pub

Fotografia: Kathryn Riley/NFL
Publicado a: 14/02/2022

Mais fumo do que fogo.

Pepsi Super Bowl LVI Halftime Show: o que farias se te concedessem um dos mais preciosos tempos de antena do mundo?

Fotografia: Kathryn Riley/NFL
Publicado a: 14/02/2022

O Halftime Show do Super Bowl pode sempre ser analisado para além dos contornos meramente televisivos. Ao longo da sua existência, aquele que é um dos intervalos mais vistos a nível mundial (os números deste ano sugerem novamente mais de 100 milhões de espectadores colados ao ecrã) tem ido muito além do simples entretenimento, procurando muitas vezes sensibilizar, alertar, consciencializar e por vezes até tocar na franja mais sensível de quem se desloca ao estádio com intuitos meramente desportivos — um regresso rápido à actuação de Bruno Mars, em 2013, mostra uma audiência de lágrima no canto do olho a assistir à homenagem às Forças Armadas norte-americanas ao som de “Just The Way You Are” e acompanhada de testemunhos na primeira pessoa. Goste-se ou não se goste, a verdade é que esta é uma importante janela para o mundo, escancarada ou entreaberta, directa ou indirecta, com mensagens evidentes ou subliminares, por onde o sol raia com maior intensidade ou por onde escapam tímidos rasgos de luz.  

Por vezes, as ideias transmitidas tendem a motivar uma mudança de atitude ou corrente ideológica, como foi saliente na actuação de Jennifer Lopez e Shakira, em 2019. Além do empowerement feminino que marcou toda a performance, as duas estrelas pop trouxeram para o palco toda a cultura latina que lhes corre no sangue, das músicas escolhidas às frases partilhadas em castelhano, dos convidados escolhidos (Bad Bunny e J Balvin) à própria bandeira porto-riquenha exibida. Numa América à data liderada por Donald Trump, este foi um grito crivado de simbolismo que mereceu o devido aplauso por parte daqueles que querem derrubar muros ao invés de os erguer. Em paralelo, podemos encontrar exemplos como o de The Weeknd, que tomou de assalto o palco do Raymond James Stadium, no ano passado, com uma narrativa que teve como foco o contexto pandémico: isolamento, máscaras, distanciamento social e um olhar fixo na câmara e no espectador do outro lado do vidro ao invés de abraçar um estádio em euforia. Um olhar sobre o paradigma que o rodeava na altura, portanto. 

A edição deste ano prometeu mais do que cumpriu. Esteve dentro da média a nível de entretenimento — algures entre a fantástica performance do já citado Bruno Mars e a sensaboria dos Coldplay, em 2016, espectáculo do qual fez parte, ironicamente, o “funky boy” de Honolulu — mas muito longe de serem os 15 minutos que nos deixam boquiabertos ou a reflectir, como foram, viajando ainda mais no tempo, os de Michael Jackson, Prince ou U2 (não querendo, claro, fazer qualquer tipo de comparação a nível artístico nem cronológico). O elenco deste ano sugeria uma evidente viagem aos anos de ouro da dinastia Dre (com recorte clássico, naturalmente) e o destaque dos seus principais figurantes — no palco, o produtor californiano fez-se acompanhar de Snoop Dogg, Mary J. Blige, Eminem e, no plano mais recente, mas também descendente do seu legado, Kendrick Lamar (juntar-se-iam a esta celebração 50 Cent e Anderson .Paak). Festa rija com um desfile de êxitos que foi de “The Next Episode” a “Still D.R.E.”, passando por “Lose Yourself”, “Family Affair”, “Alright” e “In Da Club”, entre outros apontamentos. Tudo certo com o alinhamento, pensado para incendiar a arena (talvez trocássemos “Lose Yourself” por outra canção de Eminem que colasse melhor neste medley) mas fica a ideia que o conteúdo podia ter sido servido de outra forma.

Bem sabemos que um espectáculo audiovisual depende muito do binómio dia/noite. É normal que um concerto que aconteça depois do sol se despedir totalmente na linha do horizonte concede mais ênfase ao desenho de luz e de vídeo, sendo por certo que este é um evento que tenta estar sempre na vanguarda tecnológica — neste campo poderá facilmente ser comparado com a Eurovisão, na Europa, ao qual todas as marcas de equipamento se querem associar para revelaram os novos avanços a nível de som, imagem e luz. A actuação de Bruno Mars (permitam um derradeiro regresso a 2014) ficou marcada por integrar o público no espectáculo, resultando no maior ecrã de leds alguma vez criado. E tudo de forma simples e eficaz: durante a actuação, a audiência foi convidada a colocar um chapéu com três leds embutidos e controlados à distância, resultando numa gigantesca tela vídeo com mais de 80 mil píxeis.

Não se pedia que o show deste ano tivesse a mesma componente audiovisual, até por ter acontecido ainda de dia, mas talvez um melhor investimento a nível de cenografia tivesse trazido uma outra pulsação ao momento. A ideia dos contentores a simularem o ambiente de bairro não é má, mas um evento que é conhecido pela forma como os cenários mudam e a rapidez com que tudo é montado e desmontado pedia algo diferente. Algo que enchesse o olho na ausência dos efeitos de luzes e vídeo. Algo que, por exemplo, ajudasse a fugir ao constante estereótipo dos carros, mulheres e dinheiro. Aconteceu precisamente o inverso. Dr. Dre e Snoop Dogg já não são nenhuns garotos e a Up In Smoke Tour foi há mais de 20 anos. Reavivar esse imaginário, como parece ter acontecido de certa forma, não acrescenta nada em 2022.

Nós que estamos na iminência de testemunhar um conflito a leste da Europa (e a nível mundial, talvez), do qual, caso se materialize, os Estados Unidos farão certamente parte. Nós que ainda não saímos da crise pandémica e ainda nem sequer entrámos na prevista crise económica. Os Estados Unidos que ainda não conseguiram virar por completo a página do Trumpismo e que ainda têm como frescos a invasão ao Capitólio e o assassinato de George Floyd.

Sendo o hip hop uma cultura que vive essencialmente da mensagem, não seria de bom tom — na primeira vez em que toma conta a sério do relvado do Halftime do Super Bowl — deixar uma marca singular na história do evento? Três exemplos de como é possível: Kendrick Lamar nos Bet Awards de 2015; Lil Baby na cerimónia dos Grammys 2021; Dave nos Brit Awards de 2020. Ficou no ar a sensação que os artistas envolvidos no intervalo do Super Bowl deste ano podiam ter aproveitado de outra forma o precioso tempo de antena a que tiveram acesso. 


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos