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Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 28/12/2021

O jazz em primeiro plano.

Notas Azuis #77: Especial Phonogram Unit

Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 28/12/2021

Na coluna Notas Azuis vai abordar-se jazz, música livre, música improvisada de todas as eras e nacionalidades, editada em todos os formatos.



[Vasco Furtado, Salome Amend, Luise Volkmann] Aforismos / Phonogram Unit

O baterista português Vasco Furtado cruza-se com a vibrafonista Salome Amend e com a saxofonista alto Luise Volkmann, ambas alemãs, num registo para a lisboeta Phonogram Unit que foi gravado em Janeiro deste ano. Facto digno de relevo é que estas cinco peças improvisadas e de abstracção vincada resultam daquele que foi apenas o segundo encontro dos elementos do trio, seguindo-se a uma apresentação num festival de música improvisada em que a empatia alcançada foi suficiente para que se tomasse a decisão de levar as três fontes de energia a interagirem uma vez mais, desta vez num ambiente mais controlado de estúdio. E mesmo sem o mais relevante ponto de comparação que seria a audição dessa apresentação de palco, o que parece óbvio nesta sessão é a capacidade que Furtado, Amend e Volkmann têm de se escutar mutuamente, cavando espaços que privilegiam a interacção, a partilha e a comunicação, nunca soando como se estivessem cada um a seguir numa direcção diferente. Na mais longa peça do disco, a verdadeira tour de force “Intuitions”, que se estende para lá da marca dos 27 minutos, essa vontade comum percebe-se nitidamente na forma como a ideia se desenvolve, partindo do sombreado do quase silêncio até à ebulição comunal, num êxtase libertário que depois se retrai em micro-detalhes de imensa beleza textural.



[José Lencastre, Hernâni Faustino, Vasco Furtado] Forces in Motion / Phonogram Unit

Vento foi o álbum com que este mesmo trio — formado por José Lencastre (saxofone alto), Hernâni Faustino (baixo) e Vasco Furtado (bateria) — marcou o arranque do catálogo da cooperativa editora Phonogram Unit que soma já oito lançamentos, seis dos quais durante o corrente ano. E se essa estreia nos levou por aqui mesmo a sublinhar a sua estrutura de “seis feéricos temas de livre improvisação”, para este novo registo de “forças em movimento”, em que Faustino decide trocar o contrabaixo acústico pelo baixo eléctrico, o triângulo soa mais contido nestes novos seis quadros, porventura mais cerebral. Forces in Motion, revelam-nos as notas de lançamento, foi gravado ao vivo, mas sem público, na Igreja do Espírito Santo, nas Caldas da Rainha, em Outubro de 2020, sendo a apresentação transmitida ao vivo no espaço de rádio da associação Osso Colectivo. “Lava Flow”, a peça mais expansiva nos seus quase 14 minutos de duração, acaba por ser uma boa metáfora para o que aqui parece escutar-se: lentas, mas imparáveis deslocações tectónicas, com cada um dos músicos a assumir o peso de um verdadeiro continente, cada um povoado não de fauna e flora, mas de texturas e nuances cromáticas sonoras que se combinam num vívido planisfério de vibrantes e diferenciadas topografias: o ar de Lencastre, a terra de Furtado e a água de Faustino a criarem o fogo de cada vez que se encontram, como bem demonstrado depois da “erupção” a meio do já citado tema, em que Faustino parece reencontrar um pulso rock de outrora e Furtado e Lencastre seguem a direito rumo a um mundo novo. Tivesse havido público presente e é provável que tivesse havido crowdsurfing.



[Voltaic Trio] 290421 / Phonogram Unit

O trompete e a electrónica de Luís Guerreiro, a guitarra eléctrica de Jorge Nuno e a bateria de João Valinho arrancam logo em derrapagem na peça única “290421”, como se esta música tivesse sido gravada num acelerador de partículas, toda ela choque de matéria sub-atómica que implode em milhões de faiscantes fragmentos. O rock, o metal, o jazz e a improvisação livre são as coordenadas reclamadas pelo trio que se espraia em (descritvos seus) “distorção electrónica” e “imparável fervor percussivo” que desemboca em “descarga de alta intensidade”. Mais palavras para quê? É um inventivo trio português, gravado pelo enorme Joaquim Monte no amplo espaço do estúdio Namouche, uma espécie de encontro entre o lado mais xamânico dos Velvet Underground e o fermento embruxado mais extremo do Miles eléctrico captado no palco do Fillmore depois dos Grateful Dead terem empurrado toda a gente para o espaço. Ou algo que o valha.

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