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Publicado a: 15/03/2016

Beats Vol.1: Amor. Sam the Kid a samplar a vida

Publicado a: 15/03/2016

Nota da Redacção: Em 2002, Rui Miguel Abreu, director do Rimas e Batidas, divida com D-Mars a gestão dos destinos da editora Loop: Recordings. Sabendo e conhecendo de perto o talento do jovem Samuel Mira, criador de beats no 7ºA numa torre de Chelas que já tinha editado Entre(tanto)Sobre(tudo), desafiou-o a criar um disco de instrumentais de hip hop. O resto é história – mas, resumindo, digamos que Beats Vol.1 – Amor tornou-se num dos álbuns mais importantes da história da música portuguesa.

Enquanto Sam the Kid não se decide em lançar o muito aguardado e prometido segundo volume, Rui Miguel Abreu remexeu nos seus arquivos e encontrou este texto escrito por si a propósito do álbum. Um press-release enviado para as redacções, mas que conta muito da história que está por trás de Beats Vol 1.

 [TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Paulo Romão Brás

“…vou* contar-vos um segredo…”

…o segredo é uma história de amor. Feita de homens e mulheres, de hip hop, de beats, de vida e sonhos, de filmes, de memórias e velhas fotos. O segredo é “Beats Vol. 1 – Amor”, de Sam the Kid.

E esta história tem muitos começos. Um deles pode ser há um quarto de século, quando a mãe e o pai de Samuel Mira (aka Sam the Kid, claro) tiraram as fotos que adornam a capa deste CD. O pai, DJ de classe, alinha um vinil de Isaac Hayes (Live at The Sahara Tahoe, nem de propósito) e a mãe deixa que um microfone capte o que lhe vai na alma. Isaac Hayes? Microfone? Exactamente… Como não pensar que a música que Sam the Kid ouviu ainda no ventre da mãe está directamente ligada àquilo que ele faz hoje? E a história de amor que percorre este novo disco de Sam The Kid é, obviamente, a história dos seus pais. Contada nos títulos, nos interlúdios, nos pequenos pormenores dos samples, nas entrelinhas… O resto podemos adivinhar ou pelo menos imaginar, não é? As festas de aniversário regadas a soul e MPB, as viagens à praia e o pôr-do-sol-de-postal-ilustrado, a rádio, a televisão. As referências são óbvias, basta ouvir o disco de coração aberto para se perceber.

Um outro começo possível para esta história (de amor…) é o do envolvimento de Sam the Kid com o hip hop. Samuel não recorda, como nos filmes, um daqueles momentos decisivos, quando a luz parece que entra dentro de nós. A luz, por assim dizer, foi entrando e quando Sam ouviu “93 ‘Til Infinity” dos Souls of Mischief as peças dispersas encaixaram-se. Os capítulos seguintes desta história dão conta da força com que Samuel perseguiu a paixão, gravando-a em cassetes, em mini-discs, em CDs e na sua câmara de vídeo.

A rádio – através do clássico Repto de José Mariño – foi o primeiro alvo do talento de Sam The Kid, que ininterruptamente produzia maquetes, algumas das quais foram para o ar. Depois, porque o amor dá força e nos puxa, os beats e as vozes colaram-se a um CD que ultrapassava em muito a produção artesanal com a qualidade dos temas. O álbum de estreia teve por título Entre(tanto) e revelou um talento maior (e “Lágrimas” tem que ser um clássico da música portuguesa). Foi a primeira vez que alguém se lembrou que com o sampler mais barato do mercado, um microfone e um gravador de CDs se podia lançar um disco. O hip hop em Portugal nunca mais foi o mesmo…

…é nesse momento que começa outra história de amor. A minha, pela música de Sam The Kid. Começou com Entre(tanto), comprado ao balcão Godzilla [que depois foi Kingsize…]. E nunca mais parou. Sam The Kid demonstrava já aí um grande talento para as palavras, mas ele também sabia contar histórias de outra maneira. Um dia, à pergunta “também fazes temas só instrumentais?”, Samuel respondeu com três CDRs com cerca de 90 temas gravados. Logo ali, o talento ficou exposto de uma forma que não admitia dúvidas. Sam tinha qualquer coisa muito especial dentro de si. E isso jorrava sob a forma de música. Todos os dias. Todas as noites. O talento era ainda sublinhado quando se percebia quais as ferramentas com que Sam trabalhava. Escassas, limitadas… Imaginem um escultor a dar-nos obras perfeitas em pedra com pouco mais do que as mãos. Sam era assim… (E os CDs circularam e muita gente foi construindo a sua própria história de amor…)


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A capa e o artwork do disco é da autoria de Cesária Martins.


Há outra história de amor que começa nesta altura. A de Sam the Kid com a MPC 2000. Este sampler da Akai é uma tela gigante, uma câmara de cinema, um fórmula um. Mal lhe pôs as mãos, Sam não conseguiu parar. As chamadas telefónicas tardias para o Jaws T duraram pouco tempo. Porque a máquina deixou de ter segredos para o Samuel muito rapidamente. E começou aí outra fase na carreira de Sam The Kid. “Sobre(tudo)” é o primeiro resultado da paixão de Sam pela MPC. E é um disco marcante no panorama hip hop nacional. Deu nome a Sam The Kid. E gerou em volta dele um culto significativo. E aplausos. E seguidores.

Mais ou menos quando Sobre(tudo) foi editado, começava outra história de amor: a da Loop:Recordings. E com a editora criada o convite ressurgiu. O primeiro impulso foi editar um dos álbuns contidos num daqueles três CDs com que mais de um ano antes Sam tinha respondido à pergunta dos instrumentais. Mas com a MPC a música de Sam The Kid tinha crescido. Em ideias, em sofisticação, em complexidade… Por isso mesmo, Samuel sugeriu antes que a Loop editasse o disco que vocês têm agora nas mãos…

É claro que há outras histórias (de amor, sim…) que começam aqui…

Uma delas conta-se nos títulos, nos samples de voz escolhidos, nos ambientes desenhados com os beats. É uma história clássica. Paixão, desencanto, separação e reencontro. Sam the Kid, com uma visão cinematográfica apurada (Samuel estudou produção de vídeo e tem assinado alguns clips, além de inúmeras produções quase-cinematográficas caseiras), conta-nos uma história de amor e para isso sampla a sua própria memória, o álbum de fotografias familiar, a televisão, sampla-se a si mesmo através da sua câmara, sampla as mensagens deixadas em telefones de amigos por gente apaixonada, sampla conversas tidas ao seu lado, sampla o seu próprio bater de coração. E sampla soul, MPB, jazz, funk, hip hop e música portuguesa, bandas sonoras, filmes e novelas. Sam the Kid sampla a vida. E depois programa-a com classe, em arranjos de um bom gosto inexcedível que revelam uma personalidade musical madura. A sequenciação, essa é feita ao vivo, enquanto D-Mars prepara a mesa de mistura para receber o som de Sam The Kid.


 

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“A luz, por assim dizer, foi entrando e quando Sam ouviu “93 ‘Til Infinity” dos Souls of Mischief as peças dispersas encaixaram-se. Os capítulos seguintes desta história dão conta da força com que Samuel perseguiu a paixão, gravando-a em cassetes, em mini-discs, em CDs e na sua câmara de vídeo”


Há várias outras histórias de amor. A de Cesária Martins, a designer do disco, pelas fotos que Samuel escolheu em casa. A história de amor da Loop por este tipo de projectos, onde se sente o hip hop a desprender-se do presente para correr para o futuro. Há até histórias de amor por aí que nada têm que ver com este disco…

Mas agora pode muito bem começar outra história de amor. A vossa por este disco. Basta ouvi-lo. Nós deixamos o resto do papel em branco, para que a acrescentem aqui… será um segredo que fica entre nós…


 

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