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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/06/2023

A importância do momento.

Pat Thomas (Black Top) a caminho do TBA: “Com a música improvisada, não nos podemos dar ao luxo de ter um dia mau”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/06/2023

O telefone, num ângulo ascendente, só mostra os olhos de Pat Thomas, pormenor ainda assim bastante revelador da sua afável personalidade, já que se mostraram sempre preenchidos daquela luz particular que os ilumina quando o rosto sorri. O veterano pianista, que ainda o ano passado esteve em Portugal para um belíssimo concerto de أحمد [Ahmed] no Jazz em Agosto, regressa agora ao nosso país com Black Top, projecto que mantém com o percussionista e vibrafonista Orphy Robinson, para uma muito aguardada apresentação no Teatro do Bairro Alto que acontece já depois de amanhã, dia 30 de Junho. Nessa ocasião a dupla terá ao seu lado a saxofonista Rachel Musson a quem Thomas não poupa elogios durante a chamada Zoom.

No final da conversa, Thomas faz saber que o concerto a solo que presenciámos em Dezembro último em Helsínquia deverá merecer edição dentro de algum tempo. Uma óptima notícia que talvez até sirva de pretexto para um regresso ao nosso país. Sobre esse concerto, escreveu-se por aqui: “Pat Thomas assinou um profundamente espiritual momento de comunhão, com os seus clusters de notas a erguerem-se de forma majestosa perante um público que esgotava o pequeno auditório e que se mostrou muito pouco interessado em que o veterano pianista terminasse a sua viagem. Uma das melhores apresentações presenciadas pelo Rimas e Batidas neste festival, sem dúvida”.

Além da passagem com Black Top e Rachel Musson pelo Teatro do Bairro Alto, importará recordar aos fãs de Pat Thomas que haverá outra possibilidade de o aplaudir ainda este Verão, já que ele também integra o projecto Trance Map de Evan Parker que a 28 de Julho se apresentará no Jazz em Agosto.



Pode começar, por favor, por me falar no projecto Black Top e no que representa no contexto das diferentes aventuras criativas em que se tem envolvido?

Bem, Black Top é o meu projecto com o Orphy Robinson. Suponho que isto nasceu quando ambos éramos parte da digressão de Butch Morris, London Skyscraper, em 1997. Começámos a falar sobre diferentes abordagens à criação de música e concluímos que seria bom podermos usar algo do nosso background, da nossa cultura. Pensámos que seria bom, de repente termos um pormenor vindo do mundo do reggae ou um groove funk, mas nunca de maneira forçada – você sabe, como quando de repente vemos uma banda qualquer mencionar quando faz algo diferente: “Ah, este é o nosso projecto funk”. Queríamos apenas poder usar a nossa música de forma autêntica num contexto improvisado. Eu estava a trabalhar com alguma electrónica e disse ao Orphy: “Tenho que arranjar maneira de fazer isto de forma simples e rápida e depois falamos”. Tinha um computador novo na altura e comecei a carregar coisas para lá. Era um velho laptop, preto, e quando começámos a pensar num nome [risos], penso que disse algo como “tenho estado a trabalhar neste black laptop“. E daí chegámos a Black Top – “Parece um bom nome”.

Na verdade. é mesmo uma ideia muito simples: num contexto de improvisação ser capaz de incorporar coisas do nosso background sem nunca forçar nada, mas não temer ir até essas zonas se de repente isso nos parecer apropriado. Às vezes, na música improvisada, há estas directivas de não tocar sobre grooves ou de citar outras peças, mas vindo nós desta cultura das Caraíbas pareceu-nos uma boa ideia poder usar esse legado. E também queríamos inspirar músicos, você sabe, músicos negros que não estivessem habituados a tocar num contexto de improvisação total. Isso pareceu-nos um bom desafio. É por isso que temos convidados. Neste caso chamámos a grande saxofonista tenor Rachel Musson.

Já a conhecia, naturalmente: trabalhou com a Rachel, por exemplo, num projecto que também envolveu o Mark Sanders e que fez concertos em 2019. O que acha que ela traz de singular para este encontro com Black Top?

A Rachel é, sabe, uma saxofonista completa: consegue tocar em qualquer contexto, tem ouvidos incríveis. Ela é mesmo perfeita para nós, porque sabemos que o que quer que possamos tocar ela vai apanhar, vai estar lá e acrescentar coisas. Ela está completamente à vontade em múltiplas situações. E sinto-me muito afortunado por poder tocar com ela e com outro grupo chamado Shifa…

O tal projecto que eu mencionei…

Exacto, com o Mark Sanders, uma coisa mais acústica. Foi, aliás, o Mark que me falou nela a primeira vez, que me disse que conhecia uma tenorista fantástica e que devíamos fazer algo com ela. E eu disse, “ok, vamos fazer algo no Cafe Oto”. E eu fiquei absolutamente espantado com a proficiência dela, com a sua capacidade de improvisação, com o seu som. Penso que ela é uma das grandes saxofonistas tenores actualmente. Estou mesmo contente por ela estar disponível para fazer este concerto.

E quanto ao concerto: imagino que não haja ensaio prévio, nenhum plano estabelecido antes de subir ao palco, nada pré-estabelecido…

Nada mesmo. Tudo acontecerá em palco. É provável que digamos “olá” antes de entrarmos… [Risos] Não pensamos muito sobre como vai soar a música, nunca conversamos sobre isso. Na verdade, os músicos britânicos têm por hábito nem sequer dizer grande coisa depois dos concertos [risos]. Quando toco com outros músicos europeus, eles depois gostam de discutir o que aconteceu. Nós, os britânicos, nunca falamos sobre isso [risos]. Nem antes, nem depois. Bem, podemos dizer algo como “correu bem, foi um bom concerto”, mas nada mais. Não nos analisamos. Limitamo-nos a confiar… Bem, eu sei que algo de especial há-de acontecer, mas seria incapaz de dizer o que será, porque nem eu sei.

Bem, a conversa, na realidade, é o que vocês fazem no palco…

Sem dúvida. A primeira coisa é estarmos todos no mesmo lugar e depois atiramo-nos à música. Mas sim, ela é uma artista fantástica. Vai ser bom.

O Pat tem, obviamente, uma vastíssima experiência, mas ainda dá por si a ser surpreendido nestas situações, a escutar algo que nunca ouviu ser tocado antes, a ser apanhado de surpresa por alguma abordagem diferente, por exemplo?

Claro que sim e, em certa medida, essa é uma das razões para continuar a fazer isto, música improvisada ao mais alto nível. Na verdade, é nessas situações de pura invenção, de improviso completamente livre, que isso sucede e nenhuma experiência nos prepara para isso ou retira força a esses momentos. Num contexto de improvisação tem-se sempre que tocar, o tempo todo, e tudo é fresco o tempo todo, mesmo quando se conhece bem os músicos. Mesmo com o Orphy, que conheço desde 1997 – ou seja já são mais de 25 anos –, ele está sempre a surpreender-me… A maior parte das vezes eu não faço ideia do que vai ele trazer. E essa é a beleza desta música, sempre nova. 

Quando se toca música composta, tudo se resume à prática, à capacidade de tocar com outras pessoas que são supostas saberem igualmente as suas partes para que tudo encaixe. E isso pode render uma boa performance, também, mas sabemos sempre o que se espera de nós. E mesmo num contexto jazz, ainda que haja improvisação, pode ser que por vezes as coisas não resultem. 

Na música improvisada não há esse luxo de ter uma base para começar, há que mergulhar logo desde o início. Temos que estar concentrados e totalmente no momento, desde o arranque. Com a música improvisada, não nos podemos dar ao luxo de ter um dia mau. E isso exige muito mais de nós. Porque não se pode depender de algo que já se tenha feito antes. Isso não significa que não se tenha um vocabulário, mas não se trata de impressionar o público com uma melodia – num contexto jazz quando se toca uma peça complexa, as pessoas ficam impressionadas com o facto de alguém conseguir tocar aquelas notas daquela maneira, mas na música improvisada não é assim que as coisas funcionam. Não é acerca disso. E é, aliás, aí que se percebe a importância do público, porque esta música faz-se em conjunto. Para a música improvisada é fundamental ter um público. Se se estiver a ensaiar um dia inteiro uma peça de clássica contemporânea, quando se chega ao palco a preocupação principal não é com o público, mas com a peça – o músico vai estar de olhos postos na pauta o tempo todo… Não é isso que sucede na música improvisada: está-se muito atento ao público, ao facto das pessoas estarem a escutar o que está a acontecer, torna-se algo muito pessoal, porque sabemos que estamos a criar música para aquelas pessoas agora. E isso nunca se irá repetir da mesma maneira.

Há uma ética e uma responsabilidade…

Claro. Com Black Top eu posso trabalhar em casa em possibilidades, mas até tocarmos eu não faço ideia do que vai acontecer. Posso ter linhas de baixo, ideias em que ando a trabalhar, samples que poderei ou não usar… Mas não faço ideia do que poderá funcionar até ao dia em que subimos ao palco, por isso, sim, é uma grande responsabilidade. Mas também é excitante.

Visitou-nos o ano passado para uma incrível apresentação de Ahmed, na Gulbenkian…

Sim, uau, foi fantástico. E este ano vou voltar, com o Trance Map do Evan Parker. Sinto-me muito honrado por o Evan me ter convidado a tocar nesse grupo. Será com o Peter Evans, Hannah Marshall, Matt Wright e um grande baterista… Toma Gouband, é isso. Vai ser a primeira vez que toco com ele. Tenho sorte: há anos que não fazia o Jazz em Agosto e depois de Ahmed estou novamente de regresso. E ainda há este concerto. Mal posso acreditar que estou com tanto trabalho em Portugal. Pode até ser que apareçam mais coisas.

E quanto a planos para novas edições?

Bem, ainda não o fiz, mas há a possibilidade de lançar um trabalho de piano a solo. Trata-se de uma apresentação que fiz na Finlândia, no We Jazz Festival.

Bem sei… também vi esse concerto. Nós conhecemo-nos em Helsínquia e até chegámos a conversar um pouco.

Bem, estou a pensar lançar isso no próximo ano. Eu fiquei muito satisfeito com esse concerto e a gravação, que já ouvi, está muito boa, por isso falei com o Matti Nives da We Jazz, disse-lhe que estava satisfeito e perguntei-lhe se ele não quereria editar. Essa foi a minha primeira vez na Finlândia e eu adorei o festival, com tanta coisa a acontecer, o piano em que toquei era muito bom e o público fantástico. Gosto muito da forma que a We Jazz encontrou para fazer algo assim acontecer. E a editora e a revista são fantásticas. Para já, é esse o plano.


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