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Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 02/07/2019

O autor de Deepak Looper actua esta semana no Novas Quintas na Rua, em Aveiro.

Papillon: “Quero sempre fazer o melhor por mim, mas também pela música portuguesa”

Fotografia: Sara Falcão
Publicado a: 02/07/2019

O ponto focal poderia ser “como quebrar o gelo com Papillon”, mas quando Rui Pereira tratou de o fazer tão diligentemente no seu primeiro disco, a conversa flui por descomplicado impulso. Há pouco mais de um mês, o hip hop nacional assinalou o primeiro aniversário de Deepak Looperdistinguido como o melhor disco nacional do ano transacto pela nossa equipa— e não nos alheámos à festa que corre desde 21 de Março.

Já escrevemos que “em 13 faixas, Papillon foi de cantor a storyteller, da alegria à tristeza profunda” e “reclamou o seu lugar no actual panorama nacional”, para depois o sagrarmos “símbolo de uma juventude que coloca o ónus sobre si mesma, mas afinal está mais preparada que ninguém para explorar talento bruto”. Passemos o testemunho, então.

A escassos dias da sua actuação no Novas Quintas na Rua — a 4 de Julho na Praça da República, em Aveiro — telefonámos ao rapper de Mem Martins para lhe propor a reflexão sobre o disco que lhe abriu portas e mereceu elogios do seu panteão pessoal de artistas. Papillon falou-nos das diferenças entre um projecto a solo e a dinâmica dos GROGNation, do mecanismo de protecção que é ajustar expectativas — e do que acontece quando o apoio é massivo e esmagador.



Escrevi recentemente sobre o primeiro aniversário do Deepak Looper, não sei se leste

Foste tu? Ah, pá… muito obrigado, muito obrigado.

Obrigado eu! Confessei nesse texto que só este ano acedi ao álbum, e tentei aproximar-te do meu ponto de referência — o escritor, o Henri Charrière. Já o conhecias?

Não, mano, não o conhecia. O Harold [MC dos GROGNation] é que me deu esse nome, porque viu o filme inspirado no livro [Papillon] e baptizou-me devido à simbologia da personagem principal: que nunca desiste, passa por várias fases de transformação e obstáculos e nunca desiste da journey dele. É óbvio que, com o tempo, fui conhecendo um pouco mais a história do Papillon, de que não estava a par antes.

Eu a pensar que estava a fazer uma grande descoberta e já tinhas isso tudo pensado. No tema “Impressões”, tens versos que são mesmo próximos dessa história: “Vou ter de sobreviver/ MacGyver com canivete/ Remar contra mar e vento/ Golias ou Gulliver”…

Sabes uma cena? [risos] Eu nunca o li o livro nem vi o filme, parece uma beca estranho; só sei a sinopse. A razão pela qual nunca o fiz é porque acho que o livro e a história vão fazer mais sentido [para mim] mais lá à frente, estou a guardar esse momento especial para acontecer por si só. Ainda não o li, mas é muito curioso estares a apontar esse paralelismo.

Vai ser uma recompensa. Dissecando esse paralelismo: enquanto o Papillon está a fugir de uma incriminação, tu não estás nem a fugir do teu destino, e parece-me que tens culpa no cartório.

Eu não estou a fugir neste momento. Se calhar a música ajuda no processo de ser livre; se ele foi incriminado e preso, eu quase que [inverto] essa história e o meu objectivo é libertar-me, estás a ver? Libertar-me de tudo o que o me prende, o que me faz sentir inferior — a música ajuda-me muito nesse aspecto. Mesmo na minha história, eu precisava de me libertar de certos preconceitos, certos belief systems para ser a pessoa e o artista que sou hoje. Faz sentido esse paralelismo com estar preso numa cela e teres que estar livre na tua cabeça versus eu estar preso na sociedade, ou naquilo que o hip hop acredita, ou a escola acredita, e ter de me libertar dessas celas.

A tua iniciação numa carreira a solo, pela qual começaste a gravar o Deepak Looper e a teres projectos no teu nome, catalisou essa visão?

Claramente que foi, ya. Eu sinto que trabalho muito em colaboração, faço trabalhos com muita malta e normalmente é tudo à volta do colectivo. E quando tu trabalhas num colectivo não consegues mostrar aquilo que realmente és, num grupo de amigos.

Com os GROGNation, estás incorporado nesse tipo de dinâmica.

Exactamente, não tens oportunidade de mostrar — é natural, não é que eu esteja a esconder alguma coisa, simplesmente estou a trabalhar para o grupo — a tentar dar o melhor de mim ao grupo. E com este trabalho tive oportunidade de mostrar quem eu realmente sou, sem estar inserido num grupo; explorar essa área que estava por explorar.



Como foi entrar no estúdio onde começaste a conceber o Deepak Looper? Mesmo em regime colaborativo com o Slow J e o restante pessoal, sentiste que aquela era a tua prova dos nove, o momento em que te tinhas de fazer valer?

Olha, sendo muito sincero, não houve grande diferença [risos]. Mesmo quando trabalho em conjunto, tento ser sempre eu próprio o mais possível. A grande diferença foi a decision making: fazer e todos os processos daquele projecto, do Deepak Looper, a passar mais por mim do que por outra pessoa qualquer; no final do dia, isto é uma obra que me reflecte a mim mais do que a qualquer outra pessoa, então sou eu que tenho de decidir o que é e o que não é. Nunca aconteceu noutros projectos em que participei ou estive envolvido, porque estou sempre a pensar com outras cabeças, pelo que essa a responsabilidade é repartida. Neste caso, para mim, o processo de escolhas e de decisões do alinhamento, com que transição…

Noutros contextos, eu estou sempre em conflito: eu dou a minha perspectiva, e se for preciso o Harold dá uma perspectiva diferente, andamos ali a debater e só depois é que nos encontramos. Neste caso, foi tudo mais fluído, fácil, sem resistência — eu é que estava no comando do leme, foi como tinha de ser.

Em termos de execução na cabine, foi a mesma coisa: eu gravo sempre com alguém a olhar para mim [risos], por isso nunca foi sozinho, foi quase sempre com o Slow J. Sempre com dicas para a melhor execução de certas partes… Sinceramente, eu gosto muito de fazer analogias na música com o desporto; a execução das músicas é a mesma, só muda o contexto, o sítio onde estás a jogar. Com GROGNation gravávamos num quarto de home studio, depois construímos o nosso estúdio, e agora fui gravar para outro, mas sempre a mesma coisa.

Mas deves ter sentido alguma diferença, na escolha de temas — sobre o que é que te ias debruçar, num registo que é obviamente mais pessoal, e foste o timoneiro nesse processo. Suponho que tenhas tido a oportunidade de deixar essa intenção bem vincada, e se calhar nunca tinhas tido esse espaço todo.

É exactamente isso que estás a dizer e é curioso estares a dizer isso, porque o primeiro som que eu sinto que eu tive uma abordagem mais pessoal e senti “estou a escrever isto para mim, não interessa quem vai gostar ou ouvir”, foi o “Dá-me Espaço” com os GROGNation, que inicialmente não estava planeado ser um som nosso, ouvi um sample na net, escrevi umas barras, estava com o Neck e disse-lhe “deixa-me gravar aí uma cena”, inspirei o resto do grupo a escrever, mas essa foi a primeira inclinação do que eu poderia fazer, a solo, e por isso é que te digo que desde essa altura eu tento abordar sempre tudo da forma mais realista possível, quase como se eu não estivesse a rimar com alguém. Depois, por associação, construímos o resto dos sons, mas é um bocado por aí.

No que toca à escolha dos temas, foi tudo temas que a mim diziam muito, se calhar até repeti alguns — por exemplo, o dinheiro, que é algo muito recorrente na minha obra: eu tenho sons com GROG a falar de dinheiro, tenho features a falar de dinheiro, agora tenho um som só eu a falar de dinheiro, portanto neste caso repeti-o. Há outros que não podia repetir por serem as minhas histórias, a minha vida, que não dá para replicar de outra forma. Muitos desses temas surgiram de introspecções minhas, cenas que eu já queria dizer há muito tempo que nunca tinha tido oportunidade de dizer noutro contexto — não fazia sentido no contexto de GROGNation — então já tinha alguns temas na minha cabeça que queria abordar. Outros temas surgiram em conversa no estúdio comigo, com o Slow J, com malta que normalmente pára connosco no estúdio, com produtores que também passavam lá no estúdio. Realmente, existe uma diferença em termos — ou seja, a abordagem, lá está, quando fazes rimas sozinho, pressupõe-se que estás praticamente sozinho, és tu a pensar, e isso é um trabalho que eu faço antes de ir para o estúdio, porque quando vou é mais para executar, aquilo que eu já estive a pensar. Esse trabalho de introspecção faço-o na vida normal, quando estou em casa, com os meus familiares, amigos, ou sozinho, tiro apontamentos, notas, faço rimas e vou para o estúdio para executar as ideias.

O Deepak Looper tem distintamente o teu cunho, mas é uma coisa sóbria, intimista, que rompe com o status quo nacional; às vezes parece intrusivo estar a ouvir algo tão pessoal. És um dos recém-chegados mais proeminentes da nova escola do rap e sentiste que, enquanto estavas a gravar o disco, estavas ou querias puxar a cena nacional noutro caminho ou direcção?

Olha, mano, sendo muito sincero: não e sim. Eu tento sempre controlar as minhas expectativas em relação às coisas, e então tento começar sempre por fazer aquilo que eu gosto — as sonoridades que eu gosto. Acima de tudo, eu sabia que havia uma quantidade de pessoas que ia ouvir o meu trabalho, se calhar habituadas a ver-me noutros contextos, e isso para mim dava-me vontade de lhes mostrar outras sonoridades. Não sabia que iam ser tantas pessoas, para te ser sincero, mas eu sabia que dentro do hip hop, há um grupo de pessoas que vai ouvir o meu projecto, e esse grupo está habituado a ouvir-me noutro registo, seja boom bap ou algo mais vanguardista.

Eu queria aparecer diferente — é o que faz sentido para mim, e gosto de explorar essas sonoridades dentro de mim, dá-me prazer fazer canções noutras direcções. Isso foi a primeira coisa que me entusiasmou, tentar surpreender as pessoas que já me ouvem, tentar mostrar-lhes outras direcções, encaixar aquilo que já conhecem de mim num mundo diferente.

Agora o “sim”: eu quero sempre fazer o melhor por mim, mas também pela música portuguesa, pelo hip hop, esticar a corda no bom sentido, fazer aquilo que os artistas que eu admiro também fazem: elevar sempre a fasquia, trazer uma abordagem nova, fazer algo diferente. Tenho isso na minha cabeça, mas não conto com o facto de fazer uma grande diferença. No final do dia, estou a contribuir para uma festa: se calhar sou o gajo que está a trazer a sobremesa, a contribuir da minha maneira, e há outros que trazem as bebidas, a carne. Eu contribuo para a festa da minha maneira, se ajuda a festa a ser melhor e a malta a curti-la melhor, ainda bem; se não for, é a minha contribuição na mesma e alguém haverá de gostar.

É interessante dizeres que alguém haverá de gostar, e disseste que inicialmente não tinhas consciência do alcance que terias. Foi o disco nacional no. 1 do Rimas…

E agradeço-vos bastante. Eu, pessoalmente, não sei quais os critérios de selecção, o que é que faz um projecto ser melhor ou mais impactante ou whatever que outro, mas agradeço-vos por terem tido a consideração de valorizar o projecto, mas também se não o fizessem, eu também estava bué contente. Se estivesse lá no meio, já estava contente à mesma [risos], mas isso é a confirmação de que fizemos um bom trabalho e toda a gente, a maioria das pessoas, se identificou com o que estávamos a fazer, e que estamos no bom caminho. Obrigado por confirmarem isso.

Nós é que agradecemos. Estreaste ao vivo o disco, no Estúdio Time Out, a 13 de Abril de 2018. Na reportagem, o Alexandre Ribeiro menciona que há uma altura que confessas ao público: “Vocês estão-me a assustar”. Que energia foi essa?

Habituei-me a ter de gerir as minhas expectativas relativamente ao mundo e as pessoas, e a não contar muito com as pessoas; a ter de me proteger do que pode vir ao virar da esquina. Quando és demasiado elevado e as pessoas te dão demasiado love, não é algo a que estou habituado, para ser sincero. Estou habituado ao equilíbrio, a pessoas que digam que gostam e que faz sentido e também a pessoas que não gostam e não faz sentido.

Quando há unanimidade, tanta gente a dar tanta energia, é assustador porque não estou habituado—ou, pelo menos, não estava habituado naquela altura. Faz-me sentir muito bem, porque eu só estou a ser eu próprio. Naquele momento, eu estava a ser eu próprio o mais possível, e a receber cada vez mais love das pessoas. Estava a ser uma surpresa positiva, daí o que disse: é como se estivesses na altura, e que podes cair a qualquer momento, mas não te vão deixar cair, não deixas de estar assustado na mesma por estares numa altitude tão elevada, aquele pequeno receio de cair.

Mas não caíste e continuas a ser um dos nomes principais onde vais: nos últimos tempos estiveste no Clubbing do NOS Alive, no Festival Académico de Lisboa — e em breve diriges-te para o Novas Quintas em Aveiro.

Vamos lá, vamos lá. Vamos mostrar um bocadinho do álbum e algumas cenas que temos feito ultimamente. Estou ansioso. Queres que eu te diga como vai ser? Eu vou sempre para os concertos a tentar perceber o que vai ser, qual vai ser o contexto; muitas vezes não conheço a história dos concertos, da zona, vou conhecer as pessoas.



Esse estado de espírito do “é o que for” deve ajudar a prever como vai ser a tua recepção, por muita pesquisa que faças.

Exactamente, para mim é complicado saber isso, mas tenho sempre a ambição de fazer a festa com as pessoas que lá estiverem. Depois, é só fazer aquilo que eu gosto e tentar contagiar o maior número de pessoas a entrar e a fazer a festa connosco — o nosso espectáculo é muito orientado para isso, para animar a malta, que é uma das coisas que eu gosto mais de fazer; gosto mesmo de ser MC, gerir e “manipular” as emoções em cima do palco, é das coisas que me dá mais prazer. Estamos preparados para isso. Espero que a malta também esteja preparada. Quem não conhecer, tenho uma oportunidade para lhe mostrar.

Continuas a revisitar o Deepak Looper, que deve continuar a ser a âncora dos concertos. A que faixa te dá mais gozo regressar?

Ei, mano. [risos] Epá, não sei. O projecto tem vários momentos, e o espectáculo também; eu não consigo distinguir muito, mas eu gosto da “Impec”, a energia que tem no fim, da malta toda congregada a cantar, acho que é o meu som mais conhecido, pelo que reúne mais vozes, e está mais para o fim do alinhamento. É quase a victory lap, é bué bonito esse momento. Também adoro a “Imbecis”, porque tem uma energia agressiva, gosto muito dessa descarga de energia — quase exorcizar os demónios no palco, dar a oportunidade às pessoas de poderem expressar-se dessa forma, não conter essa raiva reprimida, essa energia que podes libertar aí. Também gosto muito da “Iminente”, aquela festa… [risos] Gosto de tudo. É culpa do público, que entra na onda e ajuda na festa.

Dizias encontrar-te na tua fase do casulo — estamos a começar a entrar na fase da borboleta?

Não. Ainda não, mano. Ainda estou muito na fase de casulo, para ser sincero, e acho que é aqui que vai acontecer grande parte do meu percurso, porque lá está, acho que é aqui que vou ter oportunidade de melhorar ao máximo, porque quando for uma borboleta já não vai haver grande margem para evolução — quero acreditar que ainda tenho muita margem para evoluir enquanto artista e pessoa.

Estou numa fase de redescoberta de música, tenho tido oportunidade de estar frequentemente com outros músicos, e eu sou um rapper, venho da escola do rap, tudo o que eu sei “fazer” é escrever rimas, interpretar, cantá-las, há muita coisa dentro da música que não sei e tenho estado a aprender… a teclar, a dar uns toques na guitarra, a apanhar noções de composição musical, coisas assim. É quase como voltar à escola, para mim. Por isso é que acho que ainda estou no casulo, a aprender, na fase mais fértil da minha aprendizagem e quero continuar aqui, melhorar o mais possível para depois aí sim, sair do casulo—quando for para sair, é para sair o melhor, no expoente máximo.

Portanto, a borboleta só na reforma.

[Risos] Vamos ver, meu, não sei. Acho que também é fixe ser imprevisível: “quando é que vai ser a borboleta”? É bacano essa imprevisibilidade. Para já, estamos no casulo e vamo-nos manter aqui a aprender.

E é um bom sítio para estar. Editaste recentemente o “Aceso” e disseste que procede de uma “dinâmica colectiva de produção no estúdio”. Como é que foi gravar isso e o que é que andas a cozinhar agora?

Eu estou a querer experimentar coisas e estou a aprender também, então este som surge duma dessas experiências — tive oportunidade de colaborar com os “Avengers” [risos] da produção, apareceu o Slow J, o Fumaxa, o Holly, e fomos dar uns toques no Here’s Johnny e então foi uma experiência… o que eu tenho estado a fazer são essas experiências, que quando estiverem boas, eu partilho com a malta. Fora o projecto que tenho estado a conceber com GROGNation, também estou a escrever com outros artistas fora do meu circuito, portanto tenho estado um pouco aqui e ali, a aprender coisas novas.

Quando tiver mais coisas, mostrarei à malta. É óbvio que há muita coisa fraca [risos] que eu tenho que não quero mostrar a ninguém, mas quando estiver algo mais palpável, vou partilhar com a malta, muito provavelmente em breve, antes do Verão acabar, devo ter mais qualquer coisa fora, estou neste processo.

Para já, ainda é uma coisa mais ou menos flutuante; ainda não tens a meta de editar um álbum ou um EP?

Não, nada disso, não há álbuns planeados. Aliás, há, mas noutros contextos — temos um EP com o Sam [The Kid], com GROGNation que ‘tá para sair, tenho estado a trabalhar nisso, enquanto Papillon não estou a trabalhar em nenhum projecto grande ou pequeno, só estou a experimentar canções, e quando sinto que resultam, partilho com a malta.



Sem te querer apressar, só por curiosidade, achas que quando decidires fazer um disco ou quando entrares no estúdio com esse mindset, achas que vai fazer sentido o regime de produção que tiveste, com muito input do Slow J, ou queres agitar a fórmula?

Olha, sinceramente, não sei responder a isso. É óbvio que eu e o J temos grande química a trabalhar e é mesmo um match made in heaven, não trabalho melhor com mais ninguém, portanto é óbvio que eu adoraria repetir o processo com ele, mas isso não é dependente só de mim. Ele também é um artista por si próprio, tem o schedule e a vida dele, não posso estar a contar com isso. Posso estar a contar com isso, né [risos], porque já falámos [sobre isso], mas não queria estar a contar com isso. Não sei, eu acho que ele vai ter de fazer parte, eu vou sempre querer a opinião dele e que me ajude, mas pronto, não te sei responder a isso, se calhar sim, mas também existe a possibilidade de ser diferente…

Nem tens de saber responder ainda.

Eu gostava, mas não está dependente de mim. Gostava muito de repetir o processo de produção com toda a malta com quem eu trabalhei, porque funcionou muito bem — não estou só a falar em resultados, mas em termos da dinâmica, a malta teve toda grande delivery, conseguimo-nos concentrar num curto espaço de tempo e executar bué bem as ideias. Se eu puder contar outra vez com o Slow J, com o Lhast, com o Holly, com o Fumaxa, com o Charlie [Beats] na mistura — essa malta toda, no timing certo, toda a gente tão focada quanto no primeiro [álbum], era fantástico.

Avaliando-te a ti e ao teu percurso desde que lançaste o Deepak Looper, que lugar é que achas ocupar no hip hop português?

Olha, ocupo o lugar de um… sei lá, de um jovem promissor, que fez um bom projecto, mas que ainda tem muito para provar, porque o hip hop português já tem muitos anos, muitos bons artistas, que têm mais que um bom projecto — e a música portuguesa, em geral, também tem artistas que têm mais que um bom projecto. Sinto que a primeira pedra está bem assente, conseguimos fazer com que ela ficasse exactamente onde tinha de ficar, agora há muito trabalho para fazer. Ainda temos que tentar fazer mais música e tentar fazer melhores projectos e só aí é que se calhar pode haver conversas mais grandiosas de posição.

Eu acho que agora estou na mesma posição que todos os meus peers que começaram ao mesmo tempo que eu: ProfJam, Dillaz, malta que começou na mesma altura, temos algumas histórias, cruzámos alguns caminhos, e estou no mesmo lote que eles, mas acho que todos nós — não só eu — ainda temos muito a provar: fazer mais música, mais projectos, para fazer com que esta geração de MCs brilhe e que daqui a uns anos possamos ser nós os guardiões da galáxia [risos]. Estou aí com eles, eles são os meus peers, os gajos que me inspiram, estou com o Slow J, com o Dillaz, com o Prof, o Mike El Nite, os GROGNation…

Imagino que tenha havido alguma comunicação com os teus pares e referências: qual foi o feedback geral, se o recebeste?

Foi tudo muito positivo; todas as pessoas com quem eu me cruzei deram-me muita força e gostaram bastante do projecto que foi feito. Se calhar, até entrei para a consideração de muitos que se calhar nem me conheciam, ou que [me viam] meio perdido no meio de GROGNation, de que tinham ouvido, mas não do meu nome. Vieram-me dar força. É quase como se eu tivesse reentrado para o gang, e a malta agora conhece-me, e vê potencial para eu ser um artista maior que sou hoje. Fico bué lisonjeado e contente…

Pá, eu nunca pensei ter os meus artistas favoritos, todos, o meu top 3 de artistas a vir dizer que gostaram muito do que eu fiz, e a darem-me aquela palmadinha nas costas: “continua, estás no bom caminho”. Isso para mim é impagável, os artistas que eu ouvi a vida toda estar a dizer-me isso é um sonho tornado realidade e não tem valor sequer. Quando me fizeram isso, para mim é tipo… bro, ‘tá feito, ganhei.

Esse top 3…

Sam [The Kid], Valete e o Boss AC.

Estás numa indústria em que é fácil ser catalogado, e a tua obra não se dá facilmente a isso — não é facilmente encaixável. Tens sentido alguma resistência nesse departamento ou tem sido fácil navegar por aí?

Olha, mano, por acaso ainda não prestei muita atenção a isso. Sei que realmente não é fácil catalogar o projecto, no entanto eu gosto disso, sinto-me muito contente com isso. Dá-me oportunidade de estar sempre a explorar áreas desconhecidas, e tanto posso estar num festival mais alternativo como posso estar em algo super hip hop — isso é algo que me agrada, conseguir existir em dois sítios. Tanto posso estar num sítio mega-festivo, com sonoridades mais electrónicas ou africanas… gosto disso, do facto do projecto não estar numa caixa, super catalogado, “isto é só hip hop ou isto é só aquilo”.

Isto também é o reflexo do que eu sou enquanto pessoa: eu não tenho só um grupo de amigos que faz tudo a mesma coisa, tenho vários grupos, dou-me com imensas pessoas diferentes, de todas as áreas e feitios e coisas do género. Para mim, é muito bom esse aspecto de não haver catálogo, podes ir para aqui e para ali… Dá-te uma liberdade. Gosto de estar assim.

Para terminar, a pergunta de um milhão de dólares: o teu pai continua a dizer que só comes, cagas e dormes?

Ah, puto, olha… sendo sincero contigo, isso é uma resposta que vocês só vão saber no próximo álbum.


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