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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/03/2020

A segunda parte do sucessor de M.A.D.H.P. sai em Setembro.

Phoenix RDC: “A minha vida sempre foi uma aventura”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/03/2020

Na passada sexta-feira, Phoenix RDC falou-nos, pelo telemóvel, pois claro, sobre Vale D’Judeus, a primeira parte do novo álbum (duplo), editada este domingo, que conta com contribuições de Gson, DJ Cruzfader, Boss AC e Tekilla, entre outros. Em pleno cenário de pandemia mundial, o rapper da Vialonga abriu-nos as portas de sua casa à distância, ainda assim, a conversa não foi menos boa por haver esse obstáculo reflectido na ausência física – o que ficam são as palavras.

O artista abordou, inevitavelmente, as consequências deste fenómeno de larga escala, que coincidiu em cheio com o lançamento do seu disco. No entanto, numa lição de quem já viveu algumas coisas nesta vida, mostrou-se tranquilo e despreocupado dentro dos possíveis, ainda que, como músico independente, esta seja uma situação prejudicial para os próximos tempos da sua carreira. Porém, como o próprio lembra, além de rapper, é um ser humano. Somos todos. E, não obstante as inúmeras dificuldades que se avizinham, no fim de cada longo dia, o que conta é isso mesmo. Afinal, talvez este álbum tenha chegado em boa hora, para nos ajudar a ultrapassar esta crise sem horizonte à vista. Há esperança enquanto existir vida. Há vida enquanto existir música.

Vivemos uma situação complicada, em especial, para os músicos, devido à pandemia mundial que se instalou. Como artista independente, como estás a lidar com esta situação?  Isto veio a estragar um bocado os meus planos. Já tinha muita coisa marcada, e investi numa altura errada. Em termos de visibilidade até pode ser bom, porque as pessoas vão estar em casa, por isso vão ter tempo para consumir o produto. Mas em termos de business, vai ser complicado para mim, porque não vou poder usufruir do buzz que este álbum me vai dar.  O teu álbum vai ser lançado este domingo, dia 22 de Março. Estás a pensar numa forma especial de o apresentar, uma vez que não é possível fazê-lo ao vivo dadas as circunstâncias?  Um concerto é sempre um concerto. Temos de estar ao pé do público, a sentir aquele calor. Isso não é substituível. Mas vou fazer a apresentação no Maluco Beleza, no estúdio, em directo. Vai acontecer daqui a um mês, mais ou menos.  Já tive a oportunidade de ouvir o teu novo álbum. Começando pelo fim, na última faixa, “Hustle”, fazes referência ao coronavírus. Esta faixa foi gravada em que altura da pandemia? Foi uma alteração de última hora?  Foi logo na fase inicial, antes de estar a acontecer esta mudança também em Portugal. Eu acompanho as notícias, e isso foi logo na altura em que fiquei a par da situação. Quando estamos a gravar, há muitas palavras que ficam no nosso subconsciente, e surgiu essa palavra que encaixava bem nessa rima. Mas eu quando estou a fazer os meus álbuns, e faltam uma ou duas semanas para o lançamento, é quando me surgem os melhores temas, talvez pela adrenalina do processo. No meu álbum anterior, a “Vencedor” foi a última música a ser feita, quando faltavam três dias para lançá-lo. Nem era sequer para entrar no álbum, e foi a faixa que teve mais impacto. Tanto que as primeiras cópias do M.A.D.H.P. só tinham 13 faixas. Depois é que acrescentei essa.  Vale D’Judeus aborda a indústria da música como sendo uma prisão. E, ironicamente, na altura em que é lançado, os músicos estão “presos” em casa. Como perspectivas os próximos tempos para a tua carreira e para a divulgação do teu álbum?  É esperar e ver. A minha vida sempre foi uma aventura. Não sou uma pessoa de fazer muitos planos. Claro que vou tentando idealizar algo para o meu futuro, mas não gosto de estar a contar com uma coisa e isso dar errado, é uma desilusão. Prefiro viver um dia de cada vez, e o que tiver de ser, será. Se não tiver a dar concertos, e as próprias empresas forem abaixo, hei-de arranjar uma maneira de dar a volta. Arranjo um trabalho fora da música, se for preciso. Isso não me preocupa em demasia, porque, além de rapper, sou um ser humano.  Ponderas fazer uma edição física? Sim, estou a pensar fazer. Como este álbum é duplo, e a segunda parte vai sair em Setembro, o CD vai sair também nessa altura. Se bem que já há muita gente a pedir a edição física desta primeira parte. E isso deixou-me na dúvida, se deveria lançar agora a primeira parte em físico, e depois a segunda.  Qual foi a razão para dividires o álbum em duas partes?  Hoje em dia, consome-se muita música, e há muitos artistas a lançarem álbuns ao mesmo tempo. E o que é que acontece? Há grandes artistas que ficam algum tempo sem lançar nada, e parece que caem no esquecimento. Eu abordo isso. E vejo exemplos como o Regula, o Dillaz. Quando lanças alguma coisa, lembram-se de ti. Quando não lanças, és esquecido. Então, a minha estratégia inicial era a de lançar cinco/seis faixas agora, e outras tantas em Setembro. Conforme fui gravando, os temas foram surgindo, e já são 12. Mas não era suposto serem tantas. Isto para dizer que a minha estratégia foi dividir para que as pessoas consumissem agora uma parte, e, no fim do ano, a outra.  Em comparação com o M.A.D.H.P., este álbum é mais melódico. Tens procurado explorar mais essa vertente sonora, uma vez que já provaste a tua qualidade enquanto rapper?  Neste trabalho convidei artistas que fazem aquilo que eu não consigo fazer. Eu sou um rapper bastante melódico, mas até acho que neste álbum não cantei tanto. Entreguei os refrões a essas pessoas, como a Jackson D’alva ou a Josslyn. O álbum em si está mais melódico, mas eu “rappei” mais do que cantei. E chamei esses artistas, porque o mercado está assim. Se reparares, todos os últimos hits têm refrões cantados. Por exemplo, o álbum do Plutonio, que é quase todo cantado; os últimos singles do Bispo com o Ivandro; as músicas dos Wet Bed Gang; o ProfJam com a “Água de Coco”. Eu não quero deixar de ser rapper, por isso, prefiro convidar alguém que saiba cantar bem, para que este álbum vá de encontro ao que está a ser consumido em Portugal.  Na música “Mosh Pit”, tens várias referências, tanto antigas, como actuais. É uma daquelas faixas statement, em que mostras as tuas skills enquanto MC?  Sim, trouxe uma batida boom bap, mais crua. O pessoal agora tem a ideia que o boom bap é secante. E nos concertos de trap há a cena de fazerem mosh pits, como se no boom bap não desse para fazer, ou no rock, onde sempre se fez, e foi aí que nasceu. Veio daí a bridge do refrão, “mosh, mosh, mosh”, para a nova geração ver que também no boom bap dá para sentir essa adrenalina de saltar e curtir a festa.  Como é que surgiu essa participação com o DJ Cruzfader?  Ele foi uma das pessoas que mais me ajudou desde o início. A minha entrada no circuito dos concertos, nas Semanas Académicas, etc., foi a convite do Cruzfader. Ele já na altura disse-me que que eu “cuspia” muito, e desde aí que mantemos uma boa relação, vamos falando, e surgiu assim.  A “Última Noite” tem uma homenagem especial à tua mãe. Apesar do tema à volta deste disco, quiseste prestar essa homenagem como forma de agradecimento por teres chegado onde chegaste?  Foi isso, e foi saudade. Quando começamos a nossa luta, nem nós próprios acreditamos que vamos chegar lá. E, por vezes, para o nosso bem, os nossos pais dizem para nos preocuparmos mais com a escola, e não com o rap, ou com outra coisa qualquer. Por isso, quando consegues singrar, e tens uma multidão à frente que te valoriza, naquilo que antes era uma brincadeira, e não tens ninguém para comemorar… Até podes estar rodeado de milhares de pessoas, mas queres é mostrar às pessoas que importam para ti que a tua ideia era correcta, que deu certo.  Este é um álbum com várias participações. A segunda parte também vai contar com outras colaborações?  Sim, já tenho alguns definidos. Jimmy P; Wet Bed Gang; Missy Bity, uma cantora guineense; entre outros…  O teu registo varia ao longo das músicas. No processo de criação procuras essa diversidade deliberadamente, ou acontece de uma forma natural, consoante a direcção para onde o instrumental te leva?  Os meus professores no rap, as minhas referências, são do rap português. E eu cresci a ouvir boa música. Quando ouvia um álbum do Boss AC, do Valete, do Sam The Kid, cada faixa era uma faixa. Não havia faixas iguais. Eu nem sequer penso “vou fazer uma coisa como eles faziam”. Apenas fui educado assim, e não me faz sentido ter imensas faixas num álbum, sem tema, só em egotrip, a dizer que sou o melhor. Cada faixa tem de ter tema. Acho que esta questão de haver muita música sem temas também se deve ao facto de que os rappers que as fazem não batalharam. Tiveram a sorte de singrar logo, de chegar lá. No meu caso, não é uma cena pensada, mas sim uma educação que está no meu subconsciente. Mesmo ao nível dos flows. Vou-me guiando, dependendo do beat. Porque há artistas que cantam como se estivessem a construir um beat. Eu, o Gson, o Holly Hood e a Nenny somos criadores de flows. Podemos cantar de 10 formas diferentes no mesmo beat. Em relação à capa, feita pelo Mauro Faustino, esta gira à volta do paralelismo que pensaste para este disco. E voltando à última faixa, por onde começámos, levantas nesta música questões como o racismo e a injustiça social. Este álbum também serve para alertares os teus ouvintes sobre estes problemas, em especial, na tua zona, Vialonga?  Sim, claro. Não só na Vialonga, mas em Portugal, no geral. Tanto que eu menciono as situações do Snake e do Marega. Se calhar só 10% dos portugueses é que agem dessa forma errada, mas isso incomoda-nos a todos. Eu fui criado aqui, neste país, e tenho muitos amigos “brancos” que ficam tristes com essas situações, e que estão do meu lado. É verdade que as coisas já foram piores, mas não é por isso que agora podemos dizer que está tudo bem. Já não levamos com o chicote, então podemos levar um tiro uma vez por ano. Continua a ser um problema, e incomoda sempre.  Por fim, qual é a tua faixa preferida do álbum?  “Última Noite”. Sem dúvida.

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