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Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 31/03/2021

O jazz em primeiro plano.

Notas Azuis #53: Ill Considered / Dundundun

Ilustração: Carlos Quitério
Publicado a: 31/03/2021

Na coluna Notas Azuis vai abordar-se jazz, música livre, música improvisada de todas as eras e nacionalidades, editada em todos os formatos.



[Ill Considered] Ill Considered 10 – The Stroke / Ill Considered Music

Os britânicos Ill Considered celebram a sua décima edição com um projecto muito especial em que voltam os focos para o artista que desde o primeiro momento tem assegurado o artwork das suas capas, o holandês Vincent De Boer. Ao longo de ano e meio, De Boer e o seu colaborador Hans Schuttenbeld criaram cerca de quatro mil desenhos que estão na base do filme de animação The Stroke. Invertendo o que tinha sido até então a estratégia criativa habitual – a arte do pintor e caligrafista holandês surgia sempre num processo reactivo à música criada pelos Ill Considered –, o grupo de Emre Ramazanoglu (bateria), Idris Rahman (saxofone), Satin Singh (percussão) e agora também Liran Donin (baixo) criou em sessão de completo improviso a banda sonora para o filme acabado. A peça que dá título ao projecto, “The Stroke”, está agora impressa em vinil e marca a chegada da discografia do grupo à 10 edição.

Os Ill Considered, no entanto, sempre cuidaram das edições físicas da sua música, desde logo por entregarem a De Boer essa missão de traduzir visualmente a sua música de espontânea e livre invenção em abstractos jogos de linhas, “strokes”, na verdade, de um pincel tão original quanto o sopro que se sente na música que têm vindo a lançar desde 2017. Por isso mesmo, este redondo número 10 na sua conta discográfica pessoal merecia um objecto especial. Os tais quatro mil desenhos originais criados no atelier de De Boer foram divididos por 338 caixas numeradas que além desses frames do filme de animação final contêm igualmente uma série de autocolantes com a originalíssima caligrafia de Vincent De Boer e, pois claro, o vinil com o tema “The Stroke” (entretanto esgotada na fonte, no Discogs a caixa mais barata disponível para venda já custa 300 euros!!).

“The Stroke”, que é dedicado a Leon Brichard, anterior baixista que parece ter abandonado o grupo para se concentrar nos seus projectos paralelos MadMadMad, Pokus e Wildflower, é uma intensa composição espontânea de 6 minutos e 20 segundos que arranca livre como o vento, sempre guiada pelo sopro de Idris Rahman, tão espiritual quanto visceral, com tom de fundo de canyon; depois de ver expostas as “folhas de som” do saxofonista, como fracturas no concreto, a secção rítmica engata, a partir de sugestão do baixo algo roqueiro de Liran Donin, numa corrida em tempo lento, como se os relógios tivessem começado a avançar mais devagar do que é suposto, e enquanto isso o saxofone, de som cheio e trovejante, vai largando as suas fagulhas na composição sem estrutura aparente, sem groove vincado, como tantas vezes acontecia em registos passados, respondendo assim às sugestivas e dramáticas imagens de De Boer. Sintonia absoluta.



[Dundundun] Dundundun EP / Worm Discs

Os Dundundun são um sexteto de Bristol composto por músicos (não identificados, pelo menos neste registo inaugural) que, dizem-nos as notas de lançamento a cargo da mesma Worm Discs que nos deu a compilação New Horizons focada no novo talento jazzístico da cidade do dub e do trip-hop, possuem ampla experiência por terem servido em bandas de palco que acompanharam digressões dos The Heavy, Alice Russell ou Dele Sosimi. Neste EP de estreia, os Dundundun parecem assumir o peso dessa específica tradição musical de Bristol e oferecem-nos um som que parte do jazz para abraçar o pulsar do dub, da electrónica e do afrobeat.

O EP é contido e apresenta apenas dois temas dos Dundundun, o primeiro uma efusiva reinvenção de “Love in Outer Space” de Sun Ra aqui renomeado como “Dun in Outer Space”. O resultado dessa revisão é interessante e reposiciona o original exercício de crooning cósmico do piloto da Arkestra como uma musculada e festiva deriva de inspiração afrobeat guiada por um baixo pulsante e por uma secção de metais bastante expressiva, tão capaz de soar reflexiva como, no momento seguinte, se entregar à tradução musical da explosão em câmara lenta e pressão alta, com jogos rítmicos de forte apelo dançante. O segundo tema tem por título “Anansi” (de que acaba de se estrear vídeo captado na sala de ensaios do grupo), uma sincopada viagem em que os sintetizadores se entrelaçam com a secção rítmica e um saxofone tenor expõe o tema melódico, num caleidoscópico arranjo que admite bastantes variáveis de dinâmica, algo que se traduz numa vivacidade cativante.

A esses dois temas correspondem ainda duas remisturas. Ao Ishmael Ensemble de Jake Spurgeon cabe a tarefa de “aditivar” “Dun In Outer Space”, missão que é cumprida com distinção numa remistura que acentua o lado espacial do tema e lhe reforça o apelo de pista, reduzindo as variáveis e concentrando a energia afro; já Rebecca Vasmant, encarregue de atribuir argumentos adicionais a “Anansi”, abre espaço para a sua planante voz numa “vibration mix” de tonalidades algo baleáricas, mas que retém os elementos jazzy da versão original, com o resultado final a pedir esplanadas, brilho de mar e calor para fazer pleno sentido.

Estreia auspiciosa esta, que pede passos adicionais, talvez sem os desvios paralelos que as remisturas sempre representam, de forma a expor mais claramente as “intenções” e as capacidades do sexteto. O nome, entretanto, fica anotado: Dundundun.

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