos britânicos de jazz e todos eles me falam de uma formação que é académica, feita na escola, com um percurso que começa ainda na adolescência e se prolonga na universidade. A sua formação, como me está a descrever, é uma coisa muito cultural, muito de vida junto de mestres que não são mestres de escola mas que são mestres de vida, não é?

Mestres de vida, exacto. Eu abandonei a escola cedo. Eu tenho um espírito assim, curioso. Tenho uma coisa muito anarquista, de não conseguir adequar a nenhuma estrutura assim, muito delimitada, como as escolas são. Ao mesmo tempo, tenho um um condicionamento de compromisso, de fazer as coisas certas, de querer trabalhar e aprender. Então é uma junção muito peculiar [risos]. Mas a minha formação vai muito por esse caminho da vivência. Eu até digo que as minhas mãos valem mais do que o meu cérebro [risos]. Se eu não puder fazer, tocar, eu não aprendo. Se você só falar “é assim que se faz”, eu não consigo aprender. Mas se eu tiver ali a experiência, eu consigo aprender. Minhas mãos têm memória também. Músicas que eu não toco há muito tempo, elas começam e, quando você vê, elas já estão tocando.

Maravilha. Há uma experiência — e eu li isso no artigo do meu colega Vítor Belanciano, no Público — que você relata de ter estado com os indígenas do Acre. Há-de ter sido uma coisa absolutamente incrível.

Incrível! Isso foi uma experiência transformadora. Tal como o meu pai, compositor de samba, eu procurei também várias coisas através da religiosidade africana que está muito viva no Rio de Janeiro, no subúrbio do Rio. Depois, na Bahia, tenho amigos que me possibilitaram frequentar lugares assim. E sempre me impressionou muito aquele lugar. Eu achava que aquilo ali era um lugar que eu entendia. É como você aí, quando vai numa casa de fado. Você entende o que é que é a identidade cultural profunda daquele lugar. Porque é que aquele lugar é assim, porque é que o cara está com aquela roupa, porque é que ele toma aquele copo de vinho. Ali você entende mesmo a essência do lugar onde eu nasci. E é muito bonito, porque através do altruísmo, do ajudar o outro, da música como um canal de ligação entre os mundos… Um tambor num terreiro de candomblé é como um telefone. Eles ligam lá para os santos, para eles descerem e comunicarem. A música tem essa função. Agora, eu não conhecia esses indígenas da floresta profunda. Até porque para você chegar lá é uma complicação. É mais fácil eu sair para o Japão [risos]. Porque são, sei lá, dois ou três aviões, mais o barco… É uma viagem cara. Politicamente, está acontecendo essa situação toda, muito triste, no Brasil, como você sabe. Mas há um tempo para cá, algumas lideranças indígenas entenderam que eles deveriam sair da floresta e procurar na cidade uma maneira de expandir aquele conhecimento que eles têm. Porque é assim: um pajé desses morre, velho, e [o conhecimento] morre com ele. Eles não têm a cultura da escrita. A cultura deles é oral. Por isso morre, assim, uma biblioteca de conhecimento. Não tem nenhuma universidade que tem o conhecimento que aqueles caras têm. De plantas, de ervas… Essas coisas assim. Um desses caras desceu para o Rio de Janeiro, foi ao Jardim Botânico para fazer um livro sobre o conhecimento dele e o Jardim Botânico indicou uma editora que era muito ligada às artes plásticas no Rio. Eles, em conjunto com o Ernesto Neto, um artista plástico do Brasil, começaram a criar um grupo chamado Guardiões Huni Kuin. Um grupo de artistas e de pessoas que estavam interessadas em trabalhar com isso. Em conhecer mais a cultura indígena. Criou-se uma ponte. Em determinado momento, eu cheguei. Eles, uma vez por mês, promoviam alguma vivência de conversas com alguns sábios. Indígenas [a conversar] com pessoas. Algumas das universidades, de vários campos. Está a acontecer muito isso. Isso é uma coisa que me deixa muito contente e orgulhoso. Aí, eles faziam uns rituais na região serrana, mais perto da natureza, no Rio de Janeiro, com a música deles, tradicional. Aquilo é impressionante. E a música deles… Eles não têm instrumento. Às vezes têm uma maraca para marcar, mas muitas das vezes não. Mas ao mesmo tempo não é apenas a voz confrontada com o silêncio. É a voz com um som que nunca termina, que é o som da floresta. Aquela coisa enorme, em que está tudo vivo, e está gerando um som todo. E esses sons da floresta são sons que dialogam muito com a música electrónica, mais contemporânea. São agudos sintéticos, das abelhas… No final do disco tenho três da floresta, que eu pus, que é essa música tocando.

Wow. Você conhece Priscilla Ermel?

Não.

É uma compositora brasileira, que era também antropóloga e também fez umas experiências de viver com indígenas. Trouxe essas experiências para dentro da música dela.

Vou anotar aqui.

Queria dizer-lhe uma coisa. Eu só estive no Brasil uma vez. Estive no Rio de Janeiro, penso que em 2013/2014, por aí. Quando me perguntam por experiências musicais intensas, eu sempre refiro uma coisa, que foi a noite em que um professor de percussão me levou a assistir a um ensaio do desfile de samba da Escola Estácio de Sá.

Que maravilha!

E eu estive no palco, com a bateria, e vi todo o ensaio da escola de samba. Foi das coisas mais intensas que eu já vivi, musicalmente falando. Eu ali no meio a sentir aquele trovão… É uma coisa incrível.

Você começa a chorar. O negócio vai-te levando. Não é só uma coisa que te entra pelo ouvido. Entra pelo corpo, não é?

É verdade.

E isso o baile funk tem também. Os bailes funk que eles fazem nas favelas têm aquele paredão de caixas de som. Alguns surdos e deficientes auditivos gostavam de ir no baile funk, porque eles sentiam as vibrações do grave, tão boçal. Eles sentem dentro do corpo aquelas coisas acontecendo. Esse vínculo com o tambor é primitivo. Você acessa um lugar que é ancestral.

Vamos falar sobre a mudança para Lisboa. Eu entendo que há dois factores que hão-de ajudar a explicar que alguém como você decida sair do Brasil. Primeiro é, obviamente, o contexto político do Brasil. E a língua que nós falamos há-de ter sido também uma boa razão para vir até aqui. Mas houve alguma coisa mais que o tenha trazido até Lisboa?

Lisboa é uma cidade fascinante. A primeira vez que eu vim a Lisboa foi em 2001 e adorei.

Era muito diferente nesse tempo.

Era muito diferente, mas, desde então, venho vindo em diversas situações diferentes. Tenho acompanhado essas transformações. A gente escolheu Lisboa porque temos amigos aqui, pessoas que podiam nos ajudar a nos adaptar e estabelecer. A questão da língua. Temos duas crianças pequeninas… Uma vai fazer seis anos e a outra, não é tão criança assim, tem 19 anos e foi para a Escola António Arroio, que é uma escola incrível e salvou a vida na minha filha, que estava como eu, também queria abandonar a escola. Ela estava num embate com o ensino tradicional e eu não podia falar nada, porque também abandonei. Mas eu não tive essa possibilidade, de ter uma escola só de arte para você fazer. Ela está fazendo e isso pesou muito. Eu venho de uma cidade que tem lugares que eu gosto de estar, de ir. Mas eu não me vejo habitando, não me vejo no dia-a-dia. E em Lisboa eu me via no dia-a-dia. Eu ando pelas ruas e parece que estou no Rio de Janeiro. Outra vezes parece que estou em Salvador. Eu estou em casa mas, ao mesmo tempo, tem todas as diferenças. É interessante.

Muito bem. E que disco é este? É um disco que foi gravado entre o Brasil e Lisboa? Eu não vi a ficha técnica do disco, portanto não sei exactamente onde é que o disco foi gravado.

Eu comecei a gravar o disco no Rio, em 2018, num estúdio em Araras, ali na região serrana. E gravei uns temas para um trabalho de arte, que eu mencionei até na tal entrevista que você leu, para o PÚBLICO. Ali começou. Mas eu estou sempre fazendo o disco. Estou sempre pensando no disco e produzindo coisas que podem vir a ser parte de um disco. Mas o ponto de partida foram essas gravações que eu fiz com o Bruno Di Lullo, o meu parceiro. Eu fiz muitas músicas com o Bruno. Fiquei muito próximo dele, por conta da tour que a gente fez com a Gal, dividindo quarto e tudo. Depois, nessa coisa dos rituais indígenas, ele estava junto também. Então a gente entrou nessa onda muito junto. Fui com ele e com a Joana Queiroz, uma musicista incrível que toca clarinete, piano, tudo. Nós os três fizemos a maior parte das músicas. Fizemos as músicas para essa instalação de arte, que eu usei umas quatro delas para o disco. Aí, antes de vir, estava tocando com o Gil. Cheguei lá no estúdio do Gil para ensaiar, estava atrasado, estavam os músicos lá e eu falei “vamos gravar esse negócio aqui, enquanto ele não chega?” [risos] Aí gravei essa faixa, a “Vai a Serpente”, com a banda do Gil. Depois vim para cá, para Portugal. E fiz algumas músicas qui. Fiz uma música com a Nina Miranda, em inglês. A letra fala de uma viagem de cogumelo que ela teve em Londres. Fiz uma música em Lisboa logo quando começou a quarentena, chamada “Confusão”. “Onda do Mar” com o meu irmão, que também veio para cá e está aprontando o disco dele. Também é compositor. Tem uma disciplina assim, do ioga. Então essa letra tem muito a ver com esse lado.

A minha mulher é instrutora de ioga.

Ai é? Que maravilha. Esse raciocínio tem muito a ver com as questões indígenas. A espiritualidade indígena brasileira dialoga muito com aquela coisa hindu. Eu gravei aqui no estúdio do Bernardo Barata, um músico português. Eu gosto muito de gravar com ele. É um estúdio muito simples. É no fundo de uma garagem, na Avenida de Roma. Mas ele tem onda. Sabe onde botar o microfone. Gravei o resto aqui. Entre a quarentena distribuí algumas coisas pelas pessoas para elas irem fazendo. A Nina gravou a voz em casa. Esse pianista polaco — o nome dele é difícil de pronunciar porque quase não tem vogais. A gente chama ele de Pedrinho [risos]. O Pedrinho tocou umas coisas lá em Varsóvia. E assim foi. Algumas coisas já foram feitas e gravadas aqui.

Como é que acontece, de repente, estar a inaugurar o catálogo de uma nova editora?

Olha, isso foi uma sorte. Eu fui gravar para o disco da Mallu Magalhães — já faz um tempinho, ela ainda não lançou o disco. E conheci o Pedro Trigueiro, empresário da Mallu. Aí, eu estava com esse disco na mão, e já tinha uma parceria com um selo espanhol. Eles são de Madrid, têm um negócio familiar. Fazem uma tiragem pequena de vinil e vendem na própria loja. Eu comentei isso com o Pedro e ele falou, “eu te ajudo a lançar esse disco. Estou pensado mesmo fazer alguma coisa nesse sentido, agora com a quarentena”. Ele era mais de show e queria ter um braço de edição. Ele está-me ajudando muito. Ele é incrível. A equipa dele é de muito alto nível.

Sem dúvida. Escutando o disco, eu senti-o como parte de um continuum — uma palavra que tem sido muito usada para descrever a evolução da música, nomeadamente da electrónica britânica. Senti o seu disco como uma coisa muito ligada com a tropicália, com a cena psicadélica de Pernambuco… Parece que é um disco que vem de uma viagem pela música brasileira, sempre em direcção ao futuro. Como é que você o enquadra nessa história da música no Brasil?

Que bom ouvir isso. É bom saber essas opiniões. Eu estou tão dentro desse processo de fazer o disco — e demorou alguns anos para eu conseguir chegar a essa conclusão — que eu não tenho muito discernimento mais, de saber o que é. Já não consigo mais escutar. Está muito impregnado. Mas eu acho que é o resultado disso que eu te falei. De experiências de vida. De onde eu saí… Se eu for analisar, eu ouço praticamente as mesmas coisas. Ou coisas que eu não conhecia mas que fazem parte [do mesmo registo]. Gosto da música italiana, de música para cinema. Gosto da origem da música electrónica. Tenho gostado muito dessa coisa do jazz que parte daquilo que o Coltrane iniciou, da busca pela espiritualidade no jazz, que foi dar no Pharoah Sanders, Alice Coltrane, essas coisas. Eu gosto muito da música que é tocada, pouco manipulada. Mesmo o meu uso dos instrumentos electrónicos, não é uma coisa no sentido de criar padrões ou sequências. São timbres sintéticos mas que são tocados, como se fossem instrumentos de percussão. Então têm as imperfeições, as oscilações. Eu deixo. Eu não corrijo nada. Eu acho que a música tem de estar viva.

Uma última pergunta: como é que vai fazer para transpor a música deste disco para o palco?

Ah, isso é fácil. Graças à situação política terrível em que a gente se encontra no Brasil, alguns músicos estão a começar a aparecer aqui. A cada dia aparece um cara aqui. Tem dois caras que chegaram de São Paulo. José Ruivo, que tocava com a Céu, pianista da pesada. O João Erbetta, que também toca com muitas pessoas e é produtor musical. Tem uma turma assim, com que eu já tenho tocado. Está fácil. Não precisa de muito. O disco inteiro, claro, tem overdubs. O disco foi feito com três músicos. Tem uma faixa com quatro músicos. Não tem muita coisa não. É simples.

E já há alguma data marcada? Há planos para uma apresentação?

Nada. Não tenho nada. Agenda vazia [risos]. Eu estou louco para ter alguma coisa. A minha esperança é essa. Não aguento mais ficar assim, sem tocar. A gente gosta de tocar. A gente gosta de estar junto. É a coisa boa da música.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos