pub

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 28/10/2019

Ocreza é o mais recente álbum da banda do Barreiro.

PISTA: “Conseguimos ver perfeitamente a nossa música a tocar numa festa de bairro em São Paulo, Madrid, Barcelona ou Berlim”

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 28/10/2019

Depois de terem passado por diferentes bandas e construído uma reputação considerável no circuito rock do Barreiro, Bruno Afonso, Cláudio Fernandes e Ernesto Vitali uniram esforços no projecto PISTA.

Em 2013, a banda apresentou a sua “candidatura” para ocupar uma vaga no mercado nacional com o EP de estreia, seguido, dois anos mais tarde, pelo primeiro longa-duração Bamboleio, que marcou uma mudança de pele na estética apresentada pelo trio da Margem Sul, claramente influenciado pela ginga de um movimento tropical cada vez mais impregnado na música criada em Lisboa e nos seus arredores.

No passado dia 20 de Setembro, os PISTA lançaram o segundo álbum de originais — Ocreza volta a contar com o selo da pontiaq —, trabalho que foi apresentado ao vivo pela primeira vez no Musicbox, uma semana depois, concerto que mereceu a atenção do Rimas e Batidas e que contou com convidados como Vasco Araújo, Alex D’Alva Teixeira ou Miguel Vilhena, todos eles creditados como parte da equipa que auxiliou os PISTA na concepção do disco. O espectáculo de apresentação serviu ainda para assumir uma nova formação: o trio passou oficialmente a quarteto com a introdução de Vasco Cabeçadas Dias no baixo.

Numa pausa entre ensaios e horas antes desse concerto no Musicbox, o ReB procurou traçar, com a ajuda da própria banda, o ADN sónico que guiou os músicos à criação do novo álbum.


 

Tendo em conta que este é o vosso segundo álbum, façam-me o balanço do caminho até aqui. Em que ponto é que vocês acham que está a vossa carreira? Que auto-crítica é que vocês fazem ao vosso trajecto?

Andamos à procura de qualquer coisa, ainda. No primeiro disco ainda estávamos virados para o tropical, canções muito mais simples, “chapa quatro”. Neste acabámos por complicar um bocado a estrutura de algumas canções, porque ao fim e ao cabo é a nossa escola. Os projectos que nos antecedem andavam um bocado por aí, não ter uma coisa verso-refrão-verso-refrão.

Que escola é essa?

Tivemos (dois de nós) uma banda em 2001 chamada October, que só os barreirenses é que conhecem. As nossas influências passavam muito por At The Drive In, algum Tool, mas não reconhecível. Deftones também. Sem soar a nu-metal. Nirvana… Uma grande mistela.

E daí evoluíram para onde? Para onde é que sentem que o vosso ADN fugiu?

O nosso ADN voltou a encontrar-se com essas raízes dos primórdios, mas mais numa forma de pensar as músicas, não na sonoridade. Uma narrativa mais complexa, talvez. No Bamboleio via-se que as coisas eram mais simples, mais easy listening. Soa bem logo ao ouvido. Imediato. Fomos buscar um pouco de nós, coisas de que gostamos, e depois metemos tudo em sintonia. Acho que foi esse o desafio deste disco.

Falemos então do disco novo. O processo de gravação: como é que a coisa aconteceu? Já chegaram ao estúdio com tudo escrito ou o estúdio ainda entra no processo de composição?

No caso deste disco, nós andámos muito tempo a tocar ao vivo e tivemos muito pouco tempo para compor. Quando as coisas acalmaram fomos fazendo temas novos e, sei lá, passados um ou dois anos nós chegámos finalmente ao estúdio para gravar o disco e percebemos que existiam ali coisas que tínhamos de afinar. Até porque o outro disco foi grava em take directo e neste fizemos a coisa por partes — primeiro bateria, depois baixo… E o baixo era uma novidade para nós, porque no outro disco não o tínhamos.

Passaram do Surfin’ USA para o Pet Songs.

Mais coisa, menos coisa. Até porque nos deu mais abertura, o facto de gravarmos parte a parte, para trabalhar a estética da coisa. Deu para adicionar coisas que acabam por ficar melhor inseridas. São mais pensadas.

Isso tem a ver com o facto de, se calhar, o primeiro disco reflectir mais o que vocês eram em palco e no segundo vocês começaram a ponderar mais o estúdio como um interface para realizar as vossas ideias. É um bocado por aí?

Sim, é isso. O primeiro disco, mesmo a própria disposição em que gravámos o disco é a mesma com que nos apresentamos em palco. Mesmo para dar essa ideia. E desta vez foi de facto diferente. Diria que talvez se percam umas coisas e se ganham outras.

Nessa contabilidade o que é que vocês sentem que ganharam? É um disco mais cerebral, um bocadinho?

Sim. Ganhámos muita solidez. Perdemos…

Se calhar não perderam nada. Trocaram.

Sim. Neste disco gravámos com metrónomo e isso foi logo assim uma grande decisão. Porque, basicamente, tínhamos de definir quantos BPMs tem determinada música. Respeitar o andamento. No outro disco, como não tínhamos nada disso, era mais livre. Podíamos começar a 130 BPMs e… Havia variações de velocidade. Gostávamos disso, ao mesmo tempo. Mais “tosco”, às vezes. Reflecte uma altura.

E esse material novo que vocês vão apresentar hoje já reflecte o que vocês andaram a fazer no estúdio. Esta lista enorme de convidados — eu não li a ficha técnica do disco, ouvi apenas os links do SoundCloud — é gente que já está no disco ou são apenas convidados para o espectáculo de hoje?

Alguns participam no disco — o Vasco Araújo e o Alex d’Alva Teixeira. O Hélder e o André Neves são experiências. O Miguel Vilhena, quer dizer, participou no disco também — ele produziu-o, tocou os baixos e hoje vai tocar guitarra. Ou seja, não tocou mas tocou. São amigos nossos. Decidimos trazer gentes conhecidas.

Queria falar um bocadinho dessa economia, do que é que significa ser uma banda obrigada a existir neste ecossistema português, que é feito de festivais e pequenos clubes. Para já, falem-me dos passos a seguir: o que é que já está marcado e que são os vossos desejos?

Temos o desejo de sair [de Portugal] e, de facto, já está marcado. Temos agendado para o dia 23 de Novembro uma ida a Sevilha, a um festival chamado Monkey Week. É a primeira vez que vamos tocar no estrangeiro. Estamos todos muito curiosos para saber qual será a recepção da nossa música para alguém que não é de cá. Acabará por ser positiva, quase de certeza. Nós não temos muitas letras e a coisa é universal.

Eu ia perguntar precisamente isso. Tendo em conta aquilo que tem vingado no mercado, que parte de algo mais local — temos o exemplo recente da Rosalía — e depois rebenta a uma escala global, vocês acham que há qualquer coisa de distintamente português no vosso som?

Sim, completamente. As melodias das guitarras, por mais criatividade que lhes tentemos dar, são portuguesas.

Eu até acho que isso se note mesmo ao nível das cadências e dos balanços, não é?

Sim, também. Quer dizer, não podemos generalizar e dizer “tema X é inspirado no bailarico.”

Mas há um bocadinho esse elemento, não há?

Neste segundo disco notam-se mais as raízes portuguesas, da música popular, tanto do bailarico como do folclore. Mas mantém a identidade de PISTA, aquela rockalhada a “abrir” com essa fusão de ritmos mais africanos que vai, talvez, satisfazer uma cena mais regional, se calhar a incluir o sound of Lisbon, em termos da cena tropical.

Eu sinto que isso está presente na vossa música. E vocês estão a absorver isso como? De uma forma propositada, tipo “vamos lá ouvir estes discos que estão a sair e são fixes” ou porque simplesmente saem à noite e absorvem as coisas? Como é que criam a salada que apresentam?

Julgamos que foi genuíno. Não ouvimos ninguém a falar de uma coisa premeditada. Aconteceu mesmo por acaso.


 

Mas ser premeditado também pode ser genuíno.

Quando estávamos em casa dos nossos pais éramos obrigados a ouvir a lambada, o Marco Paulo, os ranchos… Tudo. É uma salada.

Nós pensamos que nos entra por um ouvido e sai pelo outro mas…

Mas isso fica. Isso fica. E é engraçado porque, ao fazer estas canções, as melodias que nos vinham à cabeça… “Isto vem daqui. Isto vem dali.” É o baile rock [risos].

Eu há pouco disse-vos que queria falar aqui da economia. No primeiro disco fizeram o “pleno” e imagino que agora, com o Ocreza, queiram não só repetir como expandir. Esse “pleno” e esse tal ecossistema que temos em Portugal já permite a uma banda sobreviver, pensar que isto é uma coisa com futuro? Ou vocês ainda vão pensando a vossa vida disco a disco?

Disco a disco. Vem aí a caminho um vinil incrível que saiu a ferros, quase. Dinheiro para investir na gravação, dinheiro para investir na edição, etc. Não é assim uma coisa que abunde. Mas é como ter um filho — dá-se sempre a volta [risos]. Mas este foi um bocado a ferros. Ninguém aqui vive da música da banda. Temos todos outros trabalhos. Mas achamos que há uma oportunidade lá fora, de dar a conhecer a música dos PISTA num panorama mais world music/rock. Há bandas que conseguem singrar. Podem não estar super confortáveis em termos de perspectivas de futuro mas há um futuro brilhante e possível de alcançar. Conseguimos ver perfeitamente a nossa música a tocar numa festa de bairro em São Paulo, Madrid, Barcelona ou, sei lá, Berlim.

Os Sensible Soccers fazem música para o norte nórdico e vocês para o sul tropical?

Mas gostávamos de ver qual seria a reacção a norte também. Aliás, temos um alemão que já nos comprou um disco.

Há gente capaz de tudo.

Às vezes vemos no Spotify de onde é que vêm os streams e noutro dia reparámos em Vietname, sei lá.

Países que vos vão surpreendendo.

Há uns tempos, apareceu um casal — ele canadiano e ela indiana — de férias em Lisboa, quando estávamos a promover o disco anterior, e viram-nos a gravar uma malha para o Balcony TV. Adoraram aquilo e o romance deles estava meio que a começar. De repente a nossa música virou a banda sonora do romance deles. Em Janeiro ou Fevereiro mandaram-nos um mail a explicar que vinham novamente a Portugal a tinham que nos ver ao vivo, etc. Na altura não estávamos a tocar ao vivo e convidámo-los para virem assistir a um ensaio nosso e estarem ali um bom bocado. É aquela coisa: recebes um mail, “isto é a brincar?”

Só faltou irem tocar ao casamento.

Mas isto para dizer — e então com Lisboa cada vez mais visitada — que pode acontecer. Tudo é possível.

Num festival que ainda ninguém pensou e em que os PISTA são os curadores principais, que bandas portuguesas — e eventualmente um ou dois cabeças de cartaz internacionais — fariam sentido para a programação?

Vai ser tudo amigos.

Os amigos são para as ocasiões e um Festival PISTA seria uma ocasião especial.

Púnhamos logo o Xinobi. Moullinex também. Jibóia. Adorno, só para ir buscar assim os oldschool. ALGUMACENA e D’Alva. Púnhamos um espectáculo a solo do Vasco Araújo. Sensible Soccers, também.

Algum nome internacional que fizesse sentido?

Ui. Há tantas coisas que gostávamos de ver.

Aproveitem que o budget dá para tudo.

Acid Arab em DJ set, para ter mais budget [risos].

Assim permite contratar mais duas bandas.

Trazíamos cá o Aphex Twin para o vermos uma vez e ficávamos contentes.

Acho que era um festival fixe. Eu ia lá [risos].

Prima pela ausência total de fio-condutor.

O que é em si um fio-condutor. Vocês vêem a vossa música assim, a ligar vários pontos distantes e obrigá-los a fazer sentido?

Sim. Completamente. Não há uma regra escrita que diga “tem de ser sempre assim ou sempre assado”. É o que faz sentido. É o que torna as estruturas mais ricas. “Faz sentido ter uma coisa aqui que não tem nada a ver”. Depois cair noutra. Ser o menos linear possível.

Última pergunta: está aí o segundo álbum mas, na vossa cabeça, já têm a certeza de que haverá um terceiro?

Haverá, sim. Estamos curiosíssimos para saber como vai ser. E agora a compor a quatro… Vai ser fixe!


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos