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Fotografia: Beatriz Santos
Publicado a: 28/03/2019

O autor de MAKANDA at the End of Space, the Beginning of Time é um dos convidados de Branko em Nosso.

Pierre Kwenders: “A coisa mais bonita da música é que a maior parte das vezes nem precisas de compreender a letra”

Fotografia: Beatriz Santos
Publicado a: 28/03/2019

Pierre Kwenders é um músico singular, cujo reportório se divide entre as fortes influências africanas e tradicionais de onde é natural, o Congo, e os sons mais modernos do hip hop e da electrónica.

Colaborou com os Throes + The Shine e, mais recentemente, entrou numa faixa de Nosso, o mais recente álbum de Branko. Depois de actuações em Guimarães, a propósito do Westway LAB, e Lisboa, no Cinema São Jorge, o autor de MAKANDA at the End of Space, the Beginning of Time toca, em formato DJ set, esta noite no B.Leza, num evento que cruza as festas Na Surra e Moonshine — PEDRO, Progressivu e Petit piment também fazem parte do cartaz.

Em entrevista ao Rimas e Batidas, Pierre Kwenders falou do trabalho com artistas portugueses, a ligação com o nosso país e a importância do Congo na sua expressão artística.



Dei uma vista de olhos à tua agenda para estes dias e vais andar muito ocupado. Tens vários concertos em várias cidades, entrevistas… Como é que chegaste a Portugal? O que te traz cá?

O meu primeiro contacto foi o Branko. Já era fã dele desde os Buraka, já lá vai algum tempo. Conheci-o pela primeira vez em Montreal, acho que ele foi lá tocar num evento da Red Bull. Contactei-o, disse-lhe que adoraria conhecê-lo, talvez trabalhar com ele e que devíamos arranjar um tempinho para explorar algumas coisas.

Mas também colaboraste com os Throes + The Shines.

Sim! Conheci-os há três, quase quatro anos em La Rochelle, França. Foi numa grande sala e eles estavam a celebrar o aniversário. Os Throes estavam a tocar no mesmo palco que eu, mas depois de mim, eu estava praticamente a abrir para eles. Vi o concerto e adorei a energia, entrei em contacto com eles logo depois do concerto. Eles estavam na altura a trabalhar no álbum Wanga e perguntaram-me se queria entrar… Foi isso.

Conheceste dois artistas portugueses, o Branko em Montreal e os Throes + The Shines em França. Conta-me um pouco sobre a colaboração com o Branko. Foram logo para o estúdio?

Por acaso até fomos! Fomos logo para o estúdio em Montreal e começamos a trabalhar numa música que não é a que acabámos por divulgar, não é a “Amour d’Été”. Essa está perdida num disco rígido por aí [risos]. Tínhamos pouco tempo por isso não chegámos a terminar a canção. Lançámos algumas ideias ao ar e assim. Depois visitei Lisboa pela primeira vez em 2017. Estava a tocar na Europa e antes de ir para casa achei que precisava de uma semana de férias para relaxar. Quis relaxar em Portugal porque sempre cá quis vir! Quando cheguei enviei uma mensagem ao Branko, “estou em Portugal por uns dias, se estiveres por aqui vamos fazer qualquer coisa e talvez terminar a canção que começámos”. Ele convidou-me um dia para ir ao estúdio e quando lá cheguei pôs a tocar o instrumental do “Amour d’Été”. Eu gostei, mas não fizemos nada. Estávamos os dois cheios de fome por isso fomos antes comer, passar o tempo e beber qualquer coisa [risos]. Quando voltámos ele voltou a tocar o instrumental e acho que no espaço de uma hora fiquei inspirado. Escrevi qualquer coisa e gravámos no momento.

Quando soube que tinhas uma canção com o Branko e ouvi o teu reportório achei que realmente eram capazes de combinar muito bem, precisamente porque ambos têm fortes influências de ritmos africanos. Tu nasceste no Congo, e é fácil pensar que é por isso que fazes música como fazes. Achas que se não tivesses essas raízes farias música como fazes hoje?

Acho que sim, mas para te dizer a verdade não consigo ter 100% de certezas. Eu nasci no Congo e só saí com 16 anos. Já era crescidinho, a música congolesa que aprendi ali já não ia a lado nenhum. A minha mãe cantava para mim quando era pequeno, tudo o que ouvi… aquilo já não ia esquecer. Mas acho que se não tivesse nascido no Congo e tivesse antes nascido no Canadá, acho que teria sempre alguma influência africana na minha música, mas não tanto como tenho hoje.



Sentes que estás a representar o Congo? A música que fazes não é tradicional congolesa, mas sentes que representas o país com o teu som?

Claro que sim. Porque as pessoas quando se interessam na minha música e querem saber do que falo e dos artistas que me influenciaram, elas vão procurar e vão chegar a esses artistas. É um benefício para a música congolesa. Eu fazer o que faço, como faço, faz crescer um interesse na música congolesa, que as pessoas nunca ouviram muito provavelmente.

Tu cantas e rimas em francês, inglês e que mais línguas?

Lingala sobretudo, mas também um pouco em tshiluba e quicongo.

Esta é a pergunta que provavelmente todos os jornalistas te perguntam, mas tenho de fazê-la na mesma. Achas que o idioma em que cantas é uma barreira no que toca ao alcance da tua música?

De certeza que não. É a minha opinião pessoal, mas a música é uma linguagem comum a todas as culturas e pessoas. A coisa mais bonita da música é que a maior parte das vezes nem precisas de compreender a letra. A letra está lá para acompanhar a música e a mensagem está para lá do que está a ser cantado ou da língua em que está a ser cantado. Lembro-me de crescer a ouvir música em inglês ou de outras línguas africanas, e não compreendia o que estavam a dizer mas sentia-me conectado ao que se estava a passar de uma certa forma. Só espero que as pessoas possam fazer o mesmo e sentir o mesmo com a minha música. Eu acho que é isso que se passa com quem me ouve, porque a minha mensagem vai para além do que estou a dizer, quer o diga em inglês, francês ou lingala. Não importa desde que sintam e se relacionem o que o que estou a tentar transmitir.

Não sei o quão dentro da música portuguesa estás, mas já trabalhaste com dois nomes nacionais. Passa-se que temos vários artistas que estão a trazer de volta certos ritmos africanos. Por exemplo, o Dino D’Santiago está a trazer de volta o funaná. Arrisco-me a dizer que há coisa de 10 ou 15 anos a música africana era uma influência no que cá se fazia. Hoje é ao contrário, há artistas de raízes africanas que produzem música local influenciada pelos nossos sons e que a propagam mais além, com um som mais puro e tradicional. Sentes que isso acontece também no Canadá e nos Estados Unidos por exemplo?

Compreendo o que dizes, mas não posso dizer que concorde ou discorde. O que acho que está a acontecer é que quando mencionas artistas africanos a fazer música desta maneira tens de ter em consideração que a maioria deles vive no estrangeiro, já não vivem em África. Alguns vivem lá, mas cresceram noutro lado onde aprenderam culturas diferentes e maneiras diferentes de fazer música onde tentam construir uma ponte entre a cultura e os sons. Como disseste, as pessoas têm-se inspirado na música africana e que agora é quase um vice-versa – é simplesmente como as coisas funcionam, parece-me uma evolução natural. É abrir todas as portas, ligar todos os pontos e conectar todos os pontos. Contamos todos as mesmas histórias, mas de maneiras diferentes, o ritmo é só uma maneira de o tornar mais pessoal.



Tudo bem, mas os media sobretudo têm salientado esta ideia de que o hip hop é o novo pop. Os miúdos de 13, 14, 17 anos é o que ouvem, é o que passa na rádio. Achas que isso pode ser um acelerador da música africana? É que o hip hop é bastante compatível com estes ritmos, os pioneiros (por exemplo Afrika Bambaataa) tinham muito de África no seu som, mas o mesmo não aconteceu com o rock. Achas que esta é uma porta para alguns artistas africanos?

Definitivamente. Podemos ver isso. Sim, o hip hop é a pop de hoje, em França podemos ver muitos jovens com um background africano e uma produção musical que espelha isso. Tens muitos jovens congoleses que estão a usar o conhecimento da música congolesa em França e a ouvir aqueles ritmos. A fazer pessoas conhecer coisas que não sabiam existir. Aqueles miúdos que têm 12 ou 13 anos estão a descobrir coisas que para eles são novas e que são o máximo, mas que nós e a malta antes de nós já conheciam. Sim, é uma porta de entrada para os artistas africanos. Não fazemos todos hip hop, eu por exemplo não me considero um artistas de hip hop, apesar das influências claras, mas isso é uma clara vantagem para nós. É uma maneira de nos darmos a conhecer e de impingirmos a nossa música.

Dizes que não te consideras um artista de hip hop, e consigo perceber isso. Mas se tivesses de descrever o teu som a alguém que nunca te ouviu como o farias?

Essa é uma pergunta complicada porque nunca digo duas vezes a mesma coisa quando mo perguntam. Eu não sei, de certeza que não poria a minha música numa caixa, porque não gosto de catalogar. Pôr as coisas em caixas é um bocado como uma prisão, porque pões tudo numa caixa e depois é difícil escapar-lhe. Acho que a minha música é sobretudo sobre alegria, sobre desfrutar a vida ao máximo e como a quiseres. É o que tento fazer, desfrutar ao máximo e viver no momento. Viver no momento e ir com a corrente, é isso que tento fazer – não fazer demasiadas perguntas se “devo fazer isto?” ou “não devo fazer aquilo?”. Foi até assim que comecei a fazer música. Estudei contabilidade, era suposto ser contabilista, mas acabei a fazer música e adoro.

Já trabalhaste com dois artistas portugueses. Há mais alguém em Portugal com quem aches que a tua música é compatível e que gostasses de trabalhar?

Gostaria muito de trabalhar com o Dino D’Santiago e com a May…

Mayra Andrade?

Sim!



Isso é muito engraçado. Originalmente aqui nas minhas notas tinha uma pergunta sobre se conhecias o Dino e a Mayra, porque os achava muito compatíveis com o que tu fazes.

A sério? Adoro esses dois! Não sei porque razão em específico, mas a música deles fala comigo.

O Dino está a ter um grande sucesso, tem tocado pela Europa e tudo. Vais tentar entrar em contacto com ele?

Espero que sim, vou estar por cá quase 10 dias, por isso vamos ver se ele está cá. Tenho visto que ele anda em tour com o Branko por causa do álbum, adorava conhecê-lo. Não temos necessariamente que nos encontrar num estúdio e fazer música, basta-me passar tempo com ele e conversar com um copo de vinho ou uma cerveja na mão… uma cerveja provavelmente [risos].

E já ouviste o álbum inteiro do Branko?

Sim.

E o que é que achaste?

Adorei mesmo. Se calhar a minha opinião é algo influenciada porque tenho lá uma canção, mas a minha nem é o meu tema favorito. O meu favorito é o nono tema do alinhamento, a “Bleza” que é das poucas que é mesmo só ele. Mas há lá muitas faixas muito boas. A do Dino também é fantástica, a primeira música com Miles From Kinshasa também está muito boa, o “Hear From You” também é uma excelente faixa. A canção com Dengue Dengue Dengue!



O Branko fez um programa de televisão. Também entraste, não foi?

Sim sim, também entrei. O Branko visitou Montreal para aí em Fevereiro há cerca de três anos durante o Inverno. Estava frio, muito frio. Passámos algum tempo juntos, mostrei-lhe uns locais na cidade e segui-o por ali. Ele também tocou no Moonshine enquanto lá esteve.

Isso de tocar na vossa festa foi combinado?

Acabou por ser a melhor das coincidências. Ele contactou-me antes a dizer que vinha a Montreal fazer aquele programa. Estava a pensar em vir em Fevereiro e eu disse, “isso é perfeito, já que cá estas durante o Moonshine vamos fazer com que se proporcione”.

Já falámos um pouco sobre isto mas vais estar cá durante algum tempo. Já cá tocaste antes, o que achas do público português?

Sim, toquei em Lisboa no Super Bock Super Rock. Adoro o público português. Da última vez toquei muito tarde e ainda havia bastantes pessoas, a dançar e tudo! Acho que entrei à 1h30… era suposto sair às três da manhã e houve pessoas! Fiquei impressionado. Na altura fiquei algo cético em relação às horas, pensei, “ó meu deus, o espectáculo é tão tarde, no que é que me fui meter”. Tentei dormir uma sesta, mas não resultou então decidi que ia só beber uns copos e divertir-me, e foi o que fiz! [risos].


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