Recuar uma semana, na margem certa do rio, no Barreiro e mais concretamente na edição deste ano do OUT.FEST. De uma leitura mais ou menos cuidada do programa verifica-se a existência de um número considerável de concertos em que a bateria e outros instrumentos de percussão assumem lugar predominante. Bateria tocada de uma forma não convencional e onde os sons que se extraem não são imediatamente associados a este instrumento – Enrico Malatesta – demonstração clara que a conjugação entre recursos mínimos permite a maximização das potencialidades tímbricas. João Pais Filipe + Manongo Mujica no que se refere à integração de instrumentos de diversas proveniências geográficas, na tentativa de articular um discurso comum. E muito naturalmente Gustavo Costa, num solo em que mistura as diferentes linguagens que o acompanham ao longo do seu percurso musical e que tão bem se encontram descritas quer no recente trabalho editado pela Lovers&Lollypops (Entropies and Mimetic Patterns – 2021), quer no texto de Nuno Afonso para o Rimas e Batidas. Poder-se-ia recuar mais uns meses e fazer alusão ao concerto de Pedro Carneiro na edição de Junho do OUT.FEST ou ainda ao Jazz em Agosto com o exercício de Gabriel Ferrandini – Hair of the Dog. A afirmação da percussão como elemento marcante na programação musical deste ano, utilizando as suas características sonoras de uma forma bastante distinta, mas também o facto dos bateristas se assumirem como compositores, reforçando, também por aqui, o seu discurso autoral. Se tendência ou coincidência, deixemos o tempo falar.
A esta lista tem que se acrescentar, inevitavelmente, Pedro Melo Alves e Omniae Large Ensemble, com Lumina, no passado dia 15 de Outubro, na Culturgest, em Lisboa. Lumina é, também, o título da recente edição da Clean Feed, nota de parabéns pelo 20º aniversário, e que serviu de estrutura para o concerto. Ao contrário dos nomes a que se aludiu anteriormente, Pedro Melo Alves optou por uma versão maximalista, tendo para o efeito recorrido a diferentes secções – rítmica, sopros, metais, cordas, vocal, percussão, electrónicas –, perfazendo um total de 24 músicos, conduzidos pelo maestro Pedro Carneiro. Um percurso distinto, que se assume pela escala, por um lado, e por constituir uma etapa mais do seu trabalho como compositor, tendo vencido o Prémio de Composição Bernardo Sassetti – 2017, por exemplo. Igualmente, a demonstração do Omnia Large Ensemble como um corpo mutável, que cresce e aglutina diferentes músicos de gerações mais ou menos próximas.
A noite dividiu-se em três partes: “Ubi” – “Phelia” – “Onírea”, percorrendo caminhos entre o jazz, free jazz e o que commumente se designa como música contemporânea. Estreitando os pontos de ligação através do recurso à electrónica de João Carlos Pinto e/ou à percussão de Braga Simões, por um lado, aos solos de piano de José Diogo Martins e de guitarra de Mané Fernandes, por outro, através de pontilhismos vocais donde se destaca Mariana Dionísio, e ainda através da demarcação das diferentes secções com critérios definidos e claros, tendo por base uma condução de orquestra segura de Pedro Carneiro, mas não menos atenta de Pedro Melo Alves.
Um exercício arriscado, pela escala que o projecto foi assumindo, mas pelas circunstâncias em que o mesmo foi edificado – durante um período de confinamento, com as consequentes limitações de circulação e contacto. A escala, discussão eterna em diversos meios artísticos, é “bicho” difícil de lidar. Um exercício de acrescentos sucessivos pode retirar mais do que aquilo que dá, com a necessidade, na maior parte das vezes, de uma prática posterior de decapagem, com a imprescindível eliminação dos excessos, originando espaços para que os diferentes elementos da estrutura possam sobressair por si, naturalmente integrados no seu conjunto. Talvez tenha sido nesta certa incapacidade de criar interstícios que a apresentação de Lumina ficou aquém das expectativas. Como o próprio Melo Alves reconheceu, em momento de diálogo com o público, talvez tivesse sido mais estimulante dar destaque aos muitos e bons solistas que fazem parte do grupo, como por exemplo, Luís José Martins (guitarra clássica). Deixar respirar, mas igualmente procurar formas combinatórias entre os instrumentistas, vozes incluídas, que não tenham de afirmar uma diversidade, antes que correspondam a uma estrutura mais fina e amarrada. Houve momentos de inegável beleza, relações bem construídas, mas que pecaram por uma excessiva presença de muitos, no mesmo espaço e tempo. Menos (ainda) é mais.
Um percurso que se deve acompanhar com olhar atento, apontar as datas anunciadas de The Rite of Trio e com um olhar mais amplo para o trabalho dos diferentes bateristas que ostenta uma vitalidade, que se espera não circunstancial, antes voz de urgência para mudanças futuras.