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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/10/2021

OCENPSIEA: “Gostamos de contar uma história com cada álbum”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 20/10/2021

Quando os BADBADNOTGOOD surgiram nos inícios da década passada, o que eles traziam, em comparação com outros projectos mais antigos que faziam estas fusões que atravessavam jazz, rap, electrónica e r&b, era uma capacidade, que também tinha a ver com a sua geração, de entender o que unia estas linguagens e de tentar interpretar, à sua maneira (que era séria), aquilo que de mais vibrante encontravam na música de Wacka Flocka Flame, Gucci Mane, Tyler, The Creator, Slum Village, Flying Lotus, NAS ou James Blake.

O impacto real dos canadianos ainda estará para ser medido, mas cá em Portugal vai-se fazendo sentir de diferentes formas. Se a Internet encurtou as distâncias físicas, a prova disso (uma delas, vá) é a inclusão de “Ruído” em playlists oficiais dos BBNG no Spotify e na Apple Music, um gesto modesto que poderá ter mudado radicalmente o caminho dos bracarenses OCENPSIEA, ainda desconhecidos para grande parte do público português.

Os paralelismos entre os dois grupos ficam-se pela idade com que começaram a dar nas vistas (e na maturidade com que o fizeram), a formação mais clássica e o respeito pelas ligações que existem entre as rimas e batidas e as notas azuis. Fora disso, há um “agudo sentido de humor” e um “estimulante edifício de sons, grooves, melodias e harmonias que se apresenta com sólida construção e engenhosa arquitectura” para encontrar no som erguido pelo quarteto de Braga que ao terceiro álbum, Oceano-Mar, entrou no radar — e as participações de PZ, David Bruno, José Pedro Coelho e Gileno Santana são sinais inequívocos que sabem o que querem e quem querem ao seu lado nesta jornada.

Prestes a estrearem-se em Lisboa, num concerto incluído nas Noites Azuis no Lux Frágil, e depois de nos revelaram que discos foram importantes para a sua formação enquanto músicos, a banda respondeu, com atitude de quem tem algo importante para dizer, a uma série de questões, elucidando-nos sobre de onde vieram, mas também quem são e para onde vão.



Comecemos pelo início. Onde é que os OCENPSIEA se conhecem? E quando é que decidem formar banda?

[Gonçalo] Desde muito jovens que o João e o Tomás eram amigos, e, sendo eles colegas da classe de percussão no Conservatório, já tocavam juntos, por vezes até com outros colegas, mas sempre num contexto relaxado.

Foi no início do ano lectivo de 2014/2015, depois do João e eu participarmos num workshop de jazz nas férias de Verão, que começámos a tocar os três. A partir daí começámos a ensaiar com mais regularidade, a fazer jams com colegas. Houve ali um período em que o projecto não estava bem delineado, e chegámos a tocar e ensaiar com outras pessoas. 

Em 2016, assumimos mesmo que éramos um trio e decidimos chamar-nos OCENPSIEA. Tivemos os nossos primeiros concertos e no Verão seguinte (2017) decidimos registar todas as ideias que tínhamos até à data, com a gravação do nosso primeiro álbum.

O Francisco era nosso colega na escola e tínhamos conhecimento que ele tinha um certo à-vontade com música electrónica, sintetizadores, som e produção musical. Recordo-me que uma vez, em 2018, lhe pedimos uns conselhos relativamente ao soundcheck de um concerto que íamos ter. Depois disso, decidimos ensaiar os quatro e sentimos realmente uma conexão e que fazia todo sentido abraçarmos os quatro este projeto, que tem corrido muito bem enquanto quarteto!

Houve alguma banda que serviu de referência inicialmente? O que é que andavam a ouvir e vos inspirava?

[Gonçalo] Penso que um dado interessante sobre nós é o facto de todos termos preferências musicais diferentes. Todos reconhecemos, de certa forma, a qualidade musical de projectos. No dia-a-dia, ouvimos coisas muito diferentes e mesmo o nosso background musical, a nível de influências, é muito distinto.

No entanto, claro que também há vários gostos que temos em comum. Penso que mesmo no início do nosso projecto, as bandas que mais nos inspiraram foram os GoGo Penguin e os BADBADNOTGOOD, por serem também trios de jazz fora do comum. No entanto, respeitando sempre estes dois enormes conjuntos, nunca tivemos o objectivo de seguir os seus passos. Mantivemo-nos sempre fiéis às nossas próprias ideias e sonoridades.

Para além de trabalharem com alguns músicos experientes da cena nacional em Oceano-Mar, também se sentem claramente à vontade para samplar, por exemplo. O rap, nesse sentido, é uma linguagem importante para a vossa identidade enquanto grupo? 

[Francisco] Tanto o rap como tudo o que envolve o hip hop nos influencia. Desde sempre que foi algo que nos uniu e cativou. Gostamos de partilhar entre nós diferentes abordagens do hip hop que foram ou estão a ser feitas. Portanto, mais que o rap é toda a linguagem hip hop que está bem assente na nossa identidade. Isto, como é claro, resulta num enorme interesse nosso pelo mundo do rap tanto a nível nacional como a nível internacional. Isso é inegável.

Numa entrevista dada à ComUM diziam que tinham “algo a acrescentar que ainda não existe. Em Braga, principalmente, e em Portugal”. Querem desenvolver um pouco mais sobre essa ideia? Em concreto, o que é que acham que acrescentam e que ainda não existe?

[Tomás] Felizmente, têm surgido cada vez mais grupos a fazerem coisas diferentes em Portugal, e só temos a beneficiar com isso em termos de exposição e espaço para um estilo diferente na cena musical portuguesa. Procuramos, no entanto, ser únicos naquilo que fazemos e diferenciarmo-nos das outras bandas. Realço o facto de estarmos sempre abertos a diferentes maneiras de abordar a nossa música, seja através de colaborações com outros artistas, ou do recurso a outros instrumentos e sonoridades. Por isso também não gostamos de nos catalogar com apenas um estilo, sendo que somos uma banda bastante eclética por natureza que retira inspiração de diferentes estilos tais como jazz, rock, funk, pop, hip hop, r&b, música tradicional e popular, entre outros.

O facto de termos todos formação clássica também contribuiu para a singularidade do nosso som, e procuramos tirar o melhor proveito disso em todos os aspectos.



Apesar de jovens, já lançaram três álbuns (o primeiro deles ainda em 2017, quando eram todos adolescentes, se não nos enganamos). Numa era da valorização do single, o álbum para vocês foi sempre o que mais vos interessou ou teve mais a ver com o estilo de música que faziam?

[João Nuno] Acho que o nosso estilo musical sempre nos “obrigou” a pensar mais em lançamentos de álbuns. Embora raramente façamos uma música a pensar em enquadrá-la num disco, temos sempre alguma noção da sonoridade que ele vai ter e se algumas ideias se vão enquadrar ou não, o que acaba por consequentemente deixar de parte algumas músicas. Mas temos cada vez mais a noção de que vivemos num mundo que valoriza muito o single, daí termos lançado a “Bicho Mau” com o PZ como single. Também se nota que as durações das músicas são muito mais radio friendly do que outros projectos jazz. No fundo, gostamos de contar uma história com cada álbum e ao mesmo tempo ter música atrás de música que podia ter sido lançada como single.

Apesar de não terem feito parte do artigo na altura — e fariam todo o sentido, só que ainda estavam “ocultos”, pelo menos para nós –, os OCENPSIEA incluem-se obviamente na onda do JazzNãoJazzPT. Revêem-se no movimento? E, já agora, estavam a par destes projectos?

[Francisco] Soubemos da onda JazzNãoJazzPT através de vocês, curiosamente. Alguns dos grupos que referiram já tínhamos conhecimento. Não ouvir as semelhanças estilísticas seria o mesmo que ignorá-las, no entanto, para nós, não vai muito para além dessas semelhanças. É possível observar que exploramos estilos e estéticas dentro do jazz e as suas possíveis fusões — mas esse é todo um mundo. Não é que não nos tenhamos sentido honrados ao estarmos a ser falados paralelamente a grupos bem estabelecidos como YAKUZA ou Mazarin, no entanto sentimo-nos um pouco de parte, tendo em conta o que queremos alcançar com a nossa música. Percebemos a necessidade de catalogar os grupos de forma a organizá-los consoante as suas semelhanças e esse trabalho nunca nos caberá a nós, mas sim aos ouvintes. Portanto se nos revemos ou não na onda JazzNãoJazzPT? Pouco importa a nosso ver. É uma honra para nós sermos reconhecidos musicalmente seja de que maneira for. Por norma perguntam: “como caracterizam a vossa música?” Gosto de responder que somos quatro putos fixes de Braga a fazer música fixe.

[João Nuno] Claro que sim, somos um grupo que tem música maioritariamente instrumental, o que acaba por fazer com que nos associem a jazz. Talvez seja realmente o mais próximo do nosso estilo, no entanto, não dá para o classificar, nem gostamos de o fazer, o que faz com que não existam barreiras na música que fazemos.

Sabemos que ainda passou pouco tempo desde que os BADBADNOTGOOD vos incluíram na tal playlist do Spotify, mas já sentiram o impacto dessa inclusão? 

[João Nuno] Sem dúvida que sentimos um grande impacto logo nos streams e nos ouvintes desde que fomos adicionados à playlist do Spotify, e também uma mais recente na Apple Music, pelos BADBADNOTGOOD. Mas acho que o mais significativo foi o impacto que teve aqui em Portugal. Muita gente decidiu finalmente dar uma oportunidade à nossa música. O pensamento foi, provavelmente, “se eles adicionaram é porque deve ser bom”. Foi bom sentir todo este carinho e gostámos muito de finalmente sermos reconhecidos, não importa de que maneira. 

A vossa estreia em Lisboa está marcada para o Lux Frágil, uma sala emblemática. Como é que se sentem por ir lá tocar e o que é que podemos esperar do vosso concerto?

[João Nuno] Sentimo-nos muito honrados pelo convite do Rui Miguel Abreu, tocar em Lisboa era algo que já desejávamos há muito, tanto para conhecer o nosso público lisboeta, como para lhe apresentar o nosso mais recente álbum e, sem dúvida, que não há melhor contexto para finalmente o fazer acontecer do que nas Noites Azuis no Lux Frágil. 

Quanto ao que se pode esperar deste nosso concerto, com certeza será igualmente emblemático, aliás, faremos de tudo por isso e por proporcionar ao nosso público uma experiência inesquecível, como tentamos fazer em todos os concertos que damos. Para nós, dar concertos é algo extremamente gratificante onde podemos ver os frutos do nosso trabalho e criatividade em primeira mão, principalmente quando nos vêem dizer que normalmente não optariam por ouvir o nosso estilo musical, mas que adoraram e que ganhamos um ouvinte. Será certamente uma excelente maneira de regressar aos palcos e de voltar ao ritmo, até porque também vamos estrear-nos no dia a seguir em Espinho e pretendemos aproveitar esta inércia e ter uma agenda cheia, principalmente depois da maneira como todo o sector da cultura e do entretenimento ficou estagnado durante a pandemia. De certeza que o Lux também sentiu este abalo, sentimos todos, portanto venham ao concerto e preparem-se para sair com OCENPSIEA na memória, vai ser um concerto a não perder com capacidade máxima e seguido de um DJ set pelo Rui Miguel Abreu e pelo Trol2000, igualmente imperdível.


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