Com mais de uma década de carreira, raízes firmes nos alicerces do hip hop mas também um protagonismo que ultrapassa as fronteiras do circuito, Phedilson é hoje um dos mais conceituados rappers angolanos. Em Portugal, começou por dar que falar num período em que esteve a viver no país para estudar, quando gravou e lançou os temas “Preguiçoso” e “Surra” (este último produzido por Madkutz), em 2019. Em Angola, essas faixas também lhe permitiram sair da bolha do movimento hip hop, afirmar-se perante um público maior e conquistar o circuito de Luanda, onde é mais difícil de entrar para quem vem de outro território, neste caso a cidade do Huambo.
A 23 de Maio, deu um concerto no Musicbox, em Lisboa, a convite da Bantumen. A revista digital que se dedica às culturas negras lusófonas tem vindo a celebrar os seus 10 anos com uma série de eventos naquela sala do Cais do Sodré dedicados às culturas de cada país africano de expressão portuguesa. 23 de Maio foi o dia de Angola, numa noite que também contou com participações de Jimmy P, Harold, Hélia Sandra, Cynthia Perez e Tennaz.
O Rimas e Batidas encontrou-se com Phedilson nos arredores de Lisboa para uma entrevista feita poucos dias antes desse evento. Acabámos por não conseguir publicá-la a tempo do concerto, mas aproveitámos para mergulhar pela primeira vez na história do rapper, perceber o que o move e que passos pretende dar no futuro.
Podemos começar pelo início da história. Em que altura começaste a rimar, a escrever?
Comecei a rimar em 2011. Tinha 17 ou 18 anos, por aí. Comecei de uma forma bué engraçada. Era o aniversário da minha namorada e decidi escrever-lhe uma carta naquele dia, para fazer uma cena diferente. Estive com ela, e quando voltei para casa fiquei a pensar que a escrita tinha fluído bué facilmente.
Mas era um texto ou era um poema?
Era prosa, não tinha rimas, eu estava só a expressar-me para ela. E depois fiquei a pensar que escrever não era assim tão difícil. Comecei a imaginar que poderia pôr as frases a rimar e experimentei esse tipo de cenas, comecei a fazer textos com rimas. A partir daí, conheci e fiquei próximo do people da Ferro Velho, uma crew lá do meu bairro, no Huambo. Eram uma crew com buzz lá, já eram aqueles cotas respeitados. Como eles moravam mesmo perto da minha rua, comecei a frequentar a casa deles e levaram-me para o estúdio. Em 2011 lancei o meu primeiro som. Por acaso foi num beat do Sam The Kid, do álbum de instrumentais Beats Vol. 1 Amor.
Qual é que usaste?
O “Eternamente Hoje”. E depois escrevi outras coisas noutros beats daquele álbum. E o segundo som que lancei, por mais engraçado que pareça, foi num beat do Madkutz. Por isso, quando fiz mesmo um som com ele, foi especial para mim. Já o acompanhava, já tinha aquela cena de um dia querer trabalhar com ele. É a mesma coisa que sinto com o Sam, é uma das minhas maiores referências. Basicamente, este foi o início.
Mas já eras ouvinte de rap há muitos anos, suponho.
Já, era ouvinte de rap desde criança. Mas na adolescência, para aí aos 13 anos, ficou mais forte. Ouvia principalmente rap angolano e rap tuga, mas também tive uma fase em que ouvia mais rap tuga. Também ouvia Kanye West, um bocado do Eminem, mas não entendia muito o inglês. Fiquei bem fã do Kanye, mas era a parte musical dele. Ouvia os sons e ficava arrepiado, às vezes deitava lágrimas, como se tivesse entendido o que ele estava a dizer. Mas era tudo muito por causa da atmosfera sonora que ele trazia. E esses primeiros sons foram como um hobby, para impressionar uns brothers.
Quando é que começou a ser mais sério? Foi nalgum momento específico ou foi algo muito gradual?
Foi muito gradual. Entre 2012 e 2013, não rimei nada, fiquei off. Por causa de cenas religiosas, estava mais ligado à igreja. Em 2014 regresso à cena e aí foi a virada. Começaram a acontecer algumas cenas. O Kool Klever, que é alguém big lá, ouviu um verso num som que eu fiz quando voltei a escrever e apresentou-me a algum people. Mais tarde conheci o S-Bruno, que depois fez parte do grupo que eu tive, Ascensão Music. Fomos lançando cenas e aí já era mais conhecido. O people de Luanda começou a olhar para a minha cena. Depois fiz várias colaborações, a cena foi crescendo, também participámos numa cypher importante em 2016. Fiz um remix do “Caravana”, do Sam The Kid com o Boss AC — na altura até recebi um áudio do Sam a dar props, que tinha ouvido a minha cena e tinha curtido. Aquilo foi festa, meu. O Sam… Fui logo partilhar com os bros, a dizer que o Sam me tinha dado a dica. Na altura já falava com o Harold, dos GROGNation, ele é muito amigo meu. No hip hop tuga é, provavelmente, a pessoa mais próxima. E conhecemo-nos pela Internet, começámos a falar. Um dia, ele estava com o Sam e a falar de mim. E gravou então o tal áudio para me enviar. Aquilo foi partilhado. A partir daí, claro que os blogs lá da banda começaram a postar a minha cena. Essas cenas fazem sempre com que tu sejas visto de forma diferente. Tipo, o Sam é bem respeitado lá também.
Dá-te outra legitimidade.
Da mesma forma que, no Huambo, quando viam que o pessoal de Luanda olhava para mim com respeito, o people de lá começava a respeitar mais. O mesmo acontecia em Luanda, quando viu o people da tuga a olhar para mim com respeito também. E a cena foi crescendo assim. A partir daí foi só somar. Vivi uma fase que era boa para me dividir entre lançamentos a solo e em grupo. Mas era tudo muito na perspectiva de passatempo. Não era nada profissional, eu não tinha essa pretensão. Tanto que havia propostas de produtoras para trabalhar, mas eu não estava para aí virado.
Mas davas concertos?
Sim, a partir de 2014 comecei a fazer actuações, mas não levava kumbu. A malta actuava for free. Eram eventos que às vezes nós realizávamos, coisas do circuito hip hop. Mas claro que é aquela cena que faz com que entres no meio dos nomes respeitados. Se tiveres skills e fores bom em palco. E eu sinto que essa cena foi bué importante. O people passou a olhar para mim do género “estás mesmo forte”. E depois a transição maior foi quando lancei o “Preguiçoso”, e o “Surra” com o Madkutz, as faixas que fiz quando estava cá em Portugal. Quando volto para a banda, volto muito mais conhecido. Cheguei lá e já havia convites das televisões, já era um outro nível, aí claro que começou a haver cachês. Começas a entrar numa cena mais profissional. E continuei a fazer lançamentos a solo e com o meu grupo. Depois houve uma fase em que entrei para a Galáxia, a editora do Dji Tafinha, que é gigante em Angola. Aquilo serviu para, de alguma forma, tornar a minha música mais mainstream. Não sou propriamente o mais mainstream de Angola, mas toda a gente sabe quem é o Phedilson. Aquilo serviu mesmo para crescer, na perspectiva de visibilidade e tal, e mesmo na ética de trabalho. Lançámos dois álbuns, o NAVE, um colaborativo com o Dji Tafinha; e o Phedilson, o mais recente.
Do ano passado.
Sim, de Setembro. Fiquei dois anos na editora. Saí recentemente, no fim do ano passado. Voltei ao formato independente de Novembro para cá.
E continuas a equilibrar o teu trabalho na música com a tua profissão como professor, não é?
Trabalho com o ensino, mas já não estou a leccionar na sala de aulas. Mas continuo a trabalhar com o ensino, na direcção de ensino da instituição de que faço parte. Sempre foi a minha área. Porque fiz a licenciatura e o mestrado em ensino de matemática. Então, especializei-me mesmo. Outra cena que mudou durante este tempo é o facto de já não existir o grupo Ascensão Music.
Também um acontecimento do ano passado, certo?
Sim, foi um pouco depois de lançar o último álbum. Deve ter sido em Outubro que anunciámos que já não íamos trabalhar como grupo. Foi uma cena surpreendente, na perspectiva em que notámos que o grupo afinal era bem maior do que pensávamos. Quando se anuncia o fim, parece sempre que fica… O people que tu não sabias que curtia bué de repente começa-se a manifestar. Foi nessa altura, sim.
Foi um bocadinho tudo ao mesmo tempo. O fim do grupo, o lançamento do teu álbum e a tua saída da Galáxia.
Nessa altura do ano passado, aconteceu muita coisa em simultâneo. A nível pessoal também, eu estava a viver uma fase muito complicada. A lançar o álbum, com problemas pessoais a acontecerem, e as cenas que fizeram com que o grupo finalmente terminasse, porque já há algum tempo que a cena não fluía no trabalho colectivo. Eu estava perto da defesa da dissertação do mestrado. Foi um processo bué complicado, tudo ao mesmo tempo, mas procurei de alguma forma fazer com que as coisas não fugissem ao controle. Porque em alguns momentos parecia que qualquer passo em falso poderia piorar certa situação. Então tentei equilibrar ao máximo e acho que deu para gerir.
Dirias que o teu foco agora é continuares um caminho independente mas a profissionalizares-te cada vez mais?
Certo. E a vinda para Lisboa para fazer o concerto vem muito no seguimento dessa ideia que referiste, que é estar-me a conectar. Porque eu tenho ouvintes cá. Vejo as estatísticas, os locais onde sou consumido nas plataformas.
E cá é significativo.
É, mesmo o feedback que recebo na Internet. Desde 2019 para cá, sempre senti que há people na tuga a ouvir a minha cena. E tal como tenho várias colaborações com artistas de trás — com o Harold, o Jimmy P, o Beatoven ou o Madkutz — a ideia é reforçar um pouco esse elo. Vir mais vezes, fazer mais coisas, lançar mais colaborações.
Continuar em Angola mas reforçar essa ligação com a cultura hip hop em Portugal?
Vir cá mais vezes, fazer mais coisas. Porque sinto que é uma cena de realização pessoal. Estou numa fase em que quero lançar o máximo de projectos possíveis. Quero produzir muito, musicalmente. Estive muito tempo a fugir da música como actividade principal e agora vejo a música como um propósito. Com esse nível de prioridade. Tudo o que faço é na perspectiva de me possibilitar fazer música o mais à vontade possível. Houve fases mais complicadas de fazer isso, mas agora já tenho tentado achar um equilíbrio. Ainda não estou 100% livre com a música como queria, mas já é a minha prioridade. Porque há coisas que sinto que precisam também da minha atenção e não me posso desfazer delas. A ideia é lançar muitas coisas, produzir ao máximo.
E este concerto aconteceu no âmbito dos eventos de celebração dos 10 anos da Bantumen que têm vindo a acontecer no Musicbox, com cada noite dedicada a um dos países africanos de expressão portuguesa.
E a minha ligação com a Bantumen é de 10 anos também. Acho que a primeira entrevista que lançaram em vídeo foi comigo. Então foi bem especial vir a Lisboa fazer esse concerto. Eu sabia que viria esse ano a Portugal para trabalhar, fazer música, colaborar com artistas. Mas quando a Bantumen me deu um sinal sobre a possibilidade de fazermos um concerto, fixe, ouro sobre azul. Vamos já arranjar uma forma de juntar o útil ao agradável.
E tens aproveitado este tempo em Portugal para trabalhar em música nova.
Tenho estado em estúdio com o Lunn. Já tinha trabalhado com ele num projecto que ele teve com o Harold. E é suposto estar ainda com o Madkutz e com o Harold. Queria ir ao Porto para trabalhar em algumas cenas. Não sei se consigo, mas vou tentar. No entanto, tenho outras sessões de estúdio com outros artistas e outros produtores aqui marcadas, para ficar mais umas semanas. Vai ser mesmo tentar trabalhar ao máximo.
Desde que começaste a fazer música e até agora, durante os últimos 15 anos, sentes que o mercado em Angola mudou muito para o rap? E para o teu tipo de rap também, que não é tão mainstream? Ou seja, há mais possibilidades de um rapper se profissionalizar? Existe um circuito mais profissional? Mais sítios para actuar? Mais público?
Há mais eventos. Claro que, como disseste, para quem não faz música tão pop, há sempre um desafio maior. Claro que há artistas que fazem pop que também têm desafios. Porque muitas vezes são artistas que tocam muito e depois desaparecem. Viralizam, mas depois desaparecem. Isso acontece bué na banda.
É difícil permanecer lá em cima.
Eu nunca gostei da ideia de viralizar. Sempre achei que era mais fácil ou melhor para mim criar um caminho sólido. Criar uma cena que crescesse de forma gradual. Claro que durante esse processo há hits, sons que tocam mesmo, alguns vão crescer mais. Mas gosto desse processo, porque a forma como vejo a música e o rap não é com a perspectiva de que é uma cena só para ser consumida no momento. Olho para a música como algo mais intemporal. E se tiveres boas formas de trabalhar, se tiveres estratégia, consegues capitalizar ao máximo o teu trabalho. Consegues manter-te profissional e ter retorno positivo em todos os aspectos. Acho que é uma cena de o artista acreditar. Quando te vergas à ideia de fazer o que toda a gente está a fazer… é perigoso.
Mas é mais fácil hoje do que há 15 anos?
Há duas perspectivas. Há 15 anos, estava um pouco complicado. Mas já havia muita gente a conseguir, já estávamos na fase da Internet e do acesso. Conseguias chegar a toda a gente, cada artista pode ter a sua própria plataforma, a sua editora. Só precisas de ter um microfone e um computador no quarto e Internet. Crias a tua estrutura e consegues ter a tua música exposta num local em que toda a gente pode ter acesso. Mas, ao mesmo tempo, o facto de ser assim faz com que tenhamos muita gente, muito fluxo, muitos lançamentos. E há muita coisa boa que não tem o destaque que merece. Seres actualmente um artista de rap sem liquidez financeira para investir… É muito desafiante. Tens de pensar em estratégias para chamar a atenção. E acho que é aí que alguns artistas até saem um pouco daquilo que é a sua essência. E vão-se deixando levar por estratégias só porque pretendem chamar a atenção. Estamos numa fase em que bate bué o TikTok, por exemplo. O artista sente-se tentado a ir para o TikTok fazer dancinhas. Claro. Passas a ter que pensar muito sobre estares sempre em actividade. Tens de ser um pouco mais blogueirinho. Acho que é importante que a malta siga o andar da carruagem a nível da forma como os putos e o público em geral, na verdade, consomem música.
Suponho que, nos últimos anos, também deve ter havido alguma transformação do consumo de música em Angola. Imagino que haja cada vez mais acesso à Internet, o Spotify também entrou no país em 2021. Não sei se já é uma plataforma muito relevante, ou seja, se as pessoas já estão a usar muito ou não.
As pessoas estão a usar, mas ainda não é a melhor forma de medir…
Como é que consegues medir quem está de facto a ser ouvido em Angola?
Quando vais para a rua. Estou a falar dos meninos, dos consumidores de rap que são muito a faixa etária dos adolescentes. Eles usam sites para descarregar as faixas, fazem o download e depois ouvem offline. As pessoas consomem online, sim, mas não é na mesma escala que cá. Em Angola há muita gente a consumir música offline. E há músicas a baterem e tu não consegues medir pelo YouTube nem pelo Spotify.
Os números reais são sempre muito maiores.
Sim, sempre. Mas também há people que faz aquela cena de comprar views, para dar a ideia de está a ser mais consumido do que na realidade está. Também há people a jogar assim.
Isso também deve tornar mais desafiante o processo de chegar ao público. Em Portugal, para o bem ou para o mal, o mercado pode estar saturado e pode haver muita competição porque há muitos artistas, mas a Internet está mesmo muito massificada, praticamente toda a gente tem acesso e consegues ter noção de quem está a ouvir e de quantos ouvintes são. Não sei se em Angola sentes que as rádios ainda têm uma importância maior.
A rádio tem power, mas já teve mais. A mim parece-me que a rádio cá tem mais power do que em Angola. Parece que aqui dá uma certa credibilidade. O people que toca em determinadas rádios é porque já está com algum buzz. Então, não sei se é a rádio que faz a diferença cá ou se simplesmente significa que, quando tocas na rádio, you made it. Na banda também tem isso, é importante estares a tocar na rádio, o pessoal ouve nos táxis, nas vans que o pessoal apanha. Mas a juventude não é muito consumidora de rádio, falando mais do meio urbano.
Portanto, estás a trabalhar no mercado angolano, mas também mais concentrado no português. No fundo, para teres mais oportunidades nos diferentes países, suponho. Sentes que são dois mercados que deveriam estar mais próximos, que deveria haver mais colaborações entre músicos angolanos e portugueses? Também há muitos artistas luso-angolanos, ou angolanos que cresceram cá. Sentes que essas pontes deveriam acontecer mais?
Deviam, por uma razão muito simples. Por exemplo, se fores para o inglês, acho que há mais ligações entre o mercado americano e o inglês. Principalmente agora com a cena do drill.
E mesmo noutros géneros musicais, sempre houve muitas bandas inglesas de rock a fazerem carreira na América.
Sim, só para dar um exemplo de que a ponte poderia ser maior. Claro que, para um artista sediado em Portugal, o mercado angolano não é tão atraente. Tem outras características. Angola precisa de melhorar em muitos aspectos de organização, direitos de autor, essas questões. Nós não temos bem uma indústria… Temos um mercado, sobretudo de eventos. E a um determinado nível, os artistas conseguem fazer coisas significativas e ir buscar rendimentos significativos também. Mas não temos a organização que existe em Portugal. E se calhar isso faz com que seja menos atraente para um artista estabelecido cá fazer colaborações com artistas angolanos, apesar de, de vez em quando, acontecerem. E sinto boa vontade dos rappers cá, de quererem colaborar.
E há vários rappers portugueses que têm ido actuar a Angola. Não são muitos, mas há alguns exemplos. O T-Rex, o Slow J também lá esteve recentemente…
Sim, o ProfJam também já foi uma vez, os Wet Bed Gang… A Força Suprema é mais old school e eles têm uma maior ligação. Eles lá estão mesmo muito presentes, não parecem artistas de Portugal, não são vistos como gajos de fora. Mas sim, sinto que nos próximos anos era importante essa distância ser cada vez mais curta. Também recebo muito feedback de Moçambique. Nunca lá estive, mas tenho muito feedback. Nas redes sociais devo ter uns 40 mil seguidores de Moçambique e nunca lá fui.
Era algo que gostavas de explorar?
Ya, acho que era importante eu ter alguma presença física lá nos próximos tempos. Tenho andado a pensar nessa possibilidade. Também colaboro com alguns artistas moçambicanos.
E tem havido muitos artistas angolanos a ir tocar a Moçambique, ou vice-versa?
Sim, actualmente há mais angolanos a irem tocar a Moçambique do que a Portugal. Mas também temos a música moçambicana, o rap moçambicano já foi muito consumido em Angola. Agora nem tanto. Mas artistas como Azagaia, GPRO, Hernâni da Silva… São artistas que já foram muito consumidos em Angola. E também há muito pessoal da kizomba que vai lá tocar, as pessoas lá consomem. Nessa perspectiva, para um artista angolano é um mercado a ter em conta.
Terminamos a conversa a falar sobre o teu processo criativo. Como é que funciona hoje em dia? Escreves muito para beats específicos? Também escreves letras sem instrumental?
Escrevo sem e com beats. Actualmente o modelo é mais escrever já com beats. Porque parece que as sonoridades agora são… Parece que os versos estão bem personalizados para cada beat. Antes tu tinhas uma estrofe, podias mudar de beat e conseguias ter a mesma estrofe. Actualmente há muitas variações, há vários estilos dentro do rap. E antes era mais fácil, eu escrevia quase tudo sem beats e depois procurava-os. Actualmente tem que se ouvir o beat, procurar uma cadência… Mas às vezes escrevo ideias sem beats, punchlines ou dicas, vão logo para o bloco.
Acabas por ter produtores específicos com quem trabalhas muito? Ou também gostas de ir buscar instrumentais de pessoas que às vezes podes nem conhecer?
Sim, sou bem aberto em relação aos produtores. Há produtores com quem tenho muita afinidade. Tipo o Madkutz, já trabalhámos em várias coisas. É daqueles em que penso sempre que vou fazer um projecto. Mas sou bem aberto, trabalho com vários, também tenho desenvolvido uma cena muito fixe com o Beatoven. Gostaria de ter um produtor com quem pudesse estar sempre a fazer várias coisas, mas não é a coisa mais fácil de encontrar.
E tu próprio a produzir? Vês-te a fazer isso?
Gostaria, mas não… Não é o meu foco. Não entendo de produção. Mas gostaria de mais para a frente ter essa cena de organizar… Ter um home studio. Eu nunca tive um estúdio mesmo no cubico. A maior parte do people tem. Então ainda não cheguei a desenvolver esse lado do produtor.
E tens objectivos específicos que gostavas muito de conquistar na tua carreira?
Tenho, sim. Colaborações, são várias. Gosto muito da ideia de partilhar música com outras pessoas. É uma oportunidade de teres na tua música algo que não tens em ti. Quando me junto a uma pessoa, ela traz-me uma cena que eu não tenho. Gosto muito da ideia de colaborar. E, sim, quero explorar os diferentes mercados, como Moçambique. Gostaria de um dia chegar ao Brasil para fazer música ou concertos.
Essa aí deve ser a ponte mais difícil dentro da lusofonia, não é?
Se calhar, nunca olhei para a cena como um objectivo para já. Até já houve uma conversa sobre uma cena, mas ficou assim meio que em stand-by. Mas um dos objectivos que tenho com a minha carreira é transformar ou pelo menos poder usar a minha influência como artista na perspectiva da responsabilidade social, das causas sociais. Fazer coisas que de alguma forma impactem positivamente a comunidade. No caso específico da banda, há muitas coisas, muitos problemas sociais em que eu gostaria de interferir e usar essa influência, o facto de eu ser um artista que tem a atenção dos teenagers para fazer coisas específicas. Não somente musicais, mas projectos que de alguma forma façam a diferença, mudem vidas e ajudem pessoas a melhorar a sua situação. Algumas pessoas vivem situações difíceis. Acho que nós, artistas, devíamos ter maior senso de responsabilidade com isso. No meu caso é muito graças à mentalidade que aprendi do hip hop. O hip hop traz esse cunho social e essa visão um pouco mais virada para aquilo que é a comunidade em que o MC está inserido.
Historicamente o rap em Angola também era muito político e social, não era? Talvez nos últimos anos se tenha tornado mais pop e festivo, como em Portugal.
Ainda existe esse rap mais político, mas acho que já tivemos isso com um power maior do que agora. Já tivemos isso com mais força. E porque muitas vezes a falta de paz não é somente a questão política da coisa. É uma questão de olhares para a sociedade e tu, como interveniente, como artista, propores falar sobre certas coisas que precisam de ser revistas. Não estritamente políticas. Acho que faz falta que os artistas estejam mais focados naquilo que é a vertente social. Não somente o entretenimento. O entretenimento existe e é importante. Todos nós queremos fazer parte e ter a nossa música a ser consumida nessa perspectiva, mas acho que podemos usar esse poder para mudanças mais significativas. É um dos meus objectivos. Seria um sonho para mim poder sentir que estou realmente a conseguir fazer com que a minha música transforme certas situações.